Guy Sant está angustiado com o estado lastimável do seu negócio de cogumelos. Geralmente no outono os apanhadores juntam 60 toneladas de cogumelos silvestres para satisfazer consumidores europeus, segundo ele. Este ano, eles encontraram apenas 16 toneladas.
- Eu perdi tanto este ano que talvez precise fechar - , disse ele tristemente.
Sant, dono da Cevennes-Truffes, uma empresa especializada em cogumelos com base em Saint Anastasie, ao sul da França, diz saber a quem culpar: estrangeiros, a maior parte da Europa Oriental, que, a mando de comerciantes espanhóis, vieram para o outro lado da fronteira e arrancaram os cogumelos selvagens, enchendo caminhões. Até mesmo a maneira como os estrangeiros colhem os cogumelos tornou improvável que eles voltassem a crescer na temporada seguinte, explicou.
Embora especialistas discutam essa premissa ela é reveladora tanto para um lado mais idiossincrático da psique francesa, no qual cogumelos silvestres são vistos como um patrimônio nacional, quanto para as frustrações de alguns franceses, conforme uma Europa sem fronteiras disponibiliza domínios outrora exclusivos da França para novos competidores econômicos.
Essa competição trouxe consigo uma sombria corrente de discriminação e hostilidade em relação aos mais novos - e pobres - cidadãos da União Europeia vindos da Bulgária ou Romênia e, especialmente, os ciganos, que são uma minoria de 20.000 pessoas na França. Nos últimos meses, o ministro do interior ordenou que os ciganos fossem expulsos e uma cigana de 15 anos foi tirada de um ônibus escolar na frente dos colegas e deportada com a família.
Os ciganos são facilmente responsabilizados por uma série de males mas, embora um grande número de apanhadores de cogumelo sejam ciganos, não são todos, segundo os defensores ciganos. E, embora alguns cogumelos estejam sendo colhidos ilegalmente, muitos não estão. Como os cogumelos são colhidos é o que menos importa, segundo especialistas. A distinção real é quem fica com o dinheiro e a quantidade envolvidos.
Ao mesmo tempo em que se sente frustrado, Sant é solidário. Migrantes da Europa Oriental recém-chegados, incluindo os ciganos, trabalham sob condições precárias por uma miséria, segundo ele, mas nesse processo, eles estão privando franceses como ele que tornaram a colheita de cogumelos um negócio de sucesso. A quantidade de cogumelos sendo levados para a Espanha tornou-se tão grande que as empresas francesas especializadas em cogumelos estão sofrendo.
- Da perspectiva dos cogumelos, eu não acho que eles ligam se estão sendo colhidos por nativos ou por alguém que não é francês e os leva para outro país - , disse Thomas Kuyper, professor de ecologia e diversidade fúngica na Universidade Wageningen, na Holanda.
A alegação de que os cogumelos estariam sendo colhidos erroneamente, disse ele, era mais xenofobia e raiva por perder os negócios, observando que havia atitudes parecidas na Holanda em relação aos apanhadores da Alemanha e da Polônia.
- As pessoas estão preocupadas com os cogumelos ou com os estrangeiros? - , perguntou ele.
Para os franceses, colher cogumelos não é motivo de piada. Assim como amantes ciumentos, muitos mantêm em segredo os melhores lugares onde eles crescem ano após ano, e recusam-se até a dizer aos parentes onde os colhem. Então, quando as pessoas que não são francesas colhem os cogumelos, isso parece perturbar o que alguns veem como a ordem natural das coisas.
Jean Carle, presidente da Champi-Fruits des Bois, associação de proprietários de terra cujas propriedades produzem cogumelos silvestres, diz que "invasores" estão roubando cepes preciosos (Porcini de Bordeaux) e "gangues organizadas" estão devastando os amados Lactarius deliciosus locais. Não é claro quanto os estrangeiros estão burlando a lei.
