Agora a coisa fica complicada.
Depois da cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno realizada em fevereiro, Sochi começa a confrontar a vida após a Olimpíada e o impacto do boom imobiliário que, por algum tempo, transformou a cidade no maior canteiro de obras do mundo. Agora, a área abriga mais de 40 mil quartos de hotel, quatro resorts de esqui, dezenas de restaurantes e lojas, cinco arenas esportivas, um estádio, além de rodovias e ferrovias o bastante para receber 20 mil visitantes por hora.
Isso tudo fez sentido durante os jogos, mas o que vai com a cidade agora que fãs e atletas foram embora? Essa pergunta é feita por todas as cidades olímpicas, mas parece ser especialmente problemática em Sochi, segundo especialistas, em parte por conta do exagero nas construções, que excede em muito o que ocorreu em Vancouver, Londres e outras cidades, e em parte porque a área sofrerá a concorrência de cidades-resort em outros países.
Ao que parece, poucas pessoas no alto escalão do governo russo pensaram muito sobre o futuro de Sochi.
- Acho que ninguém tem muita certeza do que vai acontecer com a cidade, afirmou Sufian Zhemukhov, um dos autores de um livro ainda no prelo sobre os Jogos Olímpicos de Sochi. - Digo isso, porque o presidente Putin e o primeiro-ministro Medvedev mudaram o conceito diversas vezes. Primeiro, a cidade seria uma espécie de capital no sul da Rússia. Depois eles falaram em desmontar as arenas e levá-las ao norte do país. Mas, há alguns meses, Medvedev afirmou que eles iriam abrir cassinos na região.
Praticamente tudo nos Jogos de Sochi foi improvisado, ao que parece, e as consequências não serão diferentes disso. O primeiro objetivo da Rússia em 2007 era submeter a candidatura campeã ao Comitê Olímpico Internacional e uma das coisas atrativas em Sochi para o COI era o fato de que a área havia sido pouco desenvolvida, o que significa que a Rússia teria de produzir muitos novos prédios e infraestruturas.
O país deu conta do recado. No final, mais de 354 quilômetros de estradas e pontes e 700 áreas esportivas foram construídas, além de uma série de reformas e renovações na rede elétrica, nos aeroportos e no sistema de água e esgoto.
O comitê conseguiu o que queria, a Rússia realizou os Jogos e, agora, Sochi corre o risco de se tornar uma cidade do velho oeste que ficou sem ouro. Um relatório recente feito pela Moodys Investors Service afirmou que a área precisaria dobrar o fluxo de visitantes, chegando a ao menos 5 milhões de pessoas ao ano, se quiser manter os hotéis cheios. Entretanto, isso é muito improvável. As imobiliárias estimam que a taxa de ocupação caia para algo entre 35% e 40% após o fim dos Jogos, segundo o relatório.
Ainda não está claro se mais turistas virão. Assim como muitos hoteleiros da cidade, Brian Gleeson, gerente geral do Radisson Blue Beach Resort and Spa, não está de olho no mercado norte-americano e acha improvável a vinda de europeus ao longo do próximo ano. Americanos e europeus têm boas opções de férias mais perto de casa, em países que não exigem vistos de entrada.
- O que precisamos é de foco para que o mercado funcione bem, afirmou Gleeson. - Estamos falando de 145 milhões pessoas e precisamos ser muito criativos sobre como dar a esses indivíduos uma boa razão para optar por Sochi.
Algumas vantagens óbvias são as próprias olimpíadas e os objetos e construção que deixaram para trás. Porém, os hotéis precisam ter cuidado ao fazer propaganda dessas atrações. Uma lei de propriedade intelectual foi aprovada na Rússia em nome do COI e proíbe algumas coisas, como a palavra "Olimpíada" e os anéis olímpicos em propagandas
- Aqui está nossa campanha para o mercado de casamentos, afirmou Gleeson, abrindo uma pasta cheia de anúncios impressos em russo. - Eles dizem: 'Coloque mais um anel em nossa coleção em Sochi'. Este é para famílias: 'Revele o campeão em seu filho'.
