– Onde está a minha América?
A pergunta de um morador de Johnstown, interior de Ohio, no segundo dia da cobertura de ZH nos EUA não era direcionada necessariamente a mim, que acompanhava a conversa entre vizinhos em uma barbearia na rua principal do lugarejo distante 30 minutos de carro do centro de Columbus. Ele perguntava a si próprio.
Ao se referir a "sua" América, o homem remontava a um país que não existe mais: aos EUA do sonho americano, das décadas de 1950 e 1960, que, ano após ano, tornou-se mais latino e mais negro. Em número e influência. Donald Trump prometeu a pessoas como aquele morador de Johnstown devolver a ele sua América. "Make America great again" (Faça a América grande de novo), dizia o slogan da campanha do bilionário republicano.
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Silenciosa, a voz de grotões dos EUA, de vilarejos rurais, como Johnstown, abafou o voto das metrópoles e conduziu Trump à Casa Branca. O republicano conquistou 72% dos votos de homens brancos sem diploma de graduação. Com discurso simples, o bilionário incorporou o último suspiro da velha América: entre homens e mulheres brancos, angariou 58% dos votos, contra 37% da adversária, Hillary Clinton. No condado de Licking, onde fica Johnstown, a diferença foi ainda maior, Trump ganhou com 62% contra 33,2%.
As vitórias mais significativas do republicano ocorreram justamente no região do meio-oeste americano, como Ohio e Pensilvânia. São regiões que sofreram com a desindustrialização e onde 75% da população é branca e sem graduação. O discurso republicano de trazer de volta os empregos a esses operários colou no chamado Cinturão da Ferrugem. O resultado: conquistou grande parte dos seus 270 delegados no colégio eleitoral graças a Estados onde Obama havia vencido em 2008 e em 2012.
Trump também leu com precisão as insatisfações da classe média. Prometeu diminuir impostos em US$ 4,4 bilhões por ano em uma década. Um discurso que está alinhado a reclamação de pequenos empresários, como o brasileiro Leonardo Liedke, há 20 anos nos EUA e que votou em Trump.
– Sete em cada 10 americanos sabiam que o país não estava indo na direção certa – comemorava ontem o morador do condado de Orange, na Califórnia – onde o republicano, aliás, perdeu.
Trump chega à Casa Branca carregado por 53% dos votos masculinos. Mas, apesar de suas frases machistas, não teve desempenho tão ruim entre as mulheres – 42% das eleitoras votaram no republicano. Vitória também entre os mais velhos – 53% de quem tem entre 45 e 64 anos votou no republicano. Alto percentual em uma faixa de idade onde se encontram 40% dos eleitores americanos.
Outro grupo determinante para a vitória foi o voto religioso. Segundo o site Five Thirty Eight, 81% dos evangélicos optaram por Trump, contra 16% por Hillary. O republicano venceu em todos os Estados do chamado Cinturão Bíblico (Bible Belt) – Carolina do Sul, Alabama, Geórgia, Mississipi, Tennessee, Kentucky, Arkansas e na decisiva Carolina do Norte.
As posições de Hillary a favor do aborto geraram repúdio entre grupos evangélicos. Na presidência a partir de 20 de janeiro, ele deverá indicar um juiz conservador para a vaga de Antonin Scalia, na Suprema Corte. Com a morte do magistrado, o tribunal passou a contar com quatro conservadores e quatro liberais. O impacto de desequilibrar a balança pode ser a reversão do casamento gay.
Resistência expressa a novos imigrantes
Boa parte das regiões habitadas por latinos viu crescer uma onda nacionalista nos últimos anos. Em Woodstock, Virgínia, a panamenha Jajaira Jimenez, que vive nos EUA há 14 anos, faz coro a quem acha que os ilegais sugam vagas:
– Imigrei para esse país porque me casei com um americano. Vivi o processo de entrar em um país legalmente. Voto em Trump porque sou totalmente contra a imigração ilegal. Em nenhum país se aceita isso, porque não nos EUA?
Como Jajaira, 30% dos latinos votaram em Trump. Muitos na Flórida, Estado responsável por consolidar a vitória republicana. Latinos não aceitam mais estrangeiros entre eles. Afro-americanos, hispânicos e asiático-americanos apoiaram esmagadoramente Hillary, mas bem menos do que a Obama. Os negros, 12% do eleitorado, compareceram menos do que em eleições anteriores. Parte não se identifica com o discurso de Hillary.
Na Carolina do Norte, Estado com 22,5% da população de origem afroamericana e forte tensão social, Trump venceu por 50,5% contra 46,7%. É talvez a maior derrota simbólica de Hillary e de Obama. Na última semana, a tropa de choque democrata havia baixado no Estado, com discursos da candidata em Winterville, no condado de Pitt, e do presidente na Universidade da Carolina do Norte.
Em Pitt, Hillary venceu com 40,9% dos votos, contra 35,1% de Trump. Em Charlotte, ela fez 63,3% contra 33,4%. Mas perdeu de forma esmagadora em outros condados. Parte da explicação sugere que Hillary e Obama, escolheram no Estado, comunidades onde já ganhariam mesmo sem a visita. E discursavam para o seu próprio público.