Seis meses depois da vitória do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), a globalização e o livre comércio sofreram novo revés. Menos de 72 horas após tomar posse, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou decreto que retira o país de acordo com nações do Pacífico. Costurado por Barack Obama como um freio à crescente influência econômica e política da China na Ásia, a Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês) inclui 12 países que representam 40% da economia e um terço do comércio global. Para o Brasil, que estava fora do acordo, o recuo americano tem impacto indireto.
É a primeira medida protecionista colocada em prática por Trump da série de promessas que marcaram o truculento discurso de campanha do magnata. No domingo, o republicano anunciou intenção de renegociar com México e Canadá o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), e já adiantou que, caso os termos não sejam revistos, os EUA deixarão a parceria. Antes da posse, havia ameaçado impor tarifas de importação a montadoras caso insistissem em construir fábricas no vizinho México.
– É uma grande coisa para o trabalhador americano o que acabamos de fazer – disse Trump, após assinar a ordem retirando os EUA do TPP.
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Horas antes, ao receber empresários de multinacionais como Ford, Dell e Johnson & Johnson na Casa Branca, foi taxativo:
– Queremos começar a produzir nossos produtos novamente.
O entusiasmo presidencial não foi referendado pelo mercado financeiro americano. Após sucessão de altas nas últimas semanas, a bolsa de Nova York fechou em queda de 0,14% e o índice S&P recuou 0,27%.
Ao cumprir o que havia prometido durante a disputa eleitoral, Trump enterra de vez a esperança dos que acreditavam em medidas menos polêmicas após a posse. Os mais prejudicados, por ora, são justamente os países que haviam assinado o acordo, avalia o consultor de comércio exterior Frederico Behrends.
– Seriam economias que teriam acesso a uma série de benefícios com a redução de barreiras e, agora, precisam rever estratégias. Principalmente o Japão, que depende muito do comércio internacional e tem visto a China conquistar cada vez mais espaço no quintal de casa – detalhou.
Como o Brasil estava fora do tratado, os efeitos são indiretos. E podem até ser positivos. Se entrasse em vigor, o TPP daria vantagens a concorrentes internacionais em diversos setores.
– O caso do minério de ferro é um exemplo. O Brasil é um grande exportador. A Austrália, que faria parte do TPP, também. Se entrasse em vigor, é provável que os países do acordo dessem prioridade aos australianos, não para nós. O mesmo ocorreria na cadeia do açúcar e na do frango – disse Robson Cardoch Valdez, pesquisador de relações internacionais da Fundação de Economia e Estatística (FEE).
China busca ampliar influência na Ásia
Enquanto os Estados Unidos dão um grande passo atrás na formação de acordos multilaterais, a China busca aumentar ainda mais a influência entre vizinhos promovendo sua própria versão de pacto comercial da Ásia-Pacífico, chamado de Parceria Abrangente Econômica Regional (Rcep, na sigla em inglês). Sem a presença dos EUA, o tratado cria uma área de livre comércio de 16 nações, incluindo a Índia, o maior bloco do mundo nesse âmbito, abrangendo 3,4 bilhões de pessoas.
Diferentemente do TPP, que estabelecia padrões trabalhistas e ambientais entre os países signatários, o acordo chinês segue linhas mais tradicionais, envolvendo apenas corte de tarifas entre os parceiros. Em 2015, o então presidente americano Barack Obama chegou a afirmar, que sem o acordo de livre comércio transpacífico, Pequim é que decretaria as regras do comércio internacional.
Com a canetada que enterra o TPP, ficaram expostos também os primeiros ruídos na comunicação de Trump com os líderes do Partido Republicano no Congresso. O influente senador John
McCain emitiu dura nota oficial, afirmando que a saída dos Estados Unidos é "um erro grave que terá consequências de longo prazo para a economia americana e para seu papel estratégico na região da Ásia e do Pacífico".
No mesmo dia, o republicano assinou mais dois decretos: um proíbe ex-servidores de fazer lobby por cinco anos, e outro impede organizações estrangeiras de receber ajuda do governo caso promovam o direito ao aborto usando fundos do exterior. Na semana passada, já havia assinado decreto que enfraquece o Obamacare, programa de saúde promovido pelo antecessor.
Fora dos planos de Trump, a América Latina mantém a busca por outras parcerias. Seguem as negociações comerciais entre Mercosul e União Europeia. Representantes dos dois blocos têm encontro marcado em março, em Buenos Aires. Por enquanto, os diplomatas trocam pedidos de reduções de tarifas de importação em setores específicos.
A expectativa é de que, sob a presidência de Mauricio Macri, a Argentina, que vinha impondo restrições ao tratado, se mostre mais disposta a permitir a entrada de produtos importados. O governo brasileiro projeta que o acordo definitivo seja assinado em 2018. No mercado, há ceticismo com as negociações. Impasses como os subsídios europeus ao setor agropecuário, que temem a competição com o agronegócio brasileiro, travam o andamento das discussões.