A crise socioeconômica que vive a Argentina, com recessão de 2,3% em 2016, pobreza de um terço da população ativa (33%), queda de 5,5% nos investimentos, inflação em 40% anuais e produção industrial que não para de cair há 13 meses, levou esta quinta-feira à paralisação do país. A greve nacional de 24 horas traduziu nas ruas a insatisfação que leva o presidente Mauricio Macri a perder popularidade embalado nos problemas da economia e nas acusações de corrupção, como a do abatimento (praticamente o perdão) da dívida de empresa da sua família com o Estado.
– A paralisação é contundente – resumiu Héctor Daer, um dos três coordenadores da "presidência tripartite" da poderosa Confederação Geral do Trabalho (CGT).
Daer só lamentou o que define como "resistência" do governo para modificar a política econômica de perfil liberal, o "descumprimento" de acordos com os sindicatos, a prisão de dezenas de manifestantes e os ferimentos de pelo menos cinco nos confrontos com policiais. Assegurou que os sindicados se mantêm abertos às negociações sobre a política econômica. O principal entrave para o aprofundamento das que vinham sendo realizadas seria a discordância do governo em relação a um debate mais amplo – a intenção de Macri é abrir diálogos setoriais. Os sindicatos reclamam das importações, das demissões e da flexibilização laboral. Citam, especialmente, que construção indústria, em fevereiro, caíram 3,4% e 6%. Também lembram que o desemprego cresceu cinco pontos percentuais nos 16 meses do atual governo – era de 28% no final de 2015.
Veja galeria sobre a greve na Argentina:
Em cidades argentinas, inclusive Buenos Aires, onde ocorre o Fórum Econômico Mundial dedicado à América Latina (WEF Latam), houve grande adesão. Foram atingidos indústria, saúde, educação e bancos. Não circularam transportes públicos, e as ruas ficaram vazias. Houve cancelamento de voos nacionais e internacionais, e vias públicas foram bloqueadas, inclusive a que dá acesso ao aeroporto de Ezeiza.
Não houve qualquer pouso ou decolagem nos aeroportos argentinos até a noite de ontem. Além dos bloqueios das vias públicas, os próprios pilotos, os controladores das torres e os funcionários das aduanas aderiram ao movimento. Companhias como a Azul, a Gol e a Latam oferecem compensações como mudanças nas datas e nas rotas dos voos ou reembolsos dos valores pagos.
O ministro do Trabalho, Jorge Triaca, admitiu a "alta adesão" à greve, mas, alinhado com Macri, voltou a fazer o que tem sido um costume do presidente: criticou os sindicalistas (a quem Macri chama de "mafiosos"), acusando-os de agir com motivações políticas, pois haverá eleições legislativas em 22 de outubro.
Analistas costumam alertar para o peso da insatisfação trabalhista na Argentina. Os sindicatos, de forte influência peronista, são vistos como pedra no sapato de qualquer presidente, especialmente de outra corrente política – o caso de Macri. São citados os casos dos ex-presidentes Raúl Alfonsín (1983-1989) e Fernando de la Rúa (1999-2001), da União Cívica Radical (UCR), que tiveram de deixar o poder mais cedo por força dos protestos.
A imagem de Macri se deteriora rapidamente. Pesquisa da Management & Fit com 2 mil consultados em fevereiro mostra que o presidente tem imagem positiva de 38,4% e negativa de 33,8%. Um ano atrás, ele encostava nos 60%, em razão das promessas de recuperação do país após o governo da desafeta Cristina Kirchner.
Carlos Acuña, destacado pela CGT para analisar a situação, disse:
– A greve mostrou hoje como a insatisfação é crescente. Pesou muito o fato de que foram assinados compromissos de que não haveria demissões, mas as demissões são cada em maior número e mais frequentes.