Como escritor, minha tendência foi sempre procurar origens. Meu primeiro livro, sobre a busca pelo Jesus histórico, foi uma tentativa de chegar à "verdade" por trás dos ensinamentos católicos que recebi. Depois de morar em Manhattan durante vários anos, escrevi "The Island at the Center of the World", sobre o assentamento holandês de Nova Amsterdã, semente sobre a qual a cidade de Nova York germinou e cresceu.
Há pouco tempo comecei a pensar na minha família. Entre várias curiosidades, está o nosso nome. Vira e mexe alguém me pergunta de onde vem esse "Shorto". Segundo a história que ouvi quando criança, meus bisavós, sicilianos e analfabetos, se estabeleceram em Johnstown, na Pensilvânia, e na hora de matricular os filhos na escola, disseram o nome em voz alta: Sciotto. Só que a pessoa que ouviu escreveu como entendeu.
"Causos" como esse sempre me foram interessantes, mas depois que comecei a me interessar seriamente pelas minhas raízes, perderam um pouco a graça. Eu queria ter uma ideia mais concreta de que éramos e de onde tínhamos vindo. Fui criado com um certo clima do Velho Mundo - o aroma das almôndegas na fritura, o abraço apertado dos parentes mais velhos, histórias da Máfia, tradições esquisitas, como colocar um dólar de prata no umbigo do recém-nascido -, mas, na verdade, tive uma infância tipicamente norte-americana. Não havia praticamente nenhuma informação sobre como tudo começou, sobre a geração que imigrou no início do século XX. Não se sabia nem de onde a família era na Sicília.
Como já tinha feito muita pesquisa histórica, sabia que buscar origens genealógicas era um negócio vago e sem muitos momentos de brilhantismo. Lembrei a mim mesmo que a busca por ancestrais muitas vezes não dá em nada. Por isso, meu objetivo inicial era modesto: refazer apenas o caminho inverso, da Pensilvânia à Sicília.
Talvez tenha sido bom definir uma meta relativamente simples porque não demorei a obter bons resultados. Alguns parentes achavam que nossos ancestrais tinham saído de Messina. Para a mulher de um primo do meu pai que levava as tias mais velhas ao médico - consequentemente servindo de ouvinte - nossas raízes estavam em "San Pedro Alguma Coisa". Como não éramos do México, tomei "San Pietro" como uma possibilidade.
Procurei os Sciottos da Sicília na internet. Um vilarejo chamado San Pier Niceto, a 20 quilômetros de Messina, estava entre os mais bem cotados. Meu pai sugeriu que eu ligasse para o primo Anthony Verone, médico aposentado de Nova York. Boa ideia porque ele se lembrava de algumas coisas que a mãe havia lhe contado sobre Antonino Sciotto, meu bisavô. Depois de sair da Sicília e se estabelecer na Pensilvânia, ele se tornou o primeiro produtor ilegal de bebida alcoólica de Johnstown. Será que lembrava também o nome da cidade siciliana de onde ele tinha saído? A resposta foi imediata:
- San Pier Niceto -
A essa altura, meu interesse estava nas alturas - e comecei a traçar um plano mais consistente, envolvendo aviões.
Já tinha visitado a Itália continental várias vezes, mas nunca a Sicília. E nem tinha a intenção de conhecer a ilha toda. O plano era deixar os familiares que pudessem viajar comigo em um lugar, relaxados, aproveitando a comida e a história local enquanto eu iria explorar as nossas raízes, mas de uma maneira bem tranquila. Em relação a San Pier Niceto, minha intenção era aparecer por lá e fazer umas perguntas aqui e ali, só para ter uma ideia do lugar de onde a minha família tinha saído.
No último minuto, porém, mandei um e-mail para a prefeitura, explicando o meu interesse. Minutos depois, alguém chamado Mario Italiano pediu para ser meu amigo no Facebook. Em um inglês que provavelmente estava no mesmo nível do meu italiano no telefone, ele se colocou à minha disposição.
