Marfim ilegal, sequestros, pirataria, contrabando de carvão, extorsões e até campanhas falsas de caridade que fingem arrecadar dinheiro para os pobres - o grupo de militantes al-Shabab pulou de um negócio ilegal para outro, acumulando dinheiro do submundo do Leste da África para financiar ataques como o recente cerco a um shopping de Nairóbi.
Agora, autoridades daqui e do Ocidente têm redobrado esforços para derrotar ou pelo menos conter o grupo - com um olhar atento sobre suas diversas fontes de financiamento - antes que seus militantes voltem a atacar no Quênia ou mesmo nos EUA.
As autoridades norte-americanas há anos estão extremamente preocupadas com o grupo militante islâmico da Somália, que assumiu a responsabilidade pela morte de mais de 60 homens, mulheres e crianças no shopping no ataque de 21 de setembro. No entanto, apesar dos amplos esforços de múltiplas agências para cortar as fontes de dinheiro do grupo, ele ainda controla rotas lucrativas de contrabando no sul da Somália, extrai dinheiro da proteção de uma variedade de empresas somalis e levantou centenas de milhares, senão milhões, de dólares no exterior, parte deles dos Estados Unidos.
Autoridades somalis estimam que o al-Shabab emprega uma equipe financeira - especialmente militantes de colarinho branco - que desenvolveu elaborados esquemas de tributação que incluiriam, por exemplo, US$ 500 por fazenda por ano e US$ 2 para cada saco de arroz que passa por seus postos de controle.
- Eles calculam sua renda e fazem as contas. E você tem que obedecer, senão eles matam você. É assim que funciona - disse Mohamed Aden, ex-presidente da Himan and Heeb, uma região parcialmente autônoma no centro da Somália, perto do território do al-Shabab.
Além das atividades financeiras ilícitas, também se descobriu que o grupo rouba de instituições de caridade islâmicas, como projetos de construção de mesquitas e escolas, de acordo com várias autoridades somalis.
Todavia, os membros do al-Shabab também são conhecidos como homens de negócios experientes. Depois que o grupo tomou o porto de Kismayo, no Sul da Somália, alguns negociantes de carros de lugares distantes, como Mogadíscio, preferiram importar veículos dali, ao invés de usar o porto governamental, alegando que o al-Shabab cobrava taxas mais baixas.
Embora forças da União Africana tenham tirado o grupo de Kismayo, seus militantes ainda controlam áreas nos arredores do porto, e autoridades somalis dizem que eles continuam a cobrar tributos sobre itens como camisetas, açúcar e sabonetes.
- Eles têm uma renda diversificada. Foi a mistura perfeita para criar esse cenário pavoroso - disse Jonathan Schanzer, vice-presidente de pesquisa da Fundação para a Defesa das Democracias e ex-funcionário de contraterrorismo no Tesouro dos EUA.
O caos perene na Somália também torna mais difícil eliminar os tentáculos do al-Shabab. Grupos militantes de todo o mundo tentaram interferir, mas a longa história da anarquia na Somália, cujo governo central implodiu em 1991, cria o ambiente ideal para aqueles que se aproveitam da guerra.
Os militantes do al-Shabab conseguem cobrar taxas de extorsão, sequestrar funcionários ocidentais da ajuda humanitária na fronteira com o Quênia, pactuar com piratas indianos do oceano e, em seguida, retirarem-se para os seus redutos sem se preocuparem com a possibilidade de serem presos ou processados porque a aplicação da lei é praticamente inexistente na Somália.
A extrema pobreza do país é outro fator complicador. Quando os EUA designaram o al-Shabab como organização terrorista em 2008, desencadeando sanções a concessão de apoio material ao grupo, as agências de ajuda humanitária se queixaram amargamente de que as regras estavam impossibilitando o auxílio em áreas controladas pelo al-Shabab. O governo dos EUA atenuou a aplicação de algumas dessas normas em 2011, quando a fome varreu o sul da Somália, para garantir que a ajuda chegasse aos milhões de somalis que precisavam dela.
