Aquele que talvez seja a maior referência em termos de análises políticas na Venezuela, o presidente do instituto Datanálisis, Luis Vicente León, diz o seguinte sobre a procuradora-geral da República, Luisa Ortega Díaz:
– É a fratura mais relevante já ocorrida dentro do chavismo.
Chavista histórica, Luisa, 59 anos, tornou-se o novo trunfo da oposição venezuelana contra os desmandos do presidente Nicolás Maduro e já foi chamada por este de "traidora".
A Associação Ibero-Americana de Ministérios Públicos manifestou apoio a Luisa, expressando sua "preocupação" com a disputa que mantém com Maduro. Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Espanha, Guatemala, Panamá, Paraguai, Portugal e Uruguai expressaram sua "profunda preocupação com as declarações públicas contra o trabalho" da procuradora-geral.
O que fez a advogada Luisa, doutora em Direito Constitucional e integrante do Conselho Nacional de Direitos Humanos da Venezuela? Uma sequência de atos que, enumerados, mostram como ela se desgastou crescentemente junto ao poder bolivariano.
Luisa pediu a impugnação de 13 dos 32 juízes. E disse:
– Responsabilizo o Executivo pelo que pode vir a acontecer com a minha família.
A escritora e jornalista Milagros Socorro afirma que a atuação de Luisa não chega a surpreender.
– Ela diverge do chavismo há um ano. A constituinte, por sua ilegalidade, afasta muitos chavistas. Ela conhece o chavismo por dentro, era próxima de Chávez, sabe o que fazem para burlar a lei, e isso incomoda o governo. Creio que já sabia que o TSJ rejeitaria seus recursos contra a constituinte. Creio que venha com medidas para combater o regime. Estamos em uma luta de titãs, os poderes se enfrentam, e ela conhece bem aqueles a quem está enfrentando. Não duvido que entre com ação penal contra Maduro por conspiração e desacato à lei. Suas ações desnudam a ditadura – diz Milagros.
Mandato, em tese, vai até 2021
Luisa Díaz é procuradora-geral desde dezembro de 2007. O primeiro mandato encerrou-se em 2014 e foi renovado. O atual, na teoria, termina em 2021. Sua carreira de advogada se alicerçou nos direitos humanos, quando investigou abusos ocorridos antes de Chávez assumir a presidência, em 1998. É casada com o deputado Germán Ferrer, do Gran Polo Patriótico (que reúne partidos chavistas). Tem parentes vinculados a Chávez até antes da sua era no poder. Seu irmão, Humberto Ortega Díaz, participou, com Chávez, da tentativa de golpe em 4 de fevereiro de 1992. Ela própria foi escolhida para ser a procuradora-geral pelo prócer bolivariano.
Antes do rompimento com Maduro, Luisa defendia até prisões políticas como a de Leopoldo López, trancafiado por supostamente ter provocado uma onda de violência na qual morreram 43 pessoas em 2014, na maioria abatidas pela repressão governista.
Agora, processa o mesmo governo que antes defendia.
– Esses recursos defendem a soberania popular, a Constituição, a democracia participativa, os venezuelanos. O que está em jogo é o país. Uma constituinte não pode ser feita dando as costas à população – disse, convocando venezuelanos a se unirem contra a medida do governo e citando o artigo 333 da atual Constituição, segundo a qual a lei não perderá a vigência "se deixar de ser observada por ato de força ou derrogada por mecanismos diferentes ao previsto".
Luisa define a Constituição:
– Surgiu com o objetivo de transformar o sistema político e mudar um modelo esgotado.
Maduro rebate Luisa. Além de defini-la como "traidora", diz que ela agora "lidera a oposição".
O nº 2 do chavismo, Diosdado Cabello, assegura que o mandato da procuradora termina em 30 de julho – data prevista para a instauração da constituinte.
– A senhora é parcial, é agente da oposição. Perdeu o rumo definitivamente – disse Cabello, também ameaçando dissolver o Legislativo.
Abaixo, a carta enviada por Luisa rejeitando reunião com Maduro para tratar da constituinte, contra a qual ela recorreu por considerar ilegítima.