O passado e o futuro põem a Europa em sobressalto no presente. A extrema direita ensaia um avanço que teria a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, como exemplo do que pode ocorrer a qualquer momento e em qualquer país, com potencial para corroer a União Europeia (UE).
Especialista em resolução de Conflitos e em UE, Yann Duzert, da Fundação Getulio Vargas (FGV), se diz preocupado:
– Todos os países da Europa têm riscos de retrocessos, protecionismos, resistência ao diferente. França, Itália, Espanha, com passados de fascismo e xenofobia, podem voltar a eles, basta um atentado terrorista, uma crise econômica.
E completa:
– Isso pode pôr em risco a UE.
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A França é um exemplo de possível seguidor do Reino Unido na atitude de deixar a UE. Analistas citam o Brexit (a saída britânica do bloco europeu, aprovada em junho em plebiscito) e a vitória de Trump nos EUA como motivo para evitar previsões. Fala-se muito em "fragilidade" que poderia "criar comportamentos antissistema", como diz Duzert, citando "reações bizarras, de candidatos populares ao mesmo tempo antissistema, antielite e antiprogressistas".
– Qualquer pessoa com carisma e liderança forte, que proponha proteção contra o migrante, pode ter chances. Assistimos ao fim de um estilo de política, hoje majoritário, marcado por permissividade, corrupção e demagogia, sem pensar nas próximas gerações – acrescenta o analista da FGV.
Na França, o ex-premier François Fillon (de direita, alternativa à extrema-direita de Marine Le Pen) adota discurso definido como de "direita light", conservador e tradicional. Assim como Trump nos EUA, isso repercute bem na população rural, idosa, que teme o desconhecido e a mudança na identidade nacional. Fillon representa isso, mas sem a imagem extremista da família Le Pen e defendendo a presença na UE.
Na Itália, porta de entrada de imigrantes da África e da Síria, plebiscito sobre reforma constitucional resultou em derrota do premier Matteo Renzi, que está demissionário em meio a dificuldades econômicas. Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel é acusada de permissividade em relação à migração.
O historiador Voltaire Schilling adverte:
– O ciclo da restauração europeia de 1945 se esgotou. Não é fácil acostumar povos que guerrearam por séculos, e não eram acostumados a conviver, a ter unidade. O inglês médio não aceita a Alemanha no comando da Europa. Tem dificuldade de assimilar um novo tipo de convivência. Quando a economia estava indo bem, tudo certo. Quando a economia se corrói, aflora novamente esse tipo de chauvinismo.
O cientista político espanhol José Ignacio Torreblanca, especialista em Europa, vê em Trump um sinal de alerta:
– Trump converteu a mentira, a difamação e o ódio em eficaz arma política, abrindo um perigoso precedente.