Quase quatro anos depois de deixar o poder com índices de aprovação beirando os 80%, a socialista Michelle Bachelet é a favorita para vencer as eleições presidenciais do Chile no próximo dia 17. Sua principal concorrente, Evelyn Matthei, candidata governista, amarga a baixa popularidade do atual presidente, o liberal Sebastián Piñera. Apesar do bom desempenho econômico, Piñera não conteve a insatisfação com o modelo centrado na educação privada e com a a falta de políticas públicas para aplacar a profunda desigualdade social do país.
Se você acredita que o chamado "mundo plano" decorrente da globalização pasteurizou ideologias e enterrou de vez as utopias, dê uma espiada no Chile.
Na contracorrente do que se diz a respeito do "fim da História", naquele país de 17 milhões de habitantes, com a silhueta fina e a extensão comprida que lhe dão uma geografia peculiar, capitalistas e socialistas, centro-direitistas e centro-esquerdistas digladiam-se para ver quem ocupará o mítico Palácio La Moneda no período entre 2014 e 2018.
Tão ideologizada está a eleição chilena cujo primeiro turno ocorrerá no próximo dia 17 (o segundo, se necessário, será em 5 de dezembro) que as principais candidatas, duas mulheres, são filhas de generais situados em lados opostos na ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). O pai da socialista Michelle Bachelet é o general Alberto Bachelet, que permaneceu fiel ao presidente Salvador Allende, apeado do poder, e morreu após ter sido preso e torturado. Já Evelyn Matthei é filha do general Fernando Matthei, que dirigiu a Academia de Guerra Aérea e integrou a primeira junta a governar o país no regime de exceção. Michelle é candidata da oposição. Tenta retornar ao cargo que ocupou de 2006 a 2010. Evelyn é a candidata de um governo cujos índices de popularidade, apesar dos bons números econômicos, rondam os 30%, menos que a metade de Bachelet quando terminou seu governo, em 2010, beirando os 80% de aprovação.
Três meses atrás, Evelyn era ministra do Trabalho, mas são raras as fotos em que aparece ao lado de Piñera durante a campanha eleitoral. Sinal claro de que ele não é o cabo eleitoral mais adequado neste momento.
Presidente tenta defender governo
Piñera manteve a economia do país como um ímã sul-americano para investidores internacionais, mas não conteve a profunda desigualdade social do país. Enfrentou dezenas de protestos estudantis que reclamam educação pública mais acessível e outras intervenções do Estado em temas sociais. Enfim, dois modelos.
Além de um Produto Interno Bruto (PIB) que cresceu 4,3% no primeiro semestre de 2013, a inflação se limitou a 3%, e o desemprego ficou longe da barreira dos dois dígitos - é de 6,4%. Em compensação, a parcela de 1% dos chilenos mais ricos concentra um terço da riqueza do país, e o ingresso per capita é 40 vezes maior que o de 81% da população. As críticas são ácidas, por, supostamente, o presidente governar pensando nas classes mais favorecidas. Um exemplo disso é o alto custo de uma educação universitária majoritariamente privada.
Frente à ampla vantagem de Bachelet, Piñera resolveu deixar o baixo perfil e se manifestou, na semana passada.
- São anticrescimento, antiemprego e antimelhorias salariais - disse.
Piñera repetiu antigas estratégias eleitorais bem conhecidas dos brasileiros. Falou, na TV chilena, em "temor" pelo possível "freio ao crescimento".
- Não duvido das boas intenções da ex-presidente e candidata Michelle Bachelet. Creio que todos queremos o melhor para o Chile, mas não bastam intenções. Podemos perder liderança e dinamismo - disse Piñera, que não descarta voltar ao poder em 2017.
Bachelet evita provocações e rejeita entrevistas. Joga com a ideia de que o tempo está a seu favor. Mediante os comentários de Piñera, abriu uma exceção.
- Ao governo, faltam 125 dias. Que se dedique a governar, porque há tarefas pendentes e as pessoas esperam soluções - afirmou a ex-presidente.
Candidata que inspira confiança
Questionada a respeito da estratégia de Bachelet, sua assessora María Angélica Alvarez admitiu:
- Estamos muito otimistas, esperando a vitória no primeiro turno.
O cientista político Patricio Navia, da Universidade Diego Portales, de Santiago, explica o favoritismo de Bachelet:
- É a vizinha que todos querem, em quem confiam. Tu podes sair de férias e deixar a chave de casa com ela. As pessoas se sentem seguras votando nela.
O chefe da campanha de Evelyn Matthei, Joaquín Lavín, contesta esse favoritismo socialista.
- Há uma maioria silenciosa, que não aparece nas pesquisas. O quadro é de incerteza - ponderou.
Os movimentos sociais reclamam do descompasso entre crescimento e distribuição de renda. Nelson Estrada, vice-presidente do Conselho Nacional de Defesa da Pesca Artesanal (Condep), ironiza o slogan adotado por Evelyn Matthei - "Um 7 para o Chile" (sete é o número da sua chapa):
- Por que os peixes, que sempre acreditei serem de todos os chilenos, transformaram-se em propriedade de apenas sete famílias? - questiona ele, referindo-se à concentração de renda.
O bordão de Bachelet: "Chile de todos".