Quando chegou a hