Primeiro, ela parou de aquecer o apartamento, colocando móveis diante dos aquecedores para tentar esquecê-lo. Tirou a maioria das lâmpadas, desligou a água quente, vendeu o iPhone, o relógio, a televisão e até mesmo as cortinas para alimentar o filho de dois anos. Depois, ela escreveu a respeito em um post intitulado "A fome dói":
- Pobreza é o sentimento de naufrágio. É quando o filho pequeno termina o cereal e diz: 'mais, mamãe, pão com geleia, por favor, mamãe', enquanto você se pergunta se vai levar o televisor ou o violão à casa de penhores e como irá lhe contar que não tem pão nem geleia.
Jack Monroe, mãe solteira, 25 anos, é hoje a embaixadora do número crescente de pobres britânicos. Mas agora tem um contrato de US$ 40 mil
para publicar um livro. Sua repentina queda à pobreza dois anos atrás e o corajoso blog A Girl Called Jack - Uma garota chamada Jack
(agirlcalledjack.com), a transformou em celebridade na Grã-Bretanha. Ela passou a ser cortejada por políticos, instituições de caridade e até mesmo cadeias de supermercados.
Jack tem mais de 31 mil seguidores no Twitter e escreve uma coluna semanal para o jornal The Guardian, com receitas que custam menos de uma libra esterlina por pessoa. O livro será lançado no primeiro semestre. Em 2012, segundo conta, passou a maior parte dos meses com US$ 12 (cerca de R$ 30) semanais para comida.
- Meus pais sempre trabalharam, eu sempre trabalhei. Eu tinha um emprego com salário bom. Mas em seis meses, me vi indo para cama com fome - contou Jack na cozinha do apartamento novo.
Não existe uma explicação simples como um lar desfeito, escolas ruins, drogas ou preconceito racial em seu caminho à pobreza. Como um de seus vizinhos em Southend-on-Sea, cidade litorânea no sul da Grã-Bretanha, disse, "ela podia ser filha de qualquer um".
A história a tornou figurinha fácil no debate sobre o futuro do estado de bem-estar social, que o governo do primeiro-ministro David Cameron vem tentando reduzir. Desde que chegou ao poder em 2010, Cameron reduziu quase US$ 100 bilhões em programas sociais e cortes de gastos. Instituições de caridade como a Trussell Trust, que mantém 400 bancos de alimentos, informaram que 500 mil pessoas recorreram à ajuda alimentar nos últimos oito meses de 2013, três vezes mais do que em 2012.
O Guardian chamou Jack de "a face da pobreza moderna", prova de que na crise pós-financeira britânica não se pode confiar nem no mercado de trabalho, que anda lento, nem no sistema de benefícios, em encolhimento, para manter um padrão de vida básico.
O oposicionista Partido Trabalhista a recrutou para uma campanha contra os preços altos da energia. A instituição de caridade Oxfam acabou de levá-la à Tanzânia para visitar um de seus projetos, e a rede de supermercados Sainsbury's, há muito tempo acostumada a trazer mestres-cucas famosos, a escolheu para um programa de televisão sobre como cozinhar com sobras natalinas.
A pobre preferida do The Guardian
Mas a direita a considera uma impostora ou simplesmente a "pobre preferida do Guardian".
Em artigo mordaz publicado no final do ano e que se referiu a ela como a "garota-propaganda do bem-estar britânico", Richard Littlejohn, do jornal Daily Mail, a ridicularizou por seu macarrão ao pesto de couve, ao custo de R$ 0,80 por cabeça.
Jack garante que não é testa de ferro de ninguém. Ela recusou uma oferta lucrativa da Tesco, outro gigante do setor de supermercado.
Gostou da campanha com sobras do Sainsbury's. Declarou dar a maior parte do cachê para a Oxfam, bancos de alimentos e um abrigo local, mantendo US$ 2,6 mil, um salário digno.
Apesar de ter virado uma celebridade, ela ainda vive modestamente, tentando poupar uma quantia similar. Os benefícios foram cancelados em maio quando a BBC noticiou o contrato do livro, a deixando brevemente em pânico, pois ainda não havia recebido o dinheiro - desde então embolsou perto de US$ 16,5 mil. Ela diz ganhar cerca de US$ 325 semanais pela coluna e trabalhos freelance.
O pai de Jack era bombeiro e, ao longo dos anos, a família adotou 80 crianças, além dela e do irmão. Ela foi aprovada para uma escola pública de Ensino Médio, mas largou os estudos aos 16 anos para trabalhar em lojas e restaurantes até virar telefonista de emergências. Recebia US$ 44 mil anuais, acima da média na Grã-Bretanha.
Em novembro de 2011, ao voltar da licença-maternidade, pediu para sair do turno da noite por causa da dificuldade em encontrar creche. Quando o pedido foi negado, ela se demitiu. Nos meses seguintes, entrou em uma espiral de dívida e pânico. As contas iam se empilhando.
Com frequência, havia comida de menos. O filho perguntava: "Por que não está comendo, mamãe?". "Não estou com fome", respondia, rezando para que ele deixasse a casca da torrada.
Durante oito meses, Jack não contou para ninguém. Havia vergonha e um resto de esperança de que um dos 300 empregos a que se candidatou vingasse. Havia o medo de que a assistência social levasse o filho:
- Ele era o motivo pelo qual eu me levantava pela manhã. Um abraço no sofá é de graça, ler uma história é de graça. Eu não queria perdê-lo.
Somente depois de 30 de julho de 2012, quando escreveu "A fome dói", ela se apresentou oficialmente como pobre. Os pais deixaram sacolas de comida e roupa, e a criticaram por não contar antes. Naquele agosto, Jack fez uma venda, liquidando quase tudo que sobrara em casa, arrecadando US$ 3,3 mil para quitar as dívidas.
Começou a cozinhar e a dividir as receitas dos tempos difíceis. Enquanto se instala no apartamento novo, ainda modesto, mas com cozinha de bom tamanho, a prioridade é fazer o filho esquecer o período de fome. Aos três anos, ele desenvolveu uma mania: guardar comida. Há pouco tempo, a mãe fez uma torta de peixe para o almoço. Ele comeu metade e disse que comeria o resto no jantar.
Um dia, ela vai lhe mostrar o blog. Por enquanto, decidiu que eles devem fazer as refeições juntos:
- Assim, ele me vê comendo.