O que falar dos turistas que preferem o sol do verão à neve do inverno? Muitos russos endinheirados preferem destinos estrangeiros. Um voo de Moscou a Sochi leva duas horas. Com mais uma hora, é possível chegar a Innsbruck, na Áustria, onde será difícil encontrar as dificuldades climáticas que levaram os russos a estocar neve nos meses que antecederam os Jogos.
Durante o verão, que tradicionalmente é o pico do movimento em Sochi, a cidade compete pelos rublos das altas classes com cidades costeiras como Cesme, na Turquia. Quanto às classes médias e mais baixas, elas talvez não possam pagar por Sochi, onde hotéis de uma estrela custam 140 dólares por noite.
A estranha verdade sobre os Jogos Olímpicos é que poucas coisas foram construídas com lucros de longo prazo em mente, segundo Martin Muller, professor de Geografia da Universidade de Zurique, que passou cinco anos estudando a região. No início do planejamento dos jogos, o investimento privado deveria contribuir com metade dos custos. À medida que mais projetos se revelavam pouco lucrativos, o governo russo entrou em ação.
Acrescentando à impressão de que Sochi não foi construída para a prosperidade de longo prazo são as dezenas de empresários que fecharam contratos para outros projetos, grandes e pequenos. Muller afirmou que os lucros desses casos foram recebidos pouco depois de vencerem as concorrências.
- Você infla o preço do projeto, devolve parte dele ao funcionário do governo que entregou o projeto, subcontrata o máximo possível do trabalho e esconde o dinheiro que você tirou. Essa é uma forma muito mais simples de lucrar do que um plano de negócios de longo prazo, com os riscos associados à tentativa de trazer hóspedes e ter que investir em manutenção, afirmou.
Um ponto positivo é que muitos dos prédios foram construídos sem gastar muito dinheiro. Muller afirmou que se encontrou com os engenheiros a cargo do controle de qualidade e "eles disseram que não havia qualidade para controlar".
- Qualidade não era uma questão. Isso não foi exigido por parte dos investidores e ninguém esperava por qualidade. Os construtores chegavam a pagar propina para que a qualidade não fosse avaliada. Essa não é uma prática incomum na Rússia, afirmou Muller.
Isso significa que muitos desses hotéis terão custos de manutenção muito antes que as estruturas bem construídas. Acrescente o problema do excesso de quartos de hotel vagos, e fica claro porque Muller prevê muitas perdas e falências.
Contudo, nem tudo aqui foi construído com ambições aparentemente tão limitadas. Um resort de esqui chamado Rosa Khutor, que abrigou os eventos de downhill, como o salto com esqui e o halfpipe, possui 18 teleféricos, 77,2 quilômetros de encostas, seis hotéis em operação e outros quatro em fase de acabamento. Basta observar o local - o cruzamento entre um paraíso alpino e um bulevar de lojas repleto de chalés - e fica claro que esse deve ser um destino de viagens com vida longa.
O Rosa Khutor pertence ao magnata dos metais Vladimir Potanin, cujo patrimônio líquido foi avaliado em 14,3 bilhões de dólares pela Forbes no ano passado. Ele teve a ideia antes da candidatura olímpica, e expandiu sua visão para o local.
- Não temos quaisquer dúvidas de que este resort irá sobreviver e permanecer por aqui, afirmou Sergei Belikov, representante do Rosa Khutor, em uma conferência de imprensa. - Nem tudo acontece do dia para a noite, especialmente se levarmos em conta o tamanho do escopo de investimentos que foram dedicados à construção de um resort dessas proporções.
Entretanto, o Rosa Khutor é apenas um dos lados de Sochi. Para que o local como um todo seja bem sucedido, muitos creem que o governo russo precise promovê-lo e fazer muito barulho. Todavia, isso parece não estar acontecendo.
- O governo tem a intenção de promover Sochi como um destino turístico, mas não há um plano específico a esse respeito, afirmou Ekaterina Shadskaya, diretora do Sindicato Russo da Indústria de Viagens, em uma entrevista por e-mail. - O presidente Vladimir Putin declarou que Sochi não fará parte do programa de desenvolvimento turístico da Rússia, já que toda a infraestrutura já foi implementada.