Donald Trump está sentado à mesa de presidente dos EUA, no Salão Oval, ala oeste da Casa Branca. Ao fundo, a janela dá para os jardins. Chove em Washington. À frente do presidente republicano, estão dois funcionários do alto escalão do Departamento de Defesa que fracassaram na missão de organizar um dossiê sobre a Síria e a ditadura de Bashar al-Assad. Trump tem pressa: está prestes a levantar o telefone para falar com o russo Vladimir Putin.
– Vocês estão demitidos – decreta, com o olhar sério, o nariz arrebitado e os lábios espremidos que conferem a ele a fama de arrogante.
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A cena, obviamente, é ficção, imaginada a partir de O aprendiz, reality show da NBC no qual Trump protagonizava a si próprio, CEO de seu bilionário conglomerado. Mas tem chances de acontecer a partir do dia 20 de janeiro de 2016, quando, se for eleito nesta terça-feira, o enérgico e um tanto fanfarrão empresário ocupar o lugar de Obama.
No programa de TV, Trump acabava, em três palavras ("You are fired", em inglês), com o sonho dos candidatos a uma vaga – real – em suas empresas.
– Eu odeio perder, Sr. Trump. Eu sou de Nova York – vociferou o perdedor em um dos episódios.
O apelo mirava o lado emotivo de Trump (ele tem!), um típico nova-iorquino que vê no seu berço, Manhattan, um diferencial para seu sucesso. Um "homem que faz", resoluto e que provavelmente vai alternar sua moradia entre a Casa Branca, em Washington, e a Trump Tower, o quartel-general na Quinta Avenida de Nova York. A ideia é governar os EUA como uma empresa – para o bem ou para o mal (ele já levou suas companhias à falência mais de uma vez). A base econômica de seu plano de governo é o aumento de empregos e a redução de impostos. O objetivo é impedir que o país perca empresas para a China e postos de trabalho para o México – o candidato inclusive ameaça penalizar companhias que queiram abandonar os EUA, elevando tributos para as "traidoras". Trump pretende cortar gastos e já sugeriu que uma de suas primeiras ações seria "demitir" todo o Departamento de Educação.
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Outra ação de seus primeiros cem dias seria revogar o Obamacare. Comparado, a grosso modo, ao SUS brasileiro, o programa foi criado por Obama como garantia de atendimento de saúde para toda a população. Pequenos empresários, como o brasileiro Leonardo Liedke, 39 anos, 10 deles morando nos EUA, reclamam: ao universalizar o acesso a médicos e hospitais, o programa tornou-se competidor dos planos privados. Todos os americanos hoje contribuem para o Obamacare. Quem deseja ter um plano particular acaba pagando dois sistemas:
– O preço do seguro de saúde (privado) dobrou por causa do Obamacare. O custo por ano, que era US$ 2 mil, passou para US$ 4 mil. Sobrou para os pagadores de impostos, como nós. Ou seja, o governo dá para a população mais pobre, mas tira um pouco mais da gente – diz o gaúcho, que tem cidadania americana e dará seu primeiro voto nos EUA a Trump.
Liedke engrossa a voz dos simpatizantes do republicano, para quem "o melhor programa social é um emprego" – que cada americano possa pagar por suas despesas de saúde, sem depender do governo. Na empresa de Liedke, que cede pessoal a concessionárias de carros de luxo em toda a Califórnia, são empregados 65 funcionários – quase todos imigrantes hispânicos.
– Esse pessoal é todo contra Trump – diz o empresário. – A grande maioria talvez não entenda ao pé da letra por que Trump se opõe aos imigrantes. Não é que não se goste. São milhões de pessoas não documentadas, que estão tirando proveito do sistema, que não contribuem com impostos. Trump quer maior controle.
EXPECTATIVA DE POLÍTICA
EXTERNA ISOLACIONISTA
Dois dos mais polêmicos projetos, a construção de um muro na fronteira com o México e a deportação de 12 milhões de imigrantes ilegais, deverão ser lembrados como bravatas de campanha. Sua equipe diz que as medidas custariam de US$ 5 bilhões a US$ 15 bilhões. A revista The Economist calcula que pode chegar a US$ 25 bilhões. Seriam necessárias
– Trump emerge como um novo populismo de direita graças às redes sociais. As instituições fracassaram, a União Europeia, a Otan e a ONU fracassaram. Os EUA foram retirados da guerra pelo Obama. O mundo está customizado para o gosto das pessoas nas redes sociais. Os políticos, como Trump, que conseguem explorar esse espelho mágico (as redes sociais) se dão bem – disse Anderson durante sua passagem por São Paulo, onde participou do seminário da Piauí/Globonews de Jornalismo.
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Se eleito, Trump será o presidente mais velho a assumir o mandato – terá 70 anos. Sua mulher, Melania, nascida na Eslovênia, será a primeira primeira-dama dos EUA estrangeira desde a britânica Louisa Adams, esposa de John Adams, que governou o país entre 1825 e 1829. Depois de uma era Bush, em que os EUA se comportaram como xerifes do mundo, e de oito anos de Obama, em que a aposta foi a boa relação com amigos e inimigos, a fase Trump seria isolacionista. Nos debates, Trump defendeu a aplicação de medidas protecionistas para reduzir importações do país asiático.
– Ele é totalmente imprevisível, porque tem feito declarações que vão contra os principais aspectos da política externa americana. O que se pode prever é que, se Trump ganhar, vai tornar os EUA menos envolvidos com o mundo – avalia o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa.
Isso não significa desvalorizar as Forças Armadas. A ideia de Trump é tornar o poder militar dos EUA tão forte que nenhum outro país ou grupo extremista possa ir contra seus interesses. Ele defende o retorno de técnicas de tortura proibidas, como waterboarding (afogamento). Se Obama não conseguiu fechar a prisão de Guantánamo, o que o republicano deseja é ampliar o uso da base na detenção de suspeitos de terrorismo. Também já disse ser aberto ao uso de armas nucleares, inclusive em reação a atentados.
– Trump fala o que precisa falar na campanha para ganhar eleição. Mas o presidente tem restrições do cargo. Tem o Congresso, os assessores, a burocracia. O grande problema é a incerteza sobre suas ações, Trump age por impulso – avalia Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue, instituição voltada a pensar em soluções para questões sociais, políticas e econômicas.
Para vencer as primárias, Trump atropelou a base do partido Republicano. Caciques como Bush pai, Bush filho e Mitt Romney, candidato à presidência em 2012, mantiveram-se afastados. Outros, como o presidente da Câmara, Paul Ryan, desertaram depois do vazamento de um vídeo em que Trump faz comentários machistas sobre as mulheres. Como formar um governo a partir desse racha interno?
– Todos os políticos têm ambições, carreiras, lealdades. Sem dúvida, a grande maioria dos republicanos vai estar com Trump quando for eleito. Vão aceitar postos em seu governo – diz Hakim.
Trump já tem na cabeça os nomes para o governo – como o especialista em terrorismo Walid Phares, o ex-inspetor-geral do governo Joe Schmitz (que trabalhou na Blackwater Worldwide, extinta empresa de segurança privada envolvida em tiroteios que mataram civis iraquianos em 2007), o e'xecutivo da indústria de energia Carter Page e o ex-general Keith Kellog, que ocupou cargo no governo provisório iraquiano. O rosto mais conhecido deve ser o do ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani. Se nenhum deles responder à altura, sempre é possível chama-los ao Salão Oval e anunciar:
– Vocês estão demitidos.