Vitoriosa no primeiro turno e favorita no segundo contra a governista Evelyn Matthei, a socialista Michelle Bachelet já projeta, no seu provável retorno à presidência do Chile, um governo guiado pelo rugido das ruas. Com 90% das urnas apuradas, Bachelet tinha 47% dos votos, contra 25% de Matthei. O segundo turno será em 15 de dezembro.
No comitê de Bachelet, havia a certeza: 23 anos após findar a ditadura de Augusto Pinochet, algumas das bases institucionais do poder chileno serão alteradas.
Apoiada por uma coalizão mais ampla do que a que sustentou seu governo entre 2006 e 2010 (incorporou o Partido Comunista), Bachelet, 62 anos, avisou a seus aliados: mexerá no sistema de educação, para torná-lo público e acessível às camadas desfavorecidas. O que ela pretende com isso? Contemplar as ruas. Tentará evitar que estudantes, liderando outros setores, precisem voltar aos espaços públicos para pedir que o crescimento de 5,6% seja dividido, promovendo distribuição de renda e oportunidades.
Dias atrás, Bachelet definiu a estratégia: buscará reformar a Constituição herdada do regime de exceção, promoverá aumento de entre 20% e 25% nos impostos de grandes empresas e tratará de tornar, com esse dinheiro, o sistema educacional do país acessível.
- Inicia-se um novo ciclo, de ampliação dos direitos e redução das desigualdades. Há novas aspirações, e é isso que mostra o movimento estudantil. Temos de expandir o caráter público em um país dominado pelo mercado - diz Sergio Bittar, que foi ministro em todos os governos socialistas (de Minas sob Salvador Allende, da Educação sob Ricardo Lagos, e de Obras, sob a administração Bachelet).
Bittar, porém, pondera que uma nova administração de Bachelet não abrirá mão das conquistas de governos anteriores, incluindo o atual, de Sebastián Piñera (centro-direita).
- As três propostas básicas são uma nova Constituição que amplie direitos, uma reforma educacional que equilibre acessibilidade e qualidade e uma reforma tributária que financie a educação e que reduza a desigualdade social. Serão implementadas 50 medidas nos cem primeiros dias - acrescenta.
Não são propostas, porém, que fazem o chileno votar em Bachelet. É sua imagem, de quem governou entre 2006 e 2010, deixando o governo com 80% de popularidade.
O analista Juan Leyton, da Universidade Central do Chile, diz:
- Ela tem carisma e simpatia. As pessoas confiam nela.
Protesto reclama educação gratuita
A eleição transcorria com tranquilidade no Chile ontem à tarde quando dezenas de estudantes do ensino médio ocuparam o centro de campanha da candidata Michelle Bachelet para exigir uma educação pública e gratuita de qualidade. Tratava-se de um aviso: os protestos devem continuar.
Os estudantes escreveram em uma faixa na entrada: "As mudanças não estão em La Moneda (sede do governo), estão nas grandes alamedas". O centro estava quase vazio, já que, no dia das eleições todos os seus membros foram para um hotel do centro de Santiago.
Dezenas de estudantes foram ao comitê de Bachelet para pedir reformas estruturais
Foto: Hector Retamal/ AFP
Eloísa González, dirigente da Assembleia Coordenadora de Estudantes Secundários (ACES) e porta-voz do protesto, afirmou que se tratava de "um último ato" para reafirmar suas demandas de educação pública, gratuita e de qualidade.
Bachelet representa modelo contraposto ao da sua principal adversária na eleição de ontem, Evelyn Matthei. A socialista é filha de um general que se manteve fiel ao presidente Salvador Allende em 11 de setembro de 1973 (e por isso morreu no cárcere após o golpe ocorrido nessa data), e a centro-direitista Matthei é filha de outro general, que se aliou a Pinochet e integrou a junta militar governista.
Detalhe ZH
Ainda assim, os estudantes projetam protestos contra qualquer governo. Eleita presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (Fech) na semana passada, a estudante de Medicina Melissa Sepúlveda é anarquista e não se alinha a qualquer linha partidária.
- A única possibilidade de conseguir mudanças na educação é através da articulação do movimento estudantil com outros movimentos sociais - diz a estudante, que critica a ausência de um projeto pormenorizado por parte da candidata Bachelet, apoiada pela antiga presidente da Fech, a comunista Camila Vallejo, definida a contragosto como a "musa" do movimento estudantil.