A oito quilômetros do litoral onde se localiza o cassino Golden Nugget, o oceanógrafo Michael F. Crowley, da Universidade Rutgers, puxa três veículos teleguiados de um amarelo profundo da popa de sua embarcação de pesquisa.
Os planadores, como ele os chama, têm asas e são desprovidos de hélices, como uma versão em miniatura de mísseis Tomahawk. Dois foram emprestados pela Marinha e um, da própria Rutgers, tem buracos deixados por um ataque de tubarão. À medida que adentravam sorrateiramente o Atlântico para dar início a uma missão de um mês, eles se juntaram a uma frota de 12 outros ao longo da Costa Leste dos Estados Unidos, da Nova Escócia à Geórgia.
Os veículos teleguiados são a peça central do Gliderpalooza, experimento de pesquisa oceanográfica colaborativa coordenada por 16 agências estatais e equipes de pesquisa norte-americanas e canadenses. Combinando os recursos de que dispõe, entre os quais há satélites, estações de radar, boias de pesquisa e os planadores, as equipes esperam capturar a imagem mais completa já registrada dos muitos movimentos misteriosos subaquáticos do Atlântico - desde correntes de águas profundas até peixes migratórios.
Os oceanógrafos também planejam colocar planadores no Pacífico Ocidental para ajudar a prever tempestades como o tufão Haiyan. Embora o percurso de um tufão seja em grande medida influenciado pelas mudanças atmosféricas, os planadores podem ajudar a prever a intensidade de uma tempestade, que é normalmente afetada pelas temperaturas do oceano.
- Se nós pudermos prever a intensidade, será possível prever melhor o impacto sobre as populações humanas - , afirmou o oceanógrafo Scott M. Glenn, também da Rutgers. - E isso é fundamental, principalmente na Ásia, onde tantas pessoas morrem quando os tufões chegam à terra firme. -
O experimento realizado no Atlântico indica uma nova direção na pesquisa oceanográfica. Apesar de uma rede de satélites que têm observado o oceano e vários projetos que espalharam boias que registram dados nos mares, o tamanho e a complexidade em si dos oceanos ainda mascaram boa parte do que acontece debaixo da água. Em um momento em que as previsões de tempestades, correntes e os efeitos da mudança climática nunca foram tão necessários, os pesquisadores esperam que a frota de planadores ofereça uma nova perspectiva.
- Nós temos satélites que nos dão mapas maravilhosos da superfície do oceano - , declarou Glenn, líder da Associação Regional do Médio-Atlântico para Sistemas de Observação do Oceano Costeiro (MARACOOS), um dos 16 grupos de pesquisa envolvidos no projeto. - O oceano, no entanto, é tridimensional, e nós queremos explorar o que acontece debaixo das ondas. -
Os planadores movidos à bateria fazem mergulhos contínuos em longas curvas, registrando a temperatura do oceano, correntes e outras características a uma série de profundezas. Eles atingem a profundidade máxima de aproximadamente 198 metros, embora possam ser programados para ir mais fundo; é relativamente raso para a maior parte do oceano, mas profundo o suficiente para as plataformas continentais, que ficam em média 140 metros abaixo do nível do mar e podem se estender de centenas de metros até milhares de quilômetros mar adentro.
Cada planador custa de US$ 125 mil a 150 mil, dependendo da instrumentação, o que é uma pechincha se comparado aos métodos tradicionais. - Uma embarcação de pesquisa pode custar algo entre 35 mil até quase um milhão de dólares por dia - , explicou o oceanógrafo Oscar M. Schofield, da Rutgers, que chefia o experimento. - Se essa experiência fosse feita com navios, o valor atingiria desde milhões até dezenas de milhões de dólares. -
Mesmo que cada um dos 15 planadores tenha uma missão diferente, os dados coletados por eles estão sendo agregados na Rutgers para investigar questões muito mais amplas. - Nós sabemos que nosso oceano mudou bastante ao longo dos últimos 20 anos - , disse Schofield, - mas temos tão poucos dados que fica difícil até mesmo começar a desvendar que fatores motivaram essa mudança. -
Talvez a questão mais premente seja o formato e o movimento da sazonal "piscina fria", um corpo de água pouco compreendido situado no fundo da Plataforma Continental do Nordeste.
