O embaixador da Grécia no Brasil, Dimitri Alexandrakis, cumpriu na semana passada, em Porto Alegre, a ponta gaúcha de uma orientação geral do seu governo: que os embaixadores gregos saiam mundo afora para melhorar a imagem do seu país, tão arranhada pelas sucessivas turbulências. Depois de uma crise que fez o desemprego atingir 25% (quase 40% entre os jovens) e provocar grande instabilidade, o país aposta na tradição - por meio do turismo - e no futuro - pela tecnologia - para o que acredita já ser uma recuperação. Em entrevista a Zero Hora, depois de ter visitado o Palácio Piratini e a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Alexandrakis lamenta o fraco fluxo de turistas brasileiros, fala de lições aprendidas, reflete sobre os efeitos de uma Olimpíada e detalha aspectos da recuperação, que pode levar a um crescimento de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014. Leia trechos da entrevista:
Zero Hora - Como está a Grécia após cinco greves gerais este ano?
Dimitri Alexandrakis - Está melhorando. Infelizmente, as notícias que saem sobre a Grécia não são tão corretas. O momento é muito difícil, principalmente por causa do desemprego.
ZH - O desemprego chegou a 24,3% em 2012. E em 2013?
Alexandrakis - Está em 25%. É o maior nível de desemprego. Antes da crise, quando a taxa chegava a 8%, era alta. Estamos no sexto ano da recessão. No ano que vem, esperamos crescer novamente. Em 2013, teremos superávit primário, de entre 800 e 900 milhões de euros. Isso é importante.
ZH - Com todos esses problemas, foi difícil formar o gabinete, não?
Alexandrakis - O governo está bastante estável.
ZH - É isso que o senhor questiona na cobertura da imprensa?
Alexandrakis - Não. Questiono o que se fala da economia. Trabalhamos mais horas que a média da União Europeia. Antes da crise, nosso crescimento era de 4%, entre 2001 e 2007. Depois, veio a crise dos Estados Unidos, em 2006 e 2008, e atingiu a Grécia, que depende de serviços. Temos a riqueza milenar, mas não petróleo, minerais e vastas áreas de agricultura.
ZH - O senhor fala em crescimento de 4%, acima da média dos países europeus, mas isso não é natural na medida em que outros países, mais desenvolvidos, precisariam crescer menos?
Alexandrakis - Por um lado, isso está certo. Mas todos querem crescer.
ZH - Mas as medidas de austeridade não provocaram problemas mais sérios?
Alexandrakis - As medidas de austeridade são duras. Por isso, temos recessão e desemprego. Mas temos de reformar aspectos da nossa economia e reestruturá-la. Equilibrar para crescer e pagar a dívida. As impressões são erradas. Nossa dívida representa 3% da dívida da União Europeia.
ZH - Começa uma reação?
Alexandrakis - Sim, estamos tomando medidas austeras, reformando e fazendo privatizações. É uma crise dura, e a recuperação é demorada.
ZH - Receituário liberal, então?
Alexandrakis - Sim, mas é uma reforma que precisamos, porque tínhamos muitas empresas estatais que poderiam ser privatizadas.
ZH - Que tipo de lição a Grécia tirou de tudo isso?
Alexandrakis - Temos de ver a crise como mais geral. Foi uma crise do euro. Entre 80% e 85% dos gregos apoiam o euro, mas a crise é do euro. Tínhamos convergência monetária, mas sem ter ao mesmo tempo a convergência econômica, das economias. Nossa moeda antiga, o dracma, foi sempre uma moeda fraca. De repente, passamos a ter a mesma moeda, quando o euro valia 340 dracmas. Então os preços subiram. Perdemos a competitividade da moeda, perdemos nossa indústria de linha branca. O consumidor grego passou a preferir marcas estrangeiras. Aí está a fonte da crise: fizemos a convergência monetária sem a convergência econômica.
ZH - Mesmo com desemprego em 25%, o senhor acha que o problema está sendo superado?
Alexandrakis - Neste mês, percebemos pela primeira vez uma pequena diminuição da taxa de desemprego.
ZH - De quanto?
Alexandrakis - Foi de 0,1%, mas a maioria dos economistas pensa que começará a diminuir. Já recuperamos 50% da competitividade que perdemos quando a crise começou, e o turismo mostra recuperação. Neste ano, já recebemos 18 milhões de turistas, para um país de menos de 11 milhões de habitantes. É muito importante.
ZH - No auge da crise, havia baixado muito o movimento turístico?
Alexandrakis - Não tanto. Em 2010, recebemos 13 milhões de turistas. Antes, era de 15 a 16 milhões.
ZH - O turismo pode, então, ser o fator de alavancamento da Grécia?
Alexandrakis - Sim, o turismo é quase 20% do nosso PIB. Outra fonte é o setor marítimo, de embarcações, quase 10% do nosso PIB.
ZH - A forte tradição grega, com sua cultura, ajuda na recuperação?
Alexandrakis - Não só. O turismo sempre vai ser importante, mas temos microempresas novas, de alta tecnologia, olhamos para o futuro. Depois de eclodir a crise, dois estudantes gregos receberam prêmios da Microsoft pelo trabalho sobre visitas a museus. Temos turismo, tecnologia, o setor naval e o setor de infraestrutura na energia. Estamos fazendo um gasoduto transasiático, que vai transportar gás natural a partir do Azerbaijão, passando por Turquia, Grécia, Itália e de lá para o resto da Europa. Grande parte do investimento vai ficar na Grécia. É para 2016 e vai gerar empregos, 10 mil vagas. Hoje, não temos nossa energia própria. As coisas estão melhorando.
ZH - A visão para o passado, a tradição, e para o futuro, a tecnologia, podem ajudar a Grécia?
Alexandrakis - Sim. Nunca podemos nos esquecer do nosso passado, da nossa cultura milenar e também, claro, da nossa beleza natural.
ZH - A propósito, como está o turismo brasileiro para a Grécia?
Alexandrakis - Infelizmente, não recebemos muitos brasileiros. Não temos voos diretos. Temos uns 30 mil, o que é muito pouco. Certa vez, no auge da crise, em 2010, eu e minha família esperávamos uma embarcação e chegou perto de nós outro carro com música tão alta que o som poderia quebrá-lo. Havia oito pessoas dentro de um pequeno carro. Vi que eram nossos queridos irmãos brasileiros. Eles me perguntaram: onde está a crise?
ZH - E a Olimpíada de 2004, como se refletiram no país?
Alexandrakis - O orçamento mais do que dobrou. A Olimpíada foi uma despesa muito alta, mas teve um lado bom. Fizemos o novo metrô, por exemplo. E é curioso: isso favoreceu nossa cultura, porque, escavando para a construção do metrô, descobriram-se ruínas. Em Atenas, estações de metrô são museus abertos, com as peças preservadas nas paredes. Isso atrasou as obras, porque foi necessária a fiscalização de antropólogos. Enfim, o cotidiano melhorou com os jogos. Mas, claro, temos os elefantes brancos. Então, temos lições. É muito para um país pequeno, mas o saldo foi positivo.
ZH - O que fariam de diferente?
Alexandrakis - Foram jogos de muito êxito, importantes para nossa imagem. Mas esse gasto faz parte da dívida que temos hoje. Economias fortes de países grandes como o Brasil, porém, podem fazer isso sem grandes problemas.
ZH - Que lições, aliás, foram aprendidas para evitar crises?
Alexandrakis - Fiscalizar mais os gastos de cada país membro da economia europeia e os bancos. Nossos governos, na Grécia, se endividaram demais, tomaram empréstimos demais. Quem deu foram os bancos. Por isso, falei do nosso crescimento de 4%. Os bancos, principalmente da França e da Alemanha, nos deram grandes empréstimos. Crescemos e não olhamos à frente, para saber se poderíamos pagar os empréstimos recebidos. Foi um problema de ambos os lados, dos nossos governos e dos bancos. Os gregos não são tão endividados, quem é endividado é o Estado grego.
ZH - Agora, isso não se repetiria?
Alexandrakis - Com certeza, não. Temos de fiscalizar melhor os bancos, ter certeza de que os bancos não vão emprestar além das reservas deles. Muito da nossa dívida é de dinheiro que não recebemos, de juros. A dívida mais que dobrou por causa dos juros. Isso não se repetiria.
ENTREVISTA
'Crescemos e não olhamos à frente'
Embaixador da Grécia no Brasil, Dimitri Alexandrakis concedeu entrevista ao jornal Zero Hora
Léo Gerchmann
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