Jane Jeong Trenka passou a vida toda lutando para se adaptar.
Nascida na Coreia do Sul, em 1972, ela e a irmã foram adotadas por uma família norte-americana e criadas em uma cidadezinha de Minnesota fundada por descendentes de imigrantes alemães e escandinavos, onde as igrejas luteranas se erguiam acima dos milharais.
No primário, Trenka conta que era atormentada pelos meninos, importunada por comentários maldosos - a ponto de ficar tão ansiosa que começou a vomitar no ônibus a caminho da escola. Anos depois, quando levou um rapaz à sua casa pela primeira vez - um laosiano da única família asiática da cidade, disse que o pai fez uma piada com o nome dele que considerou racista.
Furiosa - e tomada por uma revolta profunda com sua ascendência asiática - ela rabiscou seu nome coreano, Kyong-ah, na parede do quarto, com uma tachinha. Depois, cobriu com um quadro de avisos para que os pais não vissem. Quando chegou a hora de ir para a faculdade, preencheu todos os formulários dizendo-se "branca", no que hoje chama de "ato de autonegação".
E foi justamente esse conflito emocional em relação à identidade que a levou a mudar radicalmente a vida e voltar para a Coreia do Sul - onde liderou uma campanha de reforma das regras de adoção para a instauração de uma legislação pioneira com medidas concretas para lidar com os motivos que fizeram o país famoso como "o exportador de bebês do mundo": o preconceito arraigado contra mães solteiras e as adoções domésticas, que supostamente "mancham" as linhagens familiares.
Pela primeira vez uma lei estipula que o governo deve reduzir as adoções estrangeiras de crianças sul-coreanas - e não só oferecer incentivos para encorajar mais coreanos a adotar e motivar mães solteiras a manter os filhos como exigir que elas convivam pelo menos uma semana com a criança, recebendo tratamento psicológico, para ter certeza de que quer abrir mão de sua custódia.
- Passei os primeiros 40 anos da minha vida como adotada e, nesse tempo, a Coreia não mudou muito seus sistema de adoções. Será justo passar a segunda metade da vida permitindo que as pessoas continuem com as práticas destrutivas que me levaram a sofrer o que sofri? - diz ela.
Ela continua a brigar por mais transparência nos processos de adoção, obscuros há décadas, em grande parte para proteger mulheres solteiras que têm que enfrentar a opção de entregar o filho para adoção em segredo ou conviver com um estigma social. Os especialistas dizem, porém, que essa proteção também dá margem a abusos, incluindo colocar para adoção crianças cujos pais só queriam abrigo temporário nos orfanatos.
O longo caminho percorrido por Trenka - de adotada por estrangeiros a ativista - começou com uma mentira.
Ela afirma que seus pais adotivos, que não tiveram filhos, foram informados de que sua mãe biológica era uma solteira irresponsável que abandonou as duas meninas quando Trenka era pouco mais que um bebê e sua irmã tinha quatro anos.
Aos vinte e poucos, ela finalmente se encontrou com a mãe e sua família, que contaram uma história bem diferente; segundo eles, Trenka foi dada para adoção porque o marido da mãe, além de muito pobre, começou a desconfiar que não era seu pai - e ameaçou asfixiá-la com um cobertor antes de exigir que a mulher se livrasse dela. (As razões por que a irmã mais velha também foi adotada não são tão claras.)
Porém, depois que as meninas foram embora, a mãe ficou tão triste que começou a levar um cachorrinho da mesma maneira que costumava levar as crianças, nas costas, envolto num cobertor - de tão desesperada, ela conseguiu que a agência lhe desse o nome e endereço da família que tinha adotado as pequenas.
Menos de três meses depois, ela conseguiu juntar algum dinheiro para enviar vestidos tradicionais, ou hanbok, para as garotinhas e a mãe - que, mais tarde, chegou a receber duas cartas, não revelando a verdadeira razão da adoção, mas interessada no bem-estar das duas.
Embora Trenka saiba que seus pais adotivos também tenham sido vítimas das mentiras da agência, acredita que as cartas poderiam tê-los levado a questionar a alegação de abandono; em vez disso, questionaram apenas o fato de ela não ter tido condições de manter as meninas. E mesmo quando Trenka encontrou as cartas, eles pouco fizeram para estimular o contato com sua família biológica, levando a um afastamento que durou vários anos.
Procuramos a mãe adotiva por telefone, mas ela se recusou a comentar o caso. E a irmã, por encarar a adoção de forma bem diferente, continua mantendo contato com os pais.
Para Trenka, o encontro tão esperado com a mãe biológica só aconteceu quando tinha 23 anos - e só porque adquiriu o próprio cartão de crédito para comprar a passagem. Separadas pelo idioma, mãe e filha se comunicaram através de um tradutor. A primeira, na época com 62 anos, pediu o perdão da segunda - e chegou a mostrar os seios para provar que tinha amamentado as duas antes de se separarem.
Nos cinco anos seguintes, Trenka voltou várias vezes antes de a mãe morrer, em 2000, de câncer - e, apesar da barreira da linguagem, dizia que bastava ficarem juntas. Aos poucos, foi se afastando da vida que conhecia em Minnesota, acabando por se divorciar do marido norte-americano e escrevendo dois livros de memórias que a colocaram em contato com outros adotados que também achavam que deviam ter sido mais bem tratados por seu país de origem.
Cinco anos depois da morte da mãe, ela parou de dar aulas de piano e voltou para a Coreia.
Na época, o país estava começando a mudar sua posição em relação às adoções - e conforme ia se tornando o milagre econômico da vez, o governo aos poucos começou a reduzir o número de adoções internacionais que muitos consideravam motivo de vergonha. Apesar disso, os especialistas dizem que as autoridades não pareciam muito motivadas a mudar a percepção nacional até serem forçadas pelo grupo de Trenka e outros adotados, que ganhou o apoio das mães solteiras. Incansáveis, eles fizeram marcação cerrada sobre os legisladores, criaram blogs, organizaram protestos e fizeram denúncias à Comissão de Direitos Humanos.
Ao contrário de Trenka, alguns adotados consideram suas experiências válidas, mas ainda acham que o país deveria se esforçar mais para manter as crianças e/ou tornar o processo de adoção mais transparente.
Os críticos temem que a nova lei tenha sido aprovada antes da hora, retardando o processo de muitas crianças para as quais não há famílias coreanas dispostas a assumi-las; já seus defensores dizem que ela deveria ter sido instaurada há tempos e elogiam Trenka e seus aliados.
- A liderança do pessoal que voltou foi fundamental para que o governo mudasse a forma de encarar o problema - afirma o Reverendo Kim Do-hyun, diretor do KoRoot, grupo de adotados coreanos.
Atualmente, Trenka, que já fala coreano, está fazendo o curso de Administração Pública pela Universidade de Seul para se preparar para a próxima batalha: lutar para mudar o sistema de registros de nascimento do país para que os adotados tenham mais facilidade em rastrear suas origens.
Ela mantém contato com a irmã nos EUA, mas não vê os pais adotivos desde 2004, mas garante que às vezes sente falta deles.
Ela diz que a Coreia do Sul é seu "amor não correspondido", mas que voltou para ficar.
- Os coreanos têm um ditado que diz que a raposa volta ao lugar que nasceu para morrer - resume ela.