Não por acaso, a agora ativista Lilian Adriana Tintori Parra, 39 anos, foi recebida antes mesmo dos governantes sul-americanos pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em audiência na Casa Branca. Trata-se da mulher do líder oposicionista venezuelano Leopoldo López, preso pelo governo de Nicolás Maduro e condenado a 10 anos de prisão sob a acusação de incitar a violência nas manifestações de 2014, que resultaram em 43 mortes. A ironia é que essas vítimas são quase todas opositoras, abatidas pelas forças repressoras do governo.
No último dia 7, após ficar 35 dias sem ver o marido e atormentada pelo rumor de que ele teria morrido no cárcere, Lilian enfim pôde vê-lo. Nesses dias, ela reforçou a imagem de ativista dos direitos humanos, com suas vigílias em frente à prisão de Ramo Verde, onde López permanece isolado.
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Lilian é filha de mãe venezuelana e pai argentino, exilado na Venezuela em razão da ditadura (1976-1983) que deixou 30 mil desaparecidos. Passado, presente e futuro se juntam para ela adotar a bandeira dos direitos humanos em geral e da rejeição às prisões políticas em especial. Ainda foi representante da Socieven (ONG para a sensibilização quanto à surdez e distúrbio da fala) e colabora com a Fundação BFC contra a violência de gênero. O passado de Lilian é o seu pai exilado. O presente é o marido preso. O futuro é o presidente Nicolás Maduro, que ela pretende ver longe do palácio de Miraflores.
Professora e pós-graduada em comunicação política, Lilian já foi apresentadora de TV e radialista. Campeã de kitesurf em 2003, deslizando pelas águas azuis do Caribe, criou a Fundação Porkite, que recupera e doa equipamentos usados nesse esporte. Em 2007, casou-se com López, com quem teve os filhos Manuela, oito anos, e Leopoldo Santiago, quatro.
Na Venezuela, além da ruptura institucional, do desabastecimento de 80% da cesta básica, da inflação anual em 700% e das filas de sete horas para comprar um saco de farinha, a atual onda de protestos deixou 39 mortos. Dias depois, as mulheres fazerem protesto, e aposentados lideraram uma marcha sob o lema "por nossos netos". Até bombas de excrementos têm sido usadas, que o governo define como "arma química".
Dados oficiais mostram que a mortalidade infantil aumentou 30,12% em um ano, e a materna subiu 65%. Em 2016, houve 11.466 mortes de crianças de zero a um ano. No ano anterior, foram 8.812.
Cresceram ainda em 76,4% os casos de malária, chegando a 240.613. De acordo com associações médicas, a malária, que estava erradicada no país, reapareceu nos últimos três anos. O governo classifica a situação como epidêmica em 13 dos 24 Estados. A Federação Médica Venezuelana relata que os hospitais estão funcionando com apenas 3% dos medicamentos e produtos necessários.
"Leopoldo está sequestrado por Maduro", diz Lilian
Lilian Tintori conversava com ZH havia semanas sobre uma entrevista. Nunca podia. Quase não saía da frente do presídio de Ramo Verde para ver o marido. Foram 35 dias sem que Leopoldo López encontrasse a mulher, os filhos e a mãe, Antonieta López. No dia 7, enfim, ela viu López e soube que estava vivo. Na quinta-feira, Lilian e Antonieta foram a Brasília e visitaram o presidente Michel Temer. Em meio a audiências, ela falou por 20 minutos com ZH. Leia trechos da entrevista:
Como foi o encontro com Leopoldo?
Foi muito emotivo. Foi um triunfo. Só conseguimos nos encontrar pela pressão que fizemos. Foram 35 dias protestando, e ele lá na prisão, sem que soubéssemos da sua situação. E nós indo vê-lo. Passamos dias duros. Havia rumores de que estaria em um hospital. Não sabíamos mais o que pensar (havia boato de que López teria morrido). Leopoldo não está preso, está sequestrado por Maduro. Torturam-lhe. Tiram-lhe seus direitos. Não tem direito nem de ver seus filhos, nem de ver um advogado. É inaceitável. Eu o vi domingo. Na segunda-feira, voltaram a isolá-lo.
