Alguns painéis contém mensagens escolhidas por arquitetos, mas a maioria foi registrada pelos visitantes
Foto: Rodrigo Cruz-Perez/The New York Times
O memorial em homenagem às vítimas da violência no México parece ter caído do céu, enviado por um Deus enfurecido. Ele certamente não é convidativo, com lajes enferrujadas do tamanho de telas de cinema, próximo a um cruzamento movimentado.
Sua missão também não é clara. Mesmo antes de ser inaugurado em abril, o monumento havia dado origem a um debate acalorado sobre se ele deveria ser um tributo a todos os que foram mortos, desapareceram, foram sequestrados ou roubados em decorrência da guerra contra o tráfico de drogas - ou se deveria ser uma homenagem às pessoas cujos direitos humanos foram violados pelas autoridades mexicanas.
No entanto, basta chegar mais perto e as lajes começam a falar.
"Pinta lo que sientes... expresa lo que piensas."
O grafite escrito em tinta branca ao longo da grande placa de metal na entrada do memorial - "Pinte o que sente... expresse o que pensa" - não é obra de vândalos. Na verdade, aquilo é um pedido: Compartilhe. Recorde. Mostre seu luto.
As placas de metal foram projetadas para serem páginas em branco. Citações escolhidas por arquitetos, de Octavio Paz, Carlos Fuentes e outros autores aparecem nos cantos, cortadas como um estêncil. O restante é aberto à expressão do público.
"Não matem nossos sonhos."
Algumas das mensagens, como as que cobram a proteção dos sonhos ou a legalização das drogas, foram escritas em inglês. Todas, a não ser umas poucas inscrições, foram escritas ou rabiscadas por parentes e amigos de mexicanos que morreram em decorrência da violência. Os policiais que protegem o memorial afirmam que as pessoas vêm de todo o México, mas que cidades mais violentas, como Ciudad Juárez, Torreón e Tijuana, são mais bem representadas.
Geralmente, somente uma ou duas pessoas visitam o monumento com algo para acrescentar. Muitas delas, afirmam os guardas, choram enquanto gravam uma mensagem no ferro com a ajuda de uma chave.
"Cuántos muertos?"
A questão - Quantos mortos? - foi escrita logo acima de um grande desenho de um coração colocado entre duas mãos, em pose de quem pede ajuda. Lacônica e direta, é uma pergunta que assombra todos os mexicanos.
É difícil conseguir uma resposta honesta. O relatório mais recente do governo, lançado em janeiro de 2012, afirmava que 47,5 mil pessoas haviam morrido em decorrência de conflitos ligados às drogas entre primeiro de dezembro de 2006 e 11 de setembro de 2011, mas isso não inclui os milhares de desaparecidos. Além disso, a definição de "mortes ligadas a drogas" nunca foi muito clara.
Este ano, o The New York Times enviou pedidos de acesso aos arquivos públicos à Procuradoria Geral da República, ao Ministério do Interior e a 10 Estados com os maiores índices de assassinatos, em um esforço para revisar arquivos de casos com dados básicos sobre os mortos, tais como idade, gênero, local e causa da morte. O objetivo era o de explorar detalhes dos casos que eram e dos que não eram definidos como relacionados a drogas.
Apenas um dos estados entregou as informações requisitadas. Todas as outras entidades se recusaram, usando como desculpa a privacidade, embora um dos estados tenha admitido que "não era competente em relação ao assunto". Agora, até mesmo o governo federal resolveu ampliar seu registro: no dia nove de agosto, autoridades anunciaram que todos os assassinatos passariam a ser incluídos, estivessem relacionados a drogas, ou não.
"Alfonso Arqui Medina te extrañamos!"
As paredes avermelhadas do memorial incluem um punhado de nomes, mas é impossível encontrar suas histórias. A mensagem a Medina - "Sentimos saudades" - pode se referir à morte de um arquiteto chamado Alfonso Medina, assassinado em sua pick-up Ford há cinco anos, a poucas quadras da casa do prefeito de Tijuana. Ou talvez não.
As histórias da maior parte das vítimas nunca serão conhecidas. Cada vez mais, autoridades estaduais e municipais escondem as informações sobre a violência, afirmando que precisam proteger a imagem de suas comunidades do sensacionalismo, embora muitos meios de comunicação da imprensa mexicana tenham sido tão intimidados pelo crime organizado, que não cobrem mais os assassinatos que prejudicam a própria comunidade. Até mesmo as famílias que escrevem no memorial parecem ter medo de compartilhar; entre os muitos nomes, poucos estão completos.
Uma exceção é o de Marcela Geovana Mendoza. Uma chapa de aço no meio do monumento foi transformada em uma mensagem de amor para ela e outras inscrições mais discretas, nas quais pode-se ler "te amo Marcela" escritas em branco, surgem como sussurros do além. Porém, isso é tudo: ela não foi encontrada nas bases de dados dos jornais mexicanos e uma busca do nome completo no Google não revelou nada.
Já a busca pelos nomes Marcela e Mendoza nos revela uma única pista: Fanny Marcela Mendoza Rodríguez, uma estudante universitária de Honduras, que foi morta a tiros aos 19 anos, em setembro do ano passado.
"Menos monumentos, menos minutos de silencio. Más acción."
Muitas mensagens do memorial não são dirigidas a indivíduos, mas ao México como um todo, pedindo por "menos monumentos, menos minutos de silêncio. Mais ação". Elas exigem mais justiça em um país que tem tudo para que isso dê certo: recursos, história, cultura. Aqueles que visitam o memorial, afirmam que o local tem um enorme potencial.
- As mensagens me surpreenderam. É uma ideia bonita - afirmou Salvador Enriquez, de 43 anos, um visitante recente.
Todavia, até mesmo aqui entre as paredes, é difícil manter o foco onde ele é devido. Recentemente, em uma tarde no painel que fica mais distante da entrada, um homem de cinza desenhava com giz branco um rosto que sugeria o de um irmão perdido, mas em seguida acrescentou cabelo, uma guitarra e uma língua comprida. Era Gene Simmons, do Kiss.
- Eu trabalho na manutenção. Quando fico entediado, gosto de desenhar - afirmou o homem, apontando para uma vassoura ao lado do retrato da celebridade.
Do outro lado da cerca, havia uma bandeira mexicana gigante, flácida como um braço quebrado, pendurada sobre a base militar vizinha do monumento - uma justaposição chocante em um país onde os militares têm sido implicados em muitos casos de mortes e desaparecimentos.
À direita, um dos guardas do memorial podia ser visto desenhando orelhas de coelho no que parecia ser uma versão infantil do paraíso. À esquerda, o som de buzinas de carro vinha do trânsito congestionado do Paseo de la Reforma, na Cidade do México, enquanto um mímico com nariz de palhaço se apresentava para os motoristas em troca de alguns centavos.
Mais perto da entrada, o primeiro painel era o que tinha mais mensagens, que iam de "shalóm" a "quiza la reina mala nos protéga" - talvez a rainha má nos proteja. Aqui também há muitos nomes (Lupita y Jerry) que podem representar o amor ou a perda.
Escondida entre todas elas havia uma mensagem simples escrita com letra de mão. Tão confusa ou clara quanto o próprio memorial, invocando os mexicanos a buscarem dentro de si por uma saída, reconhecendo que toda a sociedade é responsável pela violência e pela paz.
"Si sabes lo que vales. Ve y busca la que mereces."
"Se você sabe o que vale", dizia a mensagem, "vá encontrar o que merece".