Embora o al-Shabab controle um território muito menor do que o que controlava há alguns anos, muitas pessoas da região permanecem com medo da rede de assassinos do grupo, bem como de sua contínua capacidade de realizar ataques em larga escala contra civis, como o massacre no shopping queniano ou um atentado suicida em Uganda em 2010, que matou dezenas de pessoas. E à medida que o al-Shabab vai deixando de ser um movimento de guerrilha que antes aspirava governar a Somália com um grande exército de jovens combatentes (Shabab significa "juventude" em árabe) e se transformando em uma organização terrorista mais enxuta e móvel, os gastos vão diminuindo.
Schanzer disse que o ataque ao shopping Nairóbi provavelmente custou ao grupo "aproximadamente US$ 100 mil", somando o preço dos fuzis automáticos, balas e granadas que foram utilizados, juntamente com os gastos com treinamento e, possivelmente, o aluguel de uma loja no shopping que os investigadores suspeitam que pode ter sido utilizada como depósito de armas antes do ataque.
Ao longo do fim de semana, os principais jornais do Quênia informaram que os serviços de inteligência do país tinham informações sobre um possível ataque no shopping, mas que não conseguiram agir. Autoridades dos EUA disseram que o aviso foi baseado em informações fragmentadas e que os serviços não dispunham de inteligência "acionável" ou específica sobre o ataque.
O presidente da Somália, Hassan Sheik Mohamud, disse em uma entrevista que o país precisava desesperadamente deixar de lado o negócio informal da transferência de dinheiro e adotar um sistema bancário adequado, mas que precisava de mais tempo. A interrupção repentina de transferências financeiras poderia ser desastrosa, disse ele, especialmente agora, quando a Somália está lutando para se recuperar de anos de caos e precisa de injeções de investimentos para manter o ritmo.
Se as medidas contra o al-Shabab forem amplas demais, disse Mohamud, elas podem sair pela culatra. Por exemplo, proibir que os expatriados somalis enviem dinheiro aos parentes poderia tornar muitas pessoas ainda mais pobres e fazer com que mais jovens desempregados e desiludidos se juntem ao al-Shabab .
- Precisamos quebrar esse círculo vicioso de gerações que perdem a esperança - disse Mohamud.
Enquanto grandes áreas da Somália permanecerem violentas e sem governo, como estão hoje, o al-Shabab terá inúmero oportunidades para fazer negócios. O grupo tem lucrado com a demanda chinesa pelo marfim de elefante ilícito, treinando combatentes que passam discretamente para o outro lado da fronteira com o Quênia e abatendo elefantes para retirar os dentes dos animais, dizem empresários de Kismayo. Combatentes do al-Shabab também extorquem alguns grupos humanitários, dizem autoridades somalis, muitas vezes recebendo dezenas de milhares de dólares para permitir que a ajuda chegue às zonas que controla.
No entanto, talvez nada tenha sido mais lucrativo para o al-Shabab do que o comércio clandestino de carvão vegetal. Conhecido como ouro negro, o carvão vegetal produzido a partir da queima de florestas de acácia da Somália é altamente valorizado na Península Arábica. A exportação de carvão foi proibida sob a ditadura de Mohammed Siad Barre, mas voltou com tudo em meio ao caos que se seguiu à expulsão do presidente em 1991.
Antes de as forças quenianas capturarem Kismayo, o al-Shabab lucrou mais de 25 milhões de dólares por ano com o comércio de carvão vegetal, de acordo com investigadores da ONU. A perda de Kismayo foi um grande revés para o al-Shabab, e no ano passado, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução que proíbe a importação de carvão da Somália.
No entanto, o al-Shabab transferiu o negócio para outros portos ainda sob seu controle, continuando a exportar milhões de sacas de carvão por ano.
- Eles têm menos dinheiro, mas não precisam de muito dinheiro. Mesmo sem muito dinheiro, ainda é possível causar danos gravíssimos - disse Ken Menkhaus, professor de Ciência Política do Davidson College.