Mais de quatro dias depois de ver a mãe e a irmã serem atropeladas enquanto aproveitavam as férias em família, a pequena Djulia, de 4 anos, ainda não consegue colocar os pés na rua. O medo de também ser atingida por aquele grande caminhão branco é o que a impede de circular por qualquer calçada. Assustada, prefere permanecer dentro do apartamento que os pais haviam alugado, em Nice, para passar um período de férias.
– A Djulia está com muito, muito medo, e no início não queria se aproximar de ninguém. Ficava só ao lado do pai, temendo que o mesmo fosse acontecer com ela – conta o tio da menina, Carlos da Silva, 36 anos, que é também irmão de Elizabeth Cristina de Assis Ribeiro, 31 anos, brasileira morta no atentado de Nice.
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Na última quinta-feira, Djulia acompanhava as comemorações do Dia da Bastilha ao lado do pai, o suíço Sylvain Solioz, – marido de Elizabeth –, da mãe e das duas irmãs, Kayla, de 6 anos, e Kinea, 8 meses, quando foi surpreendida pelo atentado que deixou mais de 80 mortos na cidade francesa. No ataque, Kayla também morreu. Djulia e Kynea sobreviveram por terem sido puxadas pelo pai, que conseguiu desviar do caminhão desgovernado.
Minutos após o atropelamento em massa, a menina viu os corpos da mãe e da irmã mais velha sendo levados por uma ambulância. Somente dias mais tarde a morte das duas seria confirmada.
Conforme relata Carlos, o corpo de Kayla foi identificado já no sábado, mas a confirmação da morte de Elizabeth só chegou na noite de domingo, devido a um teste de DNA realizado no corpo da irmã:
– Como a minha irmã estava sem documentos, o corpo dela e de mais algumas vítimas foi levado para um local separado. Tiveram que esperar dias para confirmar que era ela mesmo. Minha mãe e minhas outras três irmãs foram para lá ajudar a família. Elas ainda estão ao lado das crianças. A notícia chegou como uma bomba para todos nós, estamos ainda incrédulos – conta.
Carlos, que permaneceu na Suíça, onde a família vive, conversou com Zero Hora sobre o atentado, as horas de tensão até a identificação dos corpos e os planos futuros. Confira os principais trechos da entrevista.
Onde você estava quando ocorreu o atentado? Já sabia que sua irmã estava em Nice?
Eu estava em casa, na Suíça, e demorei para receber a notícia do atentado. Só fiquei sabendo do que havia ocorrido quando a minha mãe, que também estava aqui, me ligou dizendo que achava que algo tinha ocorrido com a Elizabeth, já que a televisão transmitia o atentando e ela não estava atendendo o telefone, nem respondendo mensagens. Eu não tinha muita noção do que estava acontecendo na hora, mas fui para a casa da minha mãe. Mas na hora não acreditei, porque havia conversado com minha irmã pouco antes, por volta das 18h. Ela havia chegado em Nice para passar um período de férias com a família e, no mesmo dia, tinha me mandado fotos do apartamento que haviam alugado lá. Estavam todos felizes, e eu disse para eles aproveitarem.
Como foram as horas seguintes? Demorou para receber a confirmação das mortes?
Foi tudo muito confuso e tenso. Logo soubemos pelo meu cunhado que minha sobrinha, Kayla, tinha morrido. Ele e as outras filhas estavam no hospital, pois haviam tido ferimentos leves. Não havia notícias da minha irmã. Minha mãe e minhas outras irmãs viajaram para lá, para ajudar. Eu fiquei para se precisassem de coisas por aqui. Sei que meu cunhado contou que viu a mulher e filha serem atropeladas. E viu também o corpo da Elizabeth sendo levado por uma ambulância. A morte da Kayla já foi confirmada no dia seguinte, mas ficaram procurando a minha irmã na parte dos feridos graves dos hospitais. Como não encontraram, foram em um local onde havia 14 corpos sem documentos. Lá estava ela, mas foi preciso um teste de DNA para confirmar a morte, o que ocorreu só no domingo.
Aí você recebeu a notícia....
Sim, uma das minhas irmãs me ligou no domingo à noite. E, nossa, foi muito difícil, muito duro, eu nem sei o que dizer. No momento não estava acreditando, foi e ainda está sendo um choque. Fiquei muito triste, chorei, liguei para nossos parentes no Brasil. Avisei todo mundo. Desde então, não consigo comer nem dormir. Só com remédio. Meus amigos por aqui é que estão me dando apoio. Mas à noite, quando fico sozinho, aquilo tudo me vem à cabeça, fico revivendo os momentos com minha irmã.
Como sua mãe reagiu?
Minha mãe, fica até difícil de explicar. Desde quinta ela estava muito nervosa, estressada. Queria encontrar o corpo da minha irmã. Estava muito nervosa mesmo. Mãe é mãe. Não dá para imaginar a dor que ela está sentindo. É um trauma que nem sei, para todos nós.
Como era a Elizabeth? Ela vivia há tempo na Suíça?
Ela era uma pessoa muito família, muito alegre, sempre gostava de visitar todos nós. Nós nascemos no Rio de Janeiro e, já no final de década de 1990, viemos morar aqui com minha mãe. A Elizabeth tinha uns 12 anos. Aos 15, conheceu o homem que até hoje foi o marido dela. Minha irmã trabalhava como cabelereira na Suíça, mas no momento estava desempregada, procurando emprego. Ela sempre trazia as filhas dela aqui em casa para brincar com a minha. Eu e ela conversávamos muito, sobre tudo. A gente se reunia, comia sorvete. Assistíamos também a canais de televisão brasileiros.
Como foram para você estes dias de angústia até a confirmação da morte?
Foram e estão sendo muito complicados. Saber que nunca mais vou ver minha irmã dói muito. A gente fez muitos vídeos juntos, brincando com as crianças. Agora só tenho eles e as fotos para ficar perto dela. É difícil principalmente pela circunstância, ela desapareceu do dia para noite. Um corpo destruído, por causa de um terrorista. É absurdo.
E a partir de agora, o que pretendem fazer?
No momento eu não sei. Está sendo muito difícil para todos. Muito difícil saber que nunca mais vou ver minha irmã. Acredito que meu cunhado e minhas sobrinhas terão que passar por tratamento psicológico, pois eles, além de perder as duas, viram tudo. A Djulia está muito traumatizada. Quando eles digerirem tudo que aconteceu, vamos começar a pensar no que fazer daqui a diante. Ainda nem paramos para conversar sobre isso.
E sobre o terrorismo, vocês temem um ataque na Suíça ou em qualquer outro lugar da Europa?
Todo mundo tem um certo medo, pois temos acompanhado os ataques que ocorreram na Alemanha, na França, na Espanha. Um dos únicos locais que ainda não atacaram é a Suíça, mas mesmo assim não nos sentimos seguros em lugar nenhum. Há anos atrás não víamos ataques tão constantes como vemos agora. Não dá para acreditar no que está acontecendo. Basta rezar.