A menos que ocorra uma reviravolta imprevista, portanto, a Venezuela caminha para a realização de uma eleição neste domingo, um ano antes do inicialmente previsto pleito para a sucessão do presidente Nicolás Maduro. Isso significa que o chavismo-madurismo obteve uma vitória definitiva sobre a oposição, que boicotará o pleito? Não necessariamente.
Na sexta-feira, pequenos grupos bloquearam ruas da capital, Caracas, onde amplos espaços permaneciam vazios depois da greve geral parcial de 48 horas de quarta e quinta-feira. A coalizão oposicionista Mesa de Unidade Democrática (MUD) não conseguiu realizar a almejada marcha à capital, mas conclamou a população a manter os protestos até o momento da votação. O número de mortos, que chegou a 113 desde o início da onda de manifestações, em abril, deve aumentar até o encerramento da eleição. Em quatro meses, a polícia de Maduro prendeu cerca de 4,5 mil pessoas.
A persistência das demonstrações apesar da intensa repressão é a expressão de um país fraturado. Apesar da riqueza de seu subsolo – que contém as maiores reservas brutas de petróleo do mundo, superando as de grandes produtores como Arábia Saudita e Rússia –, a Venezuela atravessa uma crise sem fim, com inflação recorde, desabastecimento e violência urbana incontrolável. Segundo o instituto Datanálisis, o presidente é rejeitado por cerca de 80% dos venezuelanos. Embora o chavismo – corrente encabeçada pelo ex-presidente Hugo Chávez (1954-2013), há 18 anos no poder – ainda mantenha bolsões de popularidade, a oposição canalizou boa parte do descontentamento e da ira. Na semana passada, cerca de 7 milhões de pessoas rejeitaram a constituinte em plebiscito convocado pela oposição.
O professor Oliver Stuenkel, coordenador do MBA em Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, afirma que os desdobramentos políticos da eleição de domingo são imprevisíveis, mas que provavelmente o país caminha para a consolidação de um regime “autoritário e autocrático”.
– A eleição da constituinte será uma espécie de oficialização desse novo momento. O que a oposição poderá fazer será negar legitimidade a essa nova ordem. Uma das possibilidades é a criação de um governo paralelo – diz.
A professora do Curso de Relações Internacionais da UniRitter, Denise de Rocchi, enfatiza a importância política para o andamento da crise da decisão do governo americano de sancionar indivíduos ligados a Maduro. Essa abordagem, que já tinha sido adotada em 2014 pelo Congresso durante o governo Barack Obama, é uma tentativa de evitar os danos à população causados por sanções econômicas mais tradicionais.
– Esse tipo de medida pode ter impacto em razão da dificuldade de se aprovar sanções mais duras em organismos como o Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde haveria oposição de China e Rússia, e na Organização dos Estados Americanos (OEA), com resistência de países caribenhos. Em outras circunstâncias, como no caso do Iraque antes de 2003, viu-se que os líderes continuaram enriquecendo enquanto o povo passava privações – afirma Denise.
Outro foco de oposição a Maduro está na União Europeia. O presidente da Eurocâmara, Antonio Tajani, disse que a constituinte é “um novo golpe à democracia” por parte do governo.