Colher cogumelos em terras privadas constitui invasão; em terras públicas, há regras variadas. Em algumas áreas, entidades governamentais cobram uma taxa caso uma pessoa colha mais de 1,8 kg por dia, mas, em outras áreas, não há cobrança.
Romenos e búlgaros, que podem entrar na França como membros da União Europeia, precisam ter visto de moradia para trabalhar. Aqueles que fazem a colheita clandestinamente vêm da Espanha para a França, embora sejam cidadãos búlgaros ou romenos, segundo autoridades francesas.
- Todo mundo pode dar uma volta na floresta, mas eles estão colhendo quantidades astronômicas - , explicou Carle.
Jean Louis Traversier do serviço florestal francês estima que neste ano mais de 80% da colheita de 50 toneladas de cogumelos, apenas nas regiões sudeste de Drôme e Ardèche, foram levadas por romenos e búlgaros para a Espanha. Moradores locais tendem a descrevê-los todos como ciganos, mas as autoridades, inclusive Traversier, dizem não ser possível concluir isso apenas vendo os passaportes.
Os búlgaros e romenos, incluindo os ciganos, chegaram pela primeira vez para colher cogumelos em nome de uma empresa espanhola em 2004 e 2005 na colheita dos cogumelos Lactarius deliciosus, que são muito valorizados na Espanha, para fazer tapas e dar gosto à azeites, explicou Traversier.
O influxo de estrangeiros, disse ele, foi o resultado compreensível da economia instável da Espanha, completando que ele sentiu-se mal pelos trabalhadores ciganos, quem ele acredita que estejam "colhendo para sobreviver".
Traversier disse que, embora a empresa espanhola pague a taxa regional do governo, os apanhadores estrangeiros começaram a voltar sozinhos para colher sem pagar, e o número deles aumentou.
- Esse fenômeno acontece desde que eles abriram as fronteiras europeias - , disse ele.
Este ano cerca de mil trabalhadores romenos e búlgaros vieram para a região durante a noite em minivans ou pequenos caminhões com pilhas de caixas vazias. Ele disse que eles estacionaram em vias estreitas locais e entraram na floresta ou escalaram altos planaltos e acamparam por até três semanas, construindo acampamentos improvisados e levantando nas manhãs frias e úmidas para procurar cogumelos silvestres. Eles escondiam a colheita na floresta e, todas as tardes, caminhões iam até lá buscá-las.
Marie-Thérèse Bonnet disse que a irmã, que é dona de uma propriedade na região Haute-Loire, teve problemas com apanhadores estrangeiros no ano passado. Ela mediu as palavras para descrever seu ponto de vista.
- Para ser honesta, eles são ciganos, e eles capinam a floresta e cortam nossas árvores para fazer abrigos para si próprios; árvores que tinham duas décadas de vida. Eles constroem sete cabanas - usam quatro ou cinco árvores por cabana. No final, nós achamos sapatos, calças velhas e latas velhas - , disse Bonnet.
Alguns fornecedores agrícolas recusam-se a vender "cogumelos ciganos", disse Carine Bar, que vende 10 variedades de cogumelos selvagens na feira caríssima na Avenue du Président Wilson, em Paris. Ela disse que evita comprar de fornecedores desconhecidos que ela acredita serem ciganos, mesmo que ofereçam os cogumelos por uma fração do preço comum. O medo dela é que algum dos consumidores passe mal, e que ela não consiga traçar a proveniência do cogumelo porque o vendedor teria se mudado.
Defensores dos ciganos dizem que eles estão sendo acusados injustamente, observando que nem todos os romenos ou búlgaros são ciganos e que nem todos os ciganos são, necessariamente invasores, transeuntes ou ladrões.
- Eles estão acusando injustamente a comunidade cigana. A delinquência existe - não podemos negar isso - mas ela não é sistemática - , disse Francine Jacob, vice-presidente da União Francesa de Associações Ciganas.
Polêmica
Franceses estão culpando ciganos pela diminuição da produção de cogumelos
Comunidade cigana que trabalha de forma precária em terras francesas é acusada de colher os cogumelos de forma indevida
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