Que tipo de castigo?
Leopoldo vive em uma prisão dentro de outra prisão. É uma torre de quatro pisos em que não se permite que ele fale com as pessoas. Quem falar com ele é castigado. Só isso já é uma tortura. Está isolado. Nem luz para ler tem direito. É desumano. Certa vez, homens armados entraram e destruíram o que tinha. Uma vez, à 1h, jogaram fezes humanas e urina pela janela de sua cela. A água e a luz foram cortadas.
A senhora pode descrever como foi o encontro de vocês no domingo?
Foi uma emoção muito forte. Eu chorava. Eu o beijava muito, beijava e beijava. Estava eu e a mãe dele (Antonieta). Nós o beijávamos e abraçávamos muito, no rosto, nos braços, no peito, nas costas. Foi muito forte. Ali, pudemos saber que ele estava bem, que estava firme, que, apesar da tortura, Leopoldo se mantém firme, forte, é um homem sólido, uma rocha. Leopoldo está resistindo, é um exemplo de resistência. E continuamos nas ruas, protestando.
Leopoldo sempre fez coisas para se fortalecer, como a leitura e exercícios físicos. Continua assim? O que ele lê?
Lê muito. Passa o dia estudando, lendo e fazendo exercícios físicos. Lê a Bíblia pela manhã. Lê sobre História, Economia e Filosofia. Estuda sobre petróleo (principal riqueza venezuelana) e escreve sobre isso. Publicaremos um livro sobre como Leopoldo resgatará a economia.
Ele se prepara para o futuro?
Prepara-se para resgatar a Venezuela.
E a Constituinte que Maduro propõe?
Querem é eliminar o voto popular, livre e secreto. É grave. Querem uma paz constituinte. Isso não existe. Há uma Constituição e temos de cumpri-la. Essa Constituinte é uma fraude. Não permitiremos. Querem eternizar essa ditadura.
Antes, o governo prendeu Leopoldo e cassou os direitos políticos de Henrique Capriles (outro líder da oposição).
As pessoas rejeitam Maduro, e ele quer se manter no poder de qualquer jeito. Tirou das pessoas o que há de mais sagrado: comida, medicamentos, vida, justiça. Come-se no lixo. E em nenhuma eleição eles ganhariam. Por isso, a constituinte, porque perderiam em todas as situações. Mas a democracia é assim, e vamos lutar nas ruas para que haja eleições, sem presos políticos e sem desabilitações de políticos.
A Venezuela chega a um limite?
Sim, e por isso fazem qualquer coisa para se manter no poder. Matam jovens. Não querem que protestem, mas continuaremos protestando. Conseguiremos mudanças pacíficas, eleitorais e constitucionais.
Como conseguir mudanças pacíficas?
Com pressão, assim como conseguimos entrar na prisão. Não queriam deixar que víssemos Leopoldo, mas pressionamos e conseguimos, de forma pacífica. A Venezuela protestará até ter uma solução. Maduro está golpeado. O mundo inteiro já reconhece a Venezuela como uma ditadura.
Leopoldo quer ser presidente?
Está pronto para ser candidato, prepara-se muito. Quer dividir com todos os partidos da oposição um governo que resgate a Venezuela, com sua riqueza, sua economia, o progresso, a estabilidade, a confiança nos investimentos e os direitos humanos, os direitos à moradia, aos medicamentos, à alimentação, ao livre trânsito.
Há Henrique Capriles, como outro líder de uma oposição tradicionalmente dividida. Haveria uma prévia?
Sempre foi fraturada, mas o governo diz que hoje não temos unidade, e isso é falso. Nunca estivemos tão unidos. A oposição está comprometida, nas ruas. Faremos uma primária para que as pessoas escolham o candidato que querem. E essa pessoa será o candidato presidencial.