O impeachment de Dilma Rousseff e a assunção de Michel Temer ao posto de presidente estão replicando fortemente além-fronteiras. A Venezuela chamou seu embaixador e "congelou" as relações com o Brasil. A Bolívia e o Equador também tiraram seus embaixadores. A Argentina emitiu nota se resumindo a dizer que manterá a relação bilateral – sem maiores juízos de valor. O Uruguai lamentou, também em comunicado, o que define como "profunda injustiça" contra Dilma. O chanceler brasileiro, José Serra, foi implacável com os bolivarianos, também chamando os embaixadores brasileiros em Caracas, La Paz e Quito. Em relação ao Uruguai, tergiversou, dizendo que haverá um encontro com o presidente Tabaré Vázquez. Com a Argentina, foi mais proativo: anunciou que o Brasil apoia o país vizinho e Portugal para que um deles ocupe a secretaria geral das Nações Unidas.
Mas as repercussões não se limitam aos governos. Na Venezuela, a oposição, mesmo que alguns dos seus integrantes façam ressalvas, vê no impeachment a oportunidade de haver um apoio mais intenso para o referendo revogatório do mandato de Nicolás Maduro. O principal protagonista do processo para instaurar o referendo, o ex-candidato presidencial opositor Henrique Capriles, aparentemente incorre em um paradoxo. Moderado, ele costumava se manifestar contra o impeachment de Dilma. Com o fato já consumado, Capriles faz um pedido a Temer:
– Ponha um fim na indiferença brasileira. Vivemos a pior crise da nossa história.
Unanimidade sobre a falta de apoio do governo brasileiro
Capriles teve diversos contatos com autoridades brasileiras pedindo apoio ao referendo. Outras facções da oposição venezuelana defendem medidas mais duras. Uns querem manifestações de rua que levem Maduro à renúncia. Outros propõem uma reforma constitucional que encurte o mandato de seis para quatro anos em meio ao atual governo. No caso do referendo, o julgamento é político (ao contrário do impeachment) e funciona como recall previsto constitucionalmente para ser implementado na metade do mandato.
Clique aqui e leia sobre o dia de alta tensão hoje na Venezuela
Leia mais colunas de Léo Gerchmann
Reportagem especial sobre a Venezuela 1
Reportagem especial sobre a Venezuela 2
Reportagem especial sobre a Venezuela 3
Em vídeo, o que vimos na Venezuela
– O referendo é legítimo e não dá lugar a dúvidas. A Constituição prevê seis anos de governo. No terceiro, a população pode referendar o presidente ou pedir que deixe o cargo. Ao contrário do impeachment, que exige crime de responsabilidade, é processo político. Oposicionistas como Capriles nunca gostaram da comparação, porque não veem Dilma como Maduro e porque o episódio brasileiro sempre teve a legitimidade envolta em dúvidas, inclusive pela Organização dos Estados Americanos (OEA) ao contrário do revogatório – diz o cientista político venezuelano Mauricio Sánchez.
Uma unanimidade, porém, permeia toda a oposição venezuelana: os governos petistas não intervieram suficientemente para ajudar a evitar a repressão, a prisão de adversários políticos e a condução econômica que levou a Venezuela ao desabastecimento de 80% da cesta básica, violência endêmica e inflação estimada em mais de 700% neste ano.
O recall venezuelano
1) É ferramenta prevista para o meio do mandato de seis anos.
2) Para ser implementado, precisa de uma série de assinaturas.
3) Ao contrário do impeachment, trata-se de julgamento político.
4) A legitimidade do referendo, um "recall", não é contestada.
5) Oposição busca as assinaturas para instaurar o referendo em 2016.
6) Governo procura postergar o processo de coleta de assinaturas.
7) Se o referendo ocorrer em 2017, não haverá novas eleições.
8) Nesse caso, com a saída de Maduro, o vice assume o cargo.
9) Na Venezuela, o vice é escolhiudo como qualquer ministro.
10) Se o referendo ocorrer em 2017, Maduro indicará o presidente.
11) Ao indicar o vice para presidente, Maduro pode pôr um pupilo.
12) O órgão eleitoral é dominado por simpatizantes do governo.
13) Há cogitações de que Maduro poria a própria mulher no cargo.
14) As pesquisas indicam que 80% querem a saída do presidente.
15) Para Maduro sair, são necessários 51% dos votos no referendo.