Ela é uma menina de 4 anos chamada Ida, frágil e tímida, e quando foi estuprada por um vizinho em setembro, sua família tentou colocar o agressor na cadeia.
No entanto, segundo seus familiares, o único interesse que a polícia mostrou foi pedir um suborno equivalente a US$11,50 para fazer a prisão. Eles não tinham o dinheiro, mas talvez o estuprador tivesse, pois a suposta investigação policial foi interrompida.
Esse tipo de indiferença e corrupção policiais é um grande fator na impunidade que leva a níveis alarmantes de violência sexual em grande parte do mundo. Um estudo da ONU com 10 mil homens em seis países da Ásia e Pacífico, divulgado em setembro, descobriu que quase um quarto deles reconhecia ter estuprado uma mulher.
Outros estudos relataram descobertas similares. Um estudo de 2011 descobriu que 37 por cento dos homens em parte da África do Sul admitiam ter estuprado mulheres.
Muitas vezes as vítimas, como Ida, são impressionantemente jovens. Ida mora na grande favela de Kibera, em Nairóbi, onde é criada por um tio-avô e uma tia-avó, Stephen e Jane, depois que seus pais praticamente a abandonaram. Stephen e Jane são pilares de estabilidade em uma região problemática, e adotaram três crianças de rua para criar junto a seus quatro filhos.
Depois do estupro de Ida, Jane fechou seu minúsculo restaurante por duas semanas para acompanhar a menina em uma cirurgia para reparar danos internos. Em seguida, Jane foi cinco vezes à delegacia de Kilimani, que supervisiona a favela, para tentar conseguir uma prisão.
Nesse ponto, as evidências pareciam fortes: um vizinho havia visto o suposto estuprador dentro da casa durante o ataque, e um médico da polícia havia preenchido formulários documentando o estupro e as lesões internas.
Mesmo assim, a polícia deu de ombros e não fez nada. Stephen chegou à conclusão que o agressor subornou os policiais.
Após diversas consultas, a polícia finalmente ameaçou realizar uma prisão no caso do estupro - não do jovem pego em flagrante, mas de Stephen e Jane, por deixarem a menina sem supervisão e vulnerável.
A delegacia tinha a infraestrutura adequada para lidar com violência sexual. Havia um balcão separado para esses casos, atendido por agentes do sexo feminino. Cartazes denunciavam o estupro.
Porém, Stephen e Jane tentaram fazer a coisa certa - e então a polícia, em minha presença, gritou com eles e ameaçou prendê-los por sua insistência.
Aquilo era uma ameaça terrível, pois quem cuidaria de Ida se eles fossem presos? Stephen, um homem digno que ficou arrasado com o que aconteceu a Ida, sentiu-se impotente. Ele parecia ter perdido a esperança na justiça.
O que aconteceu com Ida não foi nenhuma anomalia. Acompanhei duas outras meninas, de 13 e 14 anos, que disseram ter sido estupradas por um vizinho mais rico com o vírus HIV. Suas famílias fizeram oito visitas à delegacia de Kilimani, em Nairóbi, aguardando por horas a fio, implorando por justiça , mas nada jamais aconteceu. As famílias chegaram a identificar a esposa do agressor na delegacia, talvez pagando um suborno.
Em cada visita pela família, a polícia relatou que algum documento havia misteriosamente desaparecido dos arquivos. Quando era necessário algum relato pessoal, a família trazia a testemunha à delegacia - e, então, a polícia lhe cobrava uma taxa por uma folha de papel em branco para que ela escrevesse sua declaração.
Coloquei no Twitter uma foto da delegacia, dizendo que a polícia não fazia nada. Logo após o tweet, as atitudes dos policiais mudaram milagrosamente, e foi dada autorização para uma prisão. Quando a polícia foi ao local, no entanto, o suposto estuprador obviamente havia sido avisado e não foi encontrado.
Esse tipo de impunidade é comum em grande parte do mundo. Em muitos países pobres, o sistema de justiça criminal foi estruturado há décadas para proteger famílias brancas coloniais, e nunca fizeram realmente a transição para servir a sociedade como um todo. Os salários costumam ser baixos, a corrupção alta, e a prestação de contas inexistente.
Na pesquisa da ONU, a razão infinitamente mais comum que os homens citaram para estuprar meninas e mulheres era um senso de direito masculino, com explicações como "eu a queria". Outro fator foi a impunidade; muito mais de dois terços dos homens que admitiram o estupro disseram não ter enfrentado nenhuma consequência legal.
Atitudes como o direito são difíceis de mudar. Reduzir a impunidade é um pouco mais simples, e se precisarmos de provas de que a aplicação de sanções pode reduzir a incidência de estupro, basta olhar para os Estados Unidos.
Poucas pessoas sabem que o estupro caiu 75% nas últimas quatro décadas nos Estados Unidos, segundo estatísticas do Departamento de Justiça. É verdade que os casos não relatados tornam os dados menos confiáveis, mas é improvável que esse problema seja maior hoje do que na década de 1970.
O motivo para a queda dos estupros nos EUA é simples. A maioria dos casos é de estupros por conhecidos, e há uma geração a polícia costumava dar de ombros. ("Vocês estavam bebendo. Você o estava beijando. E ainda consegue chamar de estupro?")
Essa postura ainda existe nos EUA, provas de estupro muitas vezes são deixadas de lado e muitos estupradores saem impunes. Contudo, a punição ainda é muito mais provável hoje do que antigamente - e esse risco detém os homens desde o desejo inicial. Se o fim da impunidade funcionou para reduzir a violência sexual nos Estados Unidos, também pode fazer o mesmo em outros países.
E isso pode estar começando a acontecer. Após alguns estupros horripilantes, a Índia parece estar vendo os crimes de violência sexual com mais seriedade em alguns casos. E no Quênia, eu acompanhei o Shining Hope for Communities, programa de fortalecimento das favelas criado por um jovem notável, Kennedy Odede. Ele era uma criança analfabeta que vivia nas ruas de Kibera - e, então, ensinou a si mesmo a ler e escrever, frequentou a Wesleyan University e hoje comanda programas que servem 43 mil moradores de favelas.
Odede opera a Escola para Meninas de Kibera, uma excelente escola primária, e logo descobriu que muitas meninas entrando na pré-escola já haviam sido estupradas. Para criar um ambiente mais seguro para elas, ele iniciou um sistema de defensores de vítimas para obrigar a polícia a fazer seu trabalho, e o grupo vem conquistando apoio com sua mensagem de que "não" significa "não" - e que estupradores devem ser punidos.
Isso está surtindo efeito, e oferecendo um modelo para iniciativas de combate à violência sexual no mundo todo.
Corrupção e indiferença
Nível de violência sexual aumenta em países pobres devido à impunidade
Um estudo da ONU com 10 mil homens em seis países da Ásia e Pacífico descobriu que quase um quarto deles reconhecia ter estuprado uma mulher
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