San Pier Niceto se "estica" como uma serpente ao longo das montanhas. Da torre de sua igreja é possível ver o mar e a silhueta das Ilhas Eólias. Todas as casas ficam de um lado ou de outro de uma única rua principal, a Corso Italia. Mario Italiano, que tinha se prontificado a me ajudar, tinha sugerido um encontro no fim da tarde. Aparecemos em sua casa às 17h - e assim que estacionamos, ele veio nos encontrar.
Mario é um contador de 59 anos extrovertido que faz as vezes de historiador extraoficial da cidade. Ele nos recebeu em sua casa pequenina, mas bem arrumada. Sua mulher, Maria, preparou uma limonada e todos nos sentamos ao redor da mesa da sala de jantar enquanto ele falava sobre a cidade, sua história e tradições.
E me deu uma pasta. Tinha feito uma pesquisa caprichada, encontrando até as certidões de nascimento dos meus dois bisavós. A seguir, levou o nosso grupo para um giro pela cidade. Com algumas pessoas que se juntaram a nós no meio do caminho, éramos a filha dele, Grazia; o filho, Salvatore; um sobrinho, também Salvatore; seu filho, Alberto; a namorada do Alberto e mais alguns. Enquanto caminhávamos pela Corso Italia, Mario literalmente parava para falar com todo mundo que passava - e aproveitava para explicar o que fazíamos ali.
Durante o curto passeio, conhecemos dois Sciottos: uma mulher que me disse que sua mãe se chamava Sarah Sciotto. Bom, meu pai tem uma tia chamada Sarah Shorto -, mas como os nomes vivem sendo repetidos nas famílias sicilianas, concordamos apenas que deveríamos ser parentes. Um senhor chamado Francesco Sciotto, sentado em um dos bancos da praça principal, me disse que seus parentes tinham imigrado para os EUA.
Descobri que os Sciottos também tinham se espalhado pela região. Um ramo tinha gerado vários advogados; dois vilarejos próximos tinham tido prefeitos com esse sobrenome. Parece que há muito tempo houve um tipo de dinastia chamada Lo Sciotto, afiliada à cidade de Pace del Mela, a pouco menos de 10 quilômetros de San Pier Niceto, onde inclusive há um Palazzo Lo Sciotto.
A cidade dos meus ancestrais era um lugar bonito, agradável e tranquilo. Suas raízes são profundas, com tradições e ruínas arquitetônicas que datam da Idade Média, sendo que os primeiros assentamentos ocorreram por volta do século III a.C. A história mais recente, porém, fala do esvaziamento constante da população, começando no fim do século XIX. Chegou a ter 8 mil habitantes, mas hoje são só 3 mil. A maioria imigrou para três lugares: Venezuela, Canadá e EUA. Dos que optaram pelo último, Pensilvânia e Nova Jersey foram os destinos mais comuns.
Mario tinha só mais uma coisa para me mostrar: já na periferia, parou em frente de uma casa de pedra centenária, há muito abandonada, que dava para uma plantação e para o mar. Não tinha sido difícil de achar porque o endereço estava na certidão. Era ali que meu bisavô tinha nascido. Era a casa de Antonino Sciotto, que depois de imigrar para a Pensilvânia para trabalhar nas minas de carvão tornou-se Tony Shorto e criou o mundo em que eu nasci.
Minha experiência na pesquisa histórica tinha limitado minhas expectativas em relação ao resultado da investigação -, mas cheguei ao final dela com duas certezas: a intuição sobre as forças que faziam parte da minha formação e um lugar físico ao qual atrelar esse sentimento. Eu tinha começado a minha exploração quase como um exercício acadêmico, um mero quebra-cabeças intelectual, mas Mario, um homem generoso, e seu amor pela cidade, a transformaram em algo muito maior.