Oito anos depois da eleição de Barack Obama, em 2008, os Estados Unidos chegam à disputa da próxima terça-feira cindidos em duas visões de mundo opostas. De um lado, Donald Trump, 70 anos, do Partido Republicano, um milionário tão caricato na ficção de seus programas de reality show quanto na vida real, que tenta atrair o voto dos americanos mais conservadores com promessas estapafúrdias – como deportar milhões de imigrantes ilegais e construir um muro entre o país e o México. De outro, Hillary Clinton, 68 anos, do Partido Democrata, primeira mulher com reais chances de governar a maior potência militar do planeta, que carrega nos ombros grande parte do legado de Obama – de quem passou de rival a aliada e chefe da diplomacia nos primeiros quatro anos de mandato.
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Não houve, nas últimas décadas, uma campanha tão suja quanto essa, em que o privado e o público se misturaram no noticiário noturno da TV, nas revistas de fofoca e nos três debates que antecederam o 8 de novembro. O bueiro foi aberto, e fantasmas ressurgiram encarnados em personagens como Paula Jones, que processou o ex-presidente Bill Clinton, marido de Hillary, por abuso sexual quando ele era governador do Arkansas. A menos de 30 dias da votação, um vídeo veio a tona no qual Trump usa termos vulgares e palavras chulas para se referir às mulheres.
A julgar pelas pesquisas eleitorais, a disputa deve ser voto a voto. Passada a eleição, ainda na madrugada de quarta-feira, quando o nome do presidente eleito provavelmente será anunciado, caberá a Trump ou a Hillary deixar bravatas eleitoreiras de lado para fincar os pés no chão de governar um país que está melhor economicamente do que oito anos atrás, mas que ainda conta 7 milhões de desempregados (4,9%, contra 11,2% no Brasil). Os desafios internos, como a manutenção ou não do Obamacare – a universalização da saúde tão criticada pela classe média –, serão determinantes no voto do eleitor, sempre mais preocupado com o bolso do que com o que ocorre além das fronteiras americanas.
Política externa não garante a eleição, mas ajuda a construir a imagem do comandante-em-chefe que todo americano tem na cabeça quando pensa no presidente. Por isso, o resto do mundo é sempre assunto da campanha. Trazer os filhos dos americanos de volta das guerras do Iraque e do Afeganistão, Obama já o fez. Os problemas externos, agora, são outros. A ameaça terrorista não responde mais por nomes como Osama bin Laden e Al-Qaeda. O primeiro está morto; a segunda tem pouca capacidade operacional. O medo, trunfo na mão de Trump, é personificado pelo grupo Estado Islâmico e seus terroristas sem rosto espalhados pelo Ocidente. As ambições do presidente russo, Vladimir Putin, no Oriente Médio e o enfraquecimento de aliados na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) são outros desafios externos.
Como seriam os EUA e o mundo com Trump na Casa Branca? Ele governará o país como comanda seu império empresarial? Uma vez presidente, irá, de fato, expulsar imigrantes? Como irá fazer alianças, sem o apoio dos caciques republicanos, que se ausentaram da convenção? Como formará uma equipe de governo diante da evasão de aliados após suas declarações xenófobas e machistas?
O mundo de Hillary é mais fácil de prever, em parte por ser uma continuidade da gestão de Obama: uma agenda progressista, relações multilaterais e apoio por parte de mulheres e gays. Porém, analistas questionam qual será a influência de Bill Clinton em um futuro governo da esposa.
Por certo, o presidente dos EUA não governa sozinho. Além de seu staff – tão importante e decisivo, como vimos nos obscuros oito anos de George W. Bush, que formou um gabinete neoconservador que muitas vezes o levou de roldão a guerras –, o líder americano enfrenta as limitações do cargo e pesos e contrapesos do Congresso. O fato de os republicanos dominarem a Câmara e o Senado manteve as intenções de Obama congeladas durante todo o segundo mandato e inviabilizou avanços, como a reaproximação com Cuba – foram retomados laços, reabertas embaixadas e houve uma visita histórica à Ilha, mas o fim do embargo econômico precisaria ser aprovado pelo Congresso. Não passaria: o partido de Trump detém 247 cadeiras contra 188 do de Hillary na Câmara. Segundo pesquisas, os republicanos vão perder postos (cairiam para 233), mas ainda seriam maioria, contra 202 democratas (no Senado, a legenda de Hillary ganharia cinco cadeiras, ficando com o mesmo número de vagas dos republicanos, 49).
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