Contrariando expectativas, previsões e pesquisas, o controverso republicano Donald Trump foi eleito, na madrugada desta quarta-feira, o novo presidente dos Estados Unidos. Essa não foi, entretanto, a vitória de um homem só. Muito menos a derrota de um partido há oito anos no poder. Em se tratando da maior potência mundial, são muitos países, autoridades, entidades e povos que também saem vitoriosos ou perdedores desta eleição.
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Zero Hora conversou com especialistas para avaliar os possíveis impactos positivos e negativos da vitória de Trump no restante do mundo, caso as palavras de campanha do bilionário americano se concretizem em ações de governo. Confira:
Quem perde:
Pesquisas
O resultado das eleições nos Estados Unidos, que foi oposto ao previsto pela grande maioria das pesquisas realizadas ao longo dos últimos meses no país, aponta uma dificuldade metodológica cada vez mais evidente de captar o sentimento do eleitor. É o que defende a coordenadora dos cursos de graduação em Relações Internacionais e pós-graduação em Relações Internacionais e Diplomacia da Unisinos, Nadia Menezes.
Conforme a especialista, o caso recente deixa evidente tendência que vem sendo observada em outros países, inclusive no Brasil, na qual as pesquisas não conseguem chegar ao que o eleitor está aspirando nos candidatos:
– Ou o eleitor está muito reservado, diz uma coisa e acaba fazendo outra, ou então precisam reavaliar o que deveria ser considerado na hora de fazer a pesquisa, para entender melhor o que o eleitor está sentindo e aquilo que será representado nas urnas.
China
A relação dos Estados Unidos com a China é caracterizada por controvérsias principalmente sobre política econômica, na qual o que predomina é uma competição na produção industrial. E a disputa pode se tornar ainda mais acirrada com a vitória do candidato republicano.
Conforme o coordenador do curso de Relações Internacionais da Unisinos, Álvaro Leme, Trump mencionou durante sua campanha a possibilidade de revisar acordos comerciais, ameaçando impor novas tarifas de importação e alíquotas de exportação, entre outros. Esse cenário poderia, diz o especialista, tornar ainda mais tensa a relação entre os dois países:
– Mas temos que levar em consideração que a China é a maior exportadora mundial, é a segunda economia do mundo, então é difícil prever o que realmente o novo governo poderá fazer. Acredito que nesse quesito o que fica é um ponto de interrogação.
México
O tema da imigração ilegal foi um dos pontos centrais da plataforma de campanha de Trump, e que se mostrou popular entre seus apoiadores. O "discurso do perigo" tinha como objetivo angariar apoio da classe média branca empobrecida com a crise de 2008, a qual vê os mexicanos como competidores mais baratos no mercado de trabalho.
Com isso, o pré-candidato republicano afirmou que defende que o país vizinho pague pela construção de um muro na fronteira com os Estados Unidos com o objetivo de conter a imigração ilegal, além de propor o bloqueio da transferência de dinheiro de imigrantes ilegais para o México até que governo do país concorde em pagar pelo muro.
Ainda que sua vitória represente forte ameaça para o país latino, a especialista em Relações Internacionais Nadia Menezes acredita que o novo presidente terá muita dificuldade em colocar suas propostas de campanha em prática:
– O México é um importante parceiro comercial dos Estados Unidos, integra o Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), é um receptor de investimentos externos americanos. Além disso, a comunidade mexicana que reside nos Estados Unidos tem uma contribuição econômica importante no país – destaca.
Minorias
Ao longo de oito anos de governo, Obama realizou um trabalho de reforço de ações afirmativas e políticas para garantir os direitos às minorias e às mulheres, como o ObamaCare, políticas em relação à comunidade LGBT, entre outros. Trump, por outro lado, atraiu críticas contundentes por sua retórica grosseira contra muçulmanos, mulheres e imigração, e chegou a se referir a alguns imigrantes ilegais como criminosos.
– Em seu discurso, o presidente republicano defende a manutenção de valores tradicionais e cristãos da família americana, e isso pode ameaçar algumas políticas de Obama.
Conforme o coordenador do curso de Relações Internacionais da Unisinos, Álvaro Leme, os avanços conquistados durante o governo democrata nessa área podem sofrer retrocessos se o discurso de campanha de Trump se concretizar em ações durante seu governo.
Imprensa
Conforme o professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS Fabiano Mielniczuk, o caráter demagógico e racista dos discursos de Trump criou um "quase consenso" na imprensa liberal norte-americana de que o candidato não deveria ser eleito, pois representaria ameaça a valores caros à sociedade americana.
– O problema é que a vontade de que ele não fosse eleito impediu que os formadores de opinião enxergassem com clareza o que estava acontecendo. O lição deve servir para o mundo todo: a imprensa não elege candidatos, os leitores, sim – resumiu o especialista.
Quem ganha:
Rússia
Trump teve apoio massivo da mídia de Moscoupara sua eleição, pois durante a campanha fez questão de destacar que "poderia ter uma boa relação" com o presidente russo, Vladimir Putin. Em termos práticos, a vitória pode ser benéfica para o país europeu uma vez que, diferentemente de Obama, que vinha reforçando o deslocamento de tropas para países do Oriente Médio e Ásia, Trump demonstra aparente desinteresse por esse tema:
– Isso poderia abrir um flanco para uma maior atuação da Rússia nesses locais – destaca o coordenador do curso de Relações Internacionais da Unisinos, Álvaro Leme.
Já para o professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS Fabiano Mielniczuk ainda não está muito claro até que ponto a relação entre os dois países pode melhorar:
– O fato é que o presidente eleito foi ponderado ao tratar da Rússia, e afirmou ser necessário dialogar com o país para resolver o problema do Estado Islâmico. Essa estratégia diferiu bastante de Hillary, que preferiu demonizar Putin, inclusive acusando-o de ser o responsável pelo vazamento de informações sobre a candidatura democrata para influenciar o resultado das eleições.
Primeiros cubanos a chegar nos EUA
Os cubanos que chegaram aos Estados Unidos nas décadas de 1970 e 1980 são mais conservadores e alinhados com pautas republicanas, como a proibição do aborto e contrários ao casamento gay. Contrários ao governo Castro, viram com maus olhos o movimento de Obama de reatar relações com a ilha, aumentar o número de voos para Cuba e incentivar o turismo local.
– Mesmo não se mostrando muito entusiastas de Trump, os eleitores vindos de Cuba votaram no republicano pois possuem é um grupo refratário às políticas do atual governo, de aproximação com a família Castro – explica a coordenadora dos cursos de graduação em Relações Internacionais e pós-graduação em Relações Internacionais e Diplomacia da Unisinos, Nadia Menezes
Israel
Conforme o especialista Fabiano Mielniczuk, Israel vê Trump como um aliado, por conta das afirmações de que ele desfaria o acordo nuclear com o Irã, firmado durante o governo Obama e avaliado de maneira negativa pelos israelenses.
Da mesma forma, alguns políticos conservadores enxergam que, com o republicano no governo, pode haver esvaziamento do envolvimento americano na constituição de um Estado Palestino, o que beneficiaria Israel.