A declaração do escritor português José Saramago, em abril de 2003, ao criticar o fuzilamento de três dissidentes cubanos, paira como uma sentença sobre Fidel Castro:
– Até aqui eu cheguei. De agora em diante, Cuba seguirá seu caminho, eu fico por aqui – escreveu o Nobel de literatura, falecido em 2010, no jornal espanhol El País.
A ditadura socialista vinha claudicando desde a derrocada do comunismo – o Muro de Berlim ruiu em 1989 –, mas conservava as aparências graças a intelectuais como Saramago, Gabriel García Márquez e outros. Ao condenar à pena de morte três homens que sequestraram um barco com o objetivo de emigrar para os Estados Unidos, Fidel angaria duras críticas internacionais – inclusive de aliados e simpatizantes de longa data, como Saramago.
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O comandante da ilha já havia mandado fuzilar antes, também metera dissidentes na cadeia e perseguira escritores que ousaram lhe contestar. Um dos casos mais célebres foi o de Guillermo Cabrera Infante: de aliado da revolução socialista, foi expulso e julgado traidor. Morreu no exílio, em 2005, aos 76 anos. Tudo isso foi digerido por simpatizantes. No entanto, ao saber da execução dos três sequestradores do barco, Saramago se despede de Cuba:
– ... perdeu minha confiança, destruiu minha esperança e traiu meus sonhos.
O fuzilamento é o epílogo de um declínio que começa com a desintegração da União Soviética, a madrinha que compensava o bloqueio econômico imposto pelos EUA a partir de 1961-1962. Quando os americanos param de importar o açúcar, os charutos e o rum da ilha – e estendem o boicote aos países aliados –, os russos socorrem a economia cubana. Compram açúcar a preços até cinco vezes maiores que os vigentes – e sem necessidade, pois dispunham de plantações de beterraba. Fornecem petróleo cru por preços abaixo da tabela, além de máquinas, equipamentos hospitalares, remédios e livros.
O fim da ajuda soviética causa um rombo de 35% no Produto Interno Bruto (PIB) do arquipélago, que fica sem uma mesada de aproximadamente US$ 4 bilhões por ano. As privações evoluem para uma situação de penúria. O aperto econômico liquida 500 mil postos de trabalho, reduz em 30% a cota diária de combustível e obriga os cubanos a andarem de bicicleta. Fidel tenta reagir apostando no turismo, franqueia a ilha para capitalistas estrangeiros (sobretudo da Espanha), o que antes seria um sacrilégio intolerável.
A crise reativa o êxodo de milhares de descontentes. Em 1980, cerca de 125 mil cubanos já haviam se lançado ao mar em direção à Flórida (EUA). Depois do colapso soviético, outro lote de 40 mil abandona a ilha, em 1994, alguns zarpando em balsas de fabricação caseira, arriscando virar comida de tubarão. É então que ocorre uma tragédia com os chamados balseiros: o rebocador 13 de Março afunda, matando pelo menos 35 homens, mulheres e crianças que debandavam. O acidente nunca é esclarecido. Suspeita-se de que a marinha cubana tenha atingido a embarcação de propósito – acusação sempre negada por Fidel Castro.
A fragilidade da saúde do ditador coincide com as agruras do país. Em outubro de 2004, Fidel tropeça no palco de uma solenidade – o que pode acontecer com quem já tem 78 anos – e sofre uma fratura no joelho esquerdo e uma fissura no braço direito. Está velho e doente. Em 31 de julho de 2006, transmite o poder ao irmão, Raúl Castro.