Em uma manhã de sábado, o centro da juventude nesta pequena cidade provinciana de Ben Aoun, na Tunísia, está transbordando energia. Meninas adolescentes em abrigos cor-de-rosa competem em um torneio de esgrima em uma sala, e times de futebol jogam em um trecho verde-esmeralda no canto mais distante do complexo. Mas a atividade mais intensa é dentro de uma sala de aula onde jovens de todas as idades se amontoam em uma pista de dança, observando dançarinos de break testarem suas habilidades e esperteza uns contra os outros ao som de uma batida musical.
- Queremos expandir esse fenômeno por toda a Tunísia. Queremos erradicar a velha mentalidade das pessoas. Queremos que o ciclo da Tunísia mude. Tudo isso está acontecendo desde a revolução. Queremos viver da nossa forma - declarou um dos principais dançarinos, Allá Bouzid.
Os B-boys adotaram o código de vestimenta que acompanha a forma de dança, com roupas largas, tênis chamativos e bonés de times americanos de beisebol - New York Yankees é o preferido. Seus líderes se descrevem como artistas, realizadores livres de dança, grafite e teatro.
Longe das ricas cidades costeiras e do norte desenvolvido do país, Ben Aoun é um assentamento agrícola de apenas uma rua, com 7 mil habitantes, típico do empobrecido sul tunisiano. A taxa de desemprego é alta. A antiga praça do mercado fica praticamente deserta; um café e uma oficina de motos são os únicos negócios abertos durante a tarde.
No entanto, nessa pequena cidade, e em grande parte da sociedade tunisiana, existe uma importante batalha ocorrendo nas cabeças desses jovens.
Ben Aoun fica ao lado da cidade de Sidi Bouzid, onde há três anos, o vendedor de frutas Mohamed Bouazizi ateou fogo a si mesmo em um protesto contra a pobreza, a corrupção do governo e a indiferença. Os tumultos que se seguiram, comandados por furiosos jovens da classe trabalhadora na região, derrubaram o presidente Zine El Abidine Ben Ali - e incitaram as revoltas da Primavera Árabe.
Os B-boys estavam na maior parte dos protestos.
- Não havia nenhum partido político envolvido, nenhum adulto; eram apenas jovens. Começamos a colocar fogo em coisas. Não estávamos queimando patrimônio público, mas apenas pneus nas ruas, para dizer: 'Não venham para cá, estamos cansados, não queremos vocês aqui'. Queremos que tudo pare. Estávamos dizendo: 'Não trabalhe, não estude, o país deve parar até que eles encontrem uma solução para nós' - recordou Nidhal Bouallagui, seu líder de 23 anos.
Passados três anos, eles dizem que a vida mudou pouco, exceto que a polícia não interrompe mais suas danças e os centros de juventude do governo. Às vezes, lhes oferecem uma sala para treinar.
Os jovens ainda se sentem esquecidos e alienados, e muitos estão partindo para as drogas e o contrabando, religião extremista e até mesmo militância, segundo alguns dos entrevistados.
Bouallagui disse ter visto o período após a revolta tunisiana se tornar violento e caótico quando milhares de detentos foram soltos da prisão. Um deles, um traficante de drogas, atraiu rapidamente seguidores entre os jovens de seu bairro, afirmou ele. Então três líderes salafistas, pregadores fundamentalistas sunitas, também foram libertados e se tornaram mais um ímã para jovens sem rumo locais, atraindo dezenas para a jihad na Síria.
Entre os clérigos estava Khatib al-Idrissi, um sheik educado na Arábia Saudita que havia emergido como um dos líderes mais influentes do movimento salafista na Tunísia. Ele mora em Ben Aoun e administra uma mesquita no complexo de sua família, bem frequentada por jovens salafistas. Ele não aceitou pedidos de entrevista.
Bouallagui afirmou não ter nada contra os salafistas, mas viu que eles estavam atraindo os jovens mais problemáticos, incluindo alguns de seus amigos, e estavam lhes dizendo para desistir da música, do futebol e da dança break. Com o aumento da influência salafista, também surgiu a violência terrorista na Tunísia.
Um dos ataques mais graves ocorreu em Ben Aoun em outubro, quando homens armados - alguns eram moradores da região - emboscaram a Guarda Nacional local. Segundo a polícia, seis membros e dois terroristas morreram na troca de tiros.
Um organizador natural, Bouallagui decidiu criar uma associação para administrar oficinas e eventos e oferecer uma alternativa aos adolescentes:
- Fazemos dança, esportes radicais, rap, grafite, trabalho de DJ, fotografia, curtas-metragens e teatro. Fazemos isso porque queremos trabalhar com pessoas. É voluntário, não há benefício financeiro. Temos apenas um princípio: precisamos fazer algo novo. Não é que eu não queira que eles sejam salafistas, mas existe esse lado terrorista.
Bouallagui percebeu que os jovens com algo mais em suas vidas conseguiam resistir a abordagens dos salafistas, ou ao menos diminuir seu envolvimento.
- É importante que os jovens tenham cultura, e então eles podem ir aos salafistas. E não tem problema se você não tem isso, você se transforma em um garoto com nada, e alienado na sociedade.
Em fevereiro, ele organizou um minifestival em Ben Aoun, trazendo um famoso dançarino de Tozeur para julgar a competição e um DJ de Kasserine. Um destaque da apresentação era uma esquete sobre a corrupção oficial por um grupo de comediantes de Ben Aoun. Sem conseguir pagar propina, o protagonista ateia fogo a si mesmo, e o comediante principal ousa fazer uma piada sobre seu cadáver.
Como tantos jovens no norte da África, Bouallagui vê a frustração se acumular entre seus amigos, por uma sensação de rejeição e falta de oportunidades.
- Existe uma vontade real de fazer as coisas acontecerem, mas eles não sabem como -afirmou ele.