A "rua chamada Direita", há tempos sem seu burburinho, finalmente voltou a encher. De um lado ao outro, as pessoas arrastavam os pés em uma procissão lenta. Os lojistas haviam fechado as janelas de madeira, embalaram a mobília incrustada e xales com brocado que ninguém mesmo estava comprando, para liberar as calçadas para cortejo fúnebre.
Trombetas e tambores soavam o altivo refrão da Nova Sinfonia de Beethoven. O caixão branco, recoberto de margaridas, girava feito um rotor de helicóptero acima da multidão enquanto os carregadores passavam dançando por uma mesquita até uma igreja vizinha, duas estruturas com séculos de idade e listradas com pedras claras e escuras.
As mulheres ululavam e jogavam arroz. O falecido, um cristão, iria se casar, mas ele e o motorista muçulmano foram sequestrados e mortos ao sul de Damasco, duas novas vítimas da guerra civil na Síria, e o funeral seria o evento mais parecido com um casamento que ele teria.
A multidão gritava "Síria, Síria", saudando o jovem, Fadi Francis, como "mártir do bairro".
A rua Direita, a via pública mais famosa da Síria, é marcada agora por uma calma desconfiada, destruída de vez em quando por ataques de morteiro e, todos os dias, pela ansiedade.
A rua é conhecida desde os primeiros anos do cristianismo pelo trajeto em linha reta cruzando as vielas serpeantes da cidade velha de Damasco. Calçadas de pedra, ela contém boa parte do que muitos cidadãos consideram agora como o melhor de seu país: história antiga, diversidade, espírito empreendedor. Agora, no entanto, os moradores temem que sua própria existência corra perigo - embora não concordem sobre quem representa a maior ameaça, os rebeldes, o governo ou, como muitos pensam, ambos.
- Estou cansado de ver as pessoas trajando preto. No fundo, não existe mais nada que nos faça felizes - disse Leena Siriani, olhando para baixo do alto de sua sacada na rua Direita.
Muitas lojas fecham mais cedo agora e os turistas estrangeiros não são mais vistos. O bombardeio pode ser ouvido ao longe e novos milicianos vigiam a rua. O presidente do país, Bashar Assad, não caminha mais a passos largos por ali para jantar com os caciques de Damasco ao lado da fonte de mármore do restaurante Naranj.
Reza a Bíblia que depois de o apóstolo Paulo ter sido cegado na estrada para Damasco, Deus o dirigiu "à rua chamada Direita" para encontrar um homem que pudesse batizá-lo, em um local agora marcado pela vizinha igreja Hanania.
Ao longo da rua, ruínas de uma colunata romana, cobertas com pôsteres desgastados de Assad, testemunham milênios de habitação. Obras geométricas de pedra talhada remontam à era Omíada medieval, quando Damasco era a sede do califado governando o mundo muçulmano. Durante séculos, pessoas de muitas fés e etnias vêm convivendo diariamente por aqui, se não sempre em completa harmonia, pelo menos em adoração comum da vida urbana e comércio.
Hoje em dia, lojas sofisticadas de antiguidade se revezam com oficinas minúsculas nas quais carpinteiros e serralheiros produzem e vendem seus produtos, exatamente como em séculos passados. Mansões otomanas e moradias baixinhas ainda abrigam, respectivamente, os ricos e os pobres.
Lenços e tapetes transbordam até a rua, do portão arqueado do século III de Bab Sharqi a Medhat Pasha Souq, feira onde as barracas montadas sob um arqueado telhado de zinco exibem especiarias, lingerie e brinquedos. À noite, da janela do pequeno e venerável bar de Abu George, a luz mortiça ainda brilha nas garrafas coloridas de bebida, uma espécie de farol de vitral da diversidade religiosa e irmandade de bairro.
Cristão, Abu George gosta de afirmar que "se os muçulmanos não bebessem, o álcool seria muito mais barato".
Bebendo café, Abu Tony se sentou no meio-fio em uma manhã recentemente diante de sua loja antiga. Não havia fregueses, mas ele e os vizinhos comerciantes abriram mesmo assim, para passar o tempo. Ele deu uma olhada na fileira de lojas, que para ele simbolizam o espírito da rua.
- Sou cristão. Na porta ao lado, há um sunita, na seguinte, um xiita - que, segundo ele, a aluga do proprietário judeu que se mudou para os Estados Unidos, mas mantém contato.
Para Abu Tony, os rebeldes eram extremistas, estranhos à Síria.
- É a terra da civilização. O cristianismo correu o mundo a partir desta rua.
Muitos aqui compartilham de sua visão, e seu apoio pelo governo. No funeral, alguns dias mais tarde, muitos cristãos enlutados afirmavam ter certeza de que os assassinos eram rebeldes islamitas interessados em expulsá-los. Para eles, o fato de clérigos muçulmanos terem ajudado a localizar os corpos era prova suficiente.
Porém, mesmo aqui, sob a análise minuciosa no coração da capital de Assad, as pessoas manifestam opiniões diversas. Para alguns, a repressão do governo sobre os dissidentes irritou a divisão sectária. Outras pessoas têm medo de todo mundo, de assassinos com motivação política em ambos os lados a gangues criminosas se aproveitando do caos.
Depois do funeral, Sawsan, mulher cristã empobrecida depois que o conflito enfraqueceu a alfaiataria do marido, se sentou olhando para a rua em uma cozinha tão minúscula que os botijões de gás de reserva serviam como bancos.
No andar de baixo, os vizinhos sunitas apoiavam de todo coração a atuação governamental, considerando os rebeldes como terroristas. Sawsan não concordava.
- Eles são todos nossos homens - ela declarou.
Questionada se compartilhava o temor de outros cristãos de virar alvo por conta da fé dos rebeldes, de maioria sunita, ela levantou o queixo para cima, no estilo sírio de dizer não.
- Eles tentam espalhar essa ideia. Fazer as pessoas lutarem entre si - sem especificar quem.
A filha adulta se mostrou menos confiante. Ela contou uma história que circulou amplamente entre quem teme - ou promove - o sectarismo segundo a qual os primeiros manifestantes cantavam "cristãos para Beirute, alauítas para a sepultura".
Uma bomba estrondou ao longe.
- Se nos atingirem, a casa será destruída, mas não vamos morrer - afirmou o neto pequeno de Sawsan.
Ali perto, um vendedor sunita dizia que cabia ao governo selar um acordo de paz.
- Se eles quiserem pôr um fim nisso, eles podem. É seu povo. Eles não podem matar a todos - afirmou o homem, dobrando lenços de seda decorados com brocados nos padrões geométricos damascenos.
Outro comerciante apontou um espaço vazio na parede onde antes estava o retrato de Assad. Ele sussurrou ter apoiado os protestos pacíficos quando estes tiveram início há mais de dois anos, e não culpava a oposição por apelar às armas.
- Quando matam seu filho, o que você diz: 'Está bem, obrigado?'
Agora, porém, ele disse se sentir preso. A esposa tinha medo de mandar os filhos à escola a poucas quadras de distância. Com o dinheiro investido no estoque, ele não poderia bancar uma fuga.
- Nós pensamos que duraria duas ou três semanas. Nós achávamos que ele cairia.