Pesquisadores e pescadores sabem há quase um século que enquanto a costa do Atlântico se aquece durante a primavera e o verão, uma faixa enorme de água fica anormalmente fria, presa no fundo do mar. Essa piscina fria tem quase a extensão da plataforma continental, cobrindo do Cabo Cod ao Cabo Hatteras.
Com a volta do outono volta e o resfriamento da superfície do Atlântico, a piscina fria pode se homogeneizar lentamente com o resfriamento das águas da superfície ou se misturar rapidamente à medida que as tempestades se deslocam sobre o oceano. Há muitas coisas, no entanto, que permanecem desconhecidas.
- A piscina fria afeta diversos peixes migratórios - , que acompanham as águas frias, esclareceu Schofield. - Mas também é importante para informar a previsão de tempestades, porque a temperatura do oceano é basicamente o que abastece as tempestades -
Em agosto de 2011, quando o furacão Irene passou sobre a piscina fria, - ele misturou a água quente da superfície do oceano e a piscina fria do fundo, reduzindo a intensidade daquela tempestade - , disse Glenn. Ele acrescentou que um dos motivos pelos quais o furacão Sandy foi tão agressivo em 2012 pode ter sido o fato de que a tempestade atravessou o mar depois que a piscina fria já havia se equalizado com a temperatura da superfície do oceano, - e, assim, aquela mistura, que apagaria o incêndio, não estava lá - .
Os veículos teleguiados subaquáticos têm sido usados ao redor do mundo há uma década, geralmente para pesquisar condições perigosas demais para humanos.
- Isso, porém, representa um passo importante na maturação da tecnologia - , afirmou Timothy J. Cowles, pesquisador da Iniciativa de Observatórios do Oceano, que não está ligada ao Gliderpalooza. - Uma coisa é ter um único planador realizando suas próprias medições; outra completamente diferente é ter uma frota de planadores coordenados entre vários grupos de pesquisa -
Embora os planadores nadem a passo de caracol, a pouco mais de 1,6 quilômetro por hora, sua mobilidade proporciona aos pesquisadores uma capacidade ímpar de adaptar os experimentos, disse o oceanógrafo Joshua T. Kohut, também da Rutgers, que trabalha na equipe de pesquisa da MARACOOS.
- Eles vêm à superfície a cada duas ou três horas, o que nos possibilita lhes enviar novas instruções. Se percebermos que a piscina fria mudou ou que alguma coisa mudou de lugar, temos como reagir. -
Existem vários modelos de teleguiados submersíveis de pesquisa no mercado, mas a frota do Gliderpalooza consiste em vários Slocum Gliders sem hélice, projetados pela Teledyne Webb Research Corp. Eles se deslocam por meio de um ajuste de sua flutuabilidade - ingerindo ou ejetando pequenas quantidades de água para subir e descer no mar. Duas asas transformam esse movimento de sobe e desce em um impulso para frente, levando o robô a fazer uma série contínua de mergulhos.
A Marinha dos Estados Unidos, maior usuária de teleguiados subaquáticos, tem 65 planadores ajudando a prever o clima dos oceanos em âmbito mundial por meio da Agência Oceanográfica Naval, incluindo os dois emprestados ao Gliderpalooza.
- Participar deste experimento nos dá a oportunidade de avaliar a qualidade de nossos modelos oceanográficos e de compartilhar as lições que aprendemos - , afirmou Kenneth P. Grembowicz, diretor oceanográfico da Agência.
Várias das equipes de pesquisa já planejam novos experimentos coletivos para os planadores. Das duas missões com teleguiados previstas para o ano que vem, uma vai estudar e prever tempestades na Costa Leste, enquanto a outra aplicará em escala mundial o método multi-institucional do Gliderpalooza.
- Hoje há infinitas formas de explorar o oceano que antes não eram uma possibilidade", disse Glenn. "Isso tem aberto novos horizontes -
Pesquisa
Em estudo, teleguiados subaquáticos chegam ao fundo do mar
Trabalho caputra imagens do oceano e busca compreender e prever a intensidade de tempestades
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