As tradicionais vilas rurais na cidade de Miryang, assim como muitas outras na Coreia do Sul, ficam situadas entre montanhas arborizadas. Arrozais transbordam pelo vale, e pomares de maçã e caqui acompanham as estradas.
Casas de madeira com telhado de telhas foram substituídas, há muito, por casas de concreto, mas os restos de uma Coreia mais antiga permanecem ali. Os agricultores planejam a vida baseados nas estações de colheita e, quando morrem, são enterrados em lotes que permeiam os pés das montanhas.
Hoje, uma Coreia mais moderna - na forma de imposição de linhas de energia elétrica - está invadindo as vilas, inclusive os cemitérios. As vilas ficam ao longo de uma rota de transmissão principal, que deveria distribuir energia nuclear. Torres já foram construídas ao longo da coluna de algumas montanhas, e outras 50 estão programadas para serem construídas em Miryang - algumas delas nas montanhas.
No entanto, apenas se alguns dos moradores não tiverem nada a dizer sobre isso. Durante os últimos dois anos, os moradores realizaram protestos que incluíam um raro sacrifício, demonstrações em Seul e um período de dois anos no qual as mulheres mais velhas dormiam em minúsculas barracas no alto das montanhas, acima dos lotes que a concessionária limpou para algumas das torres. As mulheres fazem intervalos para voltar para casa, mas a maioria delas dorme lá, no revezamento, aquecidas por aquecedores a querosene no inverno. Elas exibem bandeiras coreanas de seus abrigos cobertos por plástico.
- Minha família vive aqui há 500 anos, e todos os nossos ancestrais estão enterrados nestas montanhas - , disse a produtora de arroz Sohn Hee-kyong, de 78 anos, que fica no acampamento e cuja sepultura do marido está por perto. - Eu não posso deixar essas monstruosidades de aço passarem por cima disso. Só por cima do meu cadáver. -
O impasse dos moradores com a concessionária de US$ 166 bilhões, a Korea Electric Power Corp., ou KEPCO, tornou-se uma notícia nacional acompanhada de perto. Algumas mídias a retratam com detalhes forenses, apontando cada vez que a companhia consegue erguer uma nova torre - geralmente depois de ter pagado indenizações o suficiente para proprietários de terra de terrenos próximos para ganhar o apoio deles. A história se manteve nas manchetes não apenas por ser um forte símbolo do eterno esforço da Coreia do Sul de reconciliar suas tradições com a pesada cobrança de sua moderna geração. O confronto também virou notícia por conta da crescente batalha na Coreia do Sul pela energia nuclear.
O apoio à energia nuclear tem diminuído desde o desastre de Fukushima, no Japão, em 2011, e depois que uma série de escândalos na Coreia do Sul revelou que muitas instalações, no país todo, incluíam partes cujos resultados de teste de segurança haviam sido adulterados.
Os moradores da vila tornaram-se cada vez mais desesperados para impedir o projeto de transmissão. Todavia, os escândalos também deixaram a KEPCO um pouco desesperada para dar continuidade ao projeto. A usina nuclear que deve ser instalada à nova linha de transmissão é um teste importante para a indústria já manchada e para o governo, que conta com as usinas nucleares como uma exportação lucrativa. Dois dos reatores na usina são de um modelo que a Coreia do Sul espera ser o mais vendido.
Miryang fica a 280 km a sudeste de Seul, e é outro mundo. Comparadas à bagunça de Seul, as vilas, que juntas abrigam cerca de 110.000 pessoas, dão sono. Muitos jovens se mudaram para cidades cada vez mais ricas na Coreia do Sul. Algumas rodovias são tão pacatas que os moradores das vilas secam seus grãos sobre elas depois da colheita.
A luta deles com a concessionária começou em 2007, quando a KEPCO começou a construir a linha suspensa de energia de 90 km, que seria presa às 161 torres ligando Gori, um dos maiores complexos nucleares da Coreia do Sul, em uma área abrangendo a fronteira entre Busan e Ulsan a sudeste, para uma subestação a noroeste.
No começo, as pessoas daqui temiam as perceptíveis ameaças à saúde vindas da linha, que deveria transportar 765.000 volts, e grandes quedas nos preços imobiliários conforme as enormes torres marcavam montanhas praticamente intocadas ou passavam perto das vilas. (Já que os agricultores, às vezes, hipotecam suas casas e arrozais para conseguir empréstimos que eles pagam depois da colheita, o valor das terras é especialmente importante.)
Eles também se preocuparam com os cemitérios; assim como na maior parte da Coreia do Sul, adorar os ancestrais é comum por aqui, e proteger os túmulos de qualquer coisa considerada impura é um dever fundamental dos vivos.
A briga intensificou-se no ano passado, quando um agricultor de 74 anos, chamado Lee Chi-woo jogou gasolina e ateou fogo ao próprio corpo em Bora, uma das vilas de Miryang. Anteriormente naquele mesmo dia, trabalhadores da KEPCO começaram a construir uma torre em um arrozal que pertencia a Lee e a seus irmãos, enquanto seguranças empurravam os irmãos para fora do local, confiscado contra a vontade deles e a preços muito mais baixos do que o que eles queriam.
Com o suicídio de Lee, mais moradores idosos foram para as colinas, construindo cabanas em lugares onde a KEPCO planejava construir torres de transmissão, algumas com a altura de um prédio de 40 andares. Ativistas antienergia nuclear chegaram às vilas aos montes, para dar apoio às vilas a suas próprias causas.
Já que algumas pessoas e vilas de Miryang aceitaram indenizações da KEPCO, o ressentimento cresceu em ambos os lados. A KEPCO e o Ministério do Comércio, Indústria e Energia disse que os manifestantes mais velhos estavam impedindo um importante projeto nacional. Moradores a favor do governo colocaram cartazes de beira de estrada denunciando pessoas de fora por trazerem ativismo antinuclear até aqui e incitar os moradores a "cooperar com o gerenciamento dos negócios e do Estado". Cartazes de oposição diziam: "Abaixo a energia nuclear!".
Vizinhos rivais nas vilas pararam de falar uns com os outros, e alguns tiveram brigas envolvendo pás que geraram processos.
Cerca de uma dúzia de vilas de Miryang são os últimos redutos. Dos 90 quilômetros da linha de transmissão, a KEPCO já completou tudo, menos a seção de 30,6 km que deveria passar pelas vilas e montanhas próximas.
Durante meses de negociações sem sucesso neste ano, os moradores exigiram que a KEPCO refaça a rota da linha de energia, enterre-a debaixo do solo ou que diminua a voltagem de eletricidade que ela deve carregar. A concessionária disse que as alternativas são inviáveis e retomou a construção no começo de outubro, começando com as vilas onde havia um acordo prévio com os moradores.
Alguns dos moradores de Miryang tentaram impedir os caminhões de deslocarem-se perto de montanhas para despejar concreto para a fabricação de mais torres, mas a polícia conteve as pessoas. Idosas frustradas agora recorrem balançando as bengalas para caminhões que passam e xingando policiais da idade dos netos deles. Alguns tentaram se jogar na frente dos caminhões.
Abaixo da montanha do acampamento de Sohn, onde a floresta já virou uma tapeçaria de outono, os homens da vila começam a ficar de guarda. (Sohn, uma das mulheres que vivem no acampamento, chama os homens, na casa dos 60 anos, de "jovens".)
Recentemente, os homens ficaram parados atrás de cordas amarradas ao longo do caminho que levava ao posto, fumando cigarros e procurando trabalhadores que, eles temiam, pudessem chegar a qualquer momento. Havia três armadilhas penduradas em pinheiros. "A gente as pendura, ou somos pendurados", disseram eles.
As mulheres também tomaram um rumo fatalista, construindo valas em frente à barraca delas que, segundo as mesmas, servirão como a própria cova caso as autoridades tentem tirá-las de lá. Sohn disse que ela recentemente tentou preparar seus filhos para o pior.
- Quando me ligaram no outro dia, eu disse que morreria lutando - , disse ela. - Dessa forma, eu sentiria menos vergonha ao encontrar meus ancestrais mortos. -