AMÂNCIO JORGE DE OLIVEIRA
Professor da cátedra Jean Monnet/Comissão Europeia na Universidade de São Paulo (USP)
e JANINA ONUKI
Pesquisadora do Caeni/USP
A política forma, historicamente, um movimento pendular. Ora o pêndulo está no campo da esquerda, ora no da direita. Este não é, contudo, um movimento harmônico e simétrico. A velocidade para um dos lados do espectro político, o quão extrema é a oscilação e as causas que a impulsionam variam de tempo em tempo e de país a país.
O movimento pendular atual é para a direita em muitas partes do mundo, a começar por Europa, EUA e Brasil. Compreender as similaridades e diferenças da emergência do populismo de direita nesses três lugares ajuda a entender seus possíveis alcances e impactos.
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O elemento comum da emergência do populismo de direita nesses três cenários é a crise econômica e financeira, instaurada com mais intensidade a partir de 2008. Não há melhor combustível do que crise econômica para ampliar o discurso nacional-populista contra os impactos negativos da globalização e da abertura econômica. Esquerda e direita tecem, contudo, narrativas distintas sobre de quem é a culpa do mal-estar e, como consequência, quem precisa ser combatido.
Há diferenças no formato e no alcance do populismo de direita na Europa e nos EUA, de um lado, e no Brasil, de outro. Em proporções diferentes, os partidos políticos de direita apontam a migração como bode expiatório das principais mazelas econômicas e de segurança em seus países. Neste movimento, a islamofobia nada mais é do que uma especificação de um sentimento mais amplo de xenofobia que encontra mais ressonância em tempos de crise.
Ataques como os que ocorreram no último dia 21 em Londres engrossam o discurso e a viabilidade eleitoral de partidos que constroem suas plataformas políticas baseadas na ideia de que é possível reverter a globalização e estancar os movimentos migratórios. A exequibilidade de medidas restritivas à imigração de forma indiscriminada é questionável, como vem sentindo a administração Trump. Isso não impede os partidos mais radicais de seguirem o discurso xenófobo.
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Os excessos de Trump podem, como externalidade positiva em meio a tantas negativas, produzir um efeito moderador na emergência do populismo de direita na Europa. As medidas de Trump são indigestas a ponto de enfraquecer partidos de extrema-direita e abrir espaço para uma direita moderada.Os resultados das eleições legislativas na Holanda(o partido do atual primeiro-ministro, Mark Rutte, venceu o do concorrente de extrema-direita Geert Wilders, que fez campanha prometendo fechar fronteiras aos imigrantes muçulmanos), podem ser reflexos deste efeito moderador, com potencial de se repetir na França.
O quadro de emergência da direita populista no Brasil é distinto tanto na forma quanto na escala. Na forma, a construção de uma narrativa em torno dos movimentos migratórios como origem da crise, econômica e de segurança, é extremamente marginal e tem repercussão limitada. A reação das forças de direita é contra a corrupção sistêmica e o quadro de desequilíbrio fiscal decorrente do intervencionismo estatal nas últimas administrações federais.
Em termos de forma, a extrema direita no Brasil não se apresenta como alternativa de poder nacional. Em vários países da Europa, a começar pela França, a direita populista é a terceira força política do país. Nos EUA, a direita populista é uma realidade, e a formação do quadro executivo de Bush dissipou qualquer esperança de que "campanha é campanha" e "governo é governo". Em ambos os casos, Europa e EUA, a emergência dessas forças políticas representam um choque de stress em processos consolidados de integração regional, tais como o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta ) e a União Europeia (UE).
No caso da UE, o risco de impacto global é ainda maior, não apenas pela dimensão econômica envolvida, mas também pela dimensão simbólica, pelo fato de o processo europeu ser uma referência de integração para outras regiões. Muitos analistas europeus afirmam que a eleição da Marine Le Pen (Frente Nacional) na França seria um golpe fatal à UE, já fortemente impactada pelo Brexit.
O risco de o Mercosul sofrer impacto substantivo por conta da emergência de algo similar ao populismo de direita no Brasil é baixo. Os partidos de peso no país gravitam em torno do centro do espectro ideológico. O arco de oscilação do pêndulo do espectro político partidário ainda é estreito no Brasil. Que não haja impulso para jogá-lo para os extremos e, se houver, que haja forças contrárias para mantê-lo em espectro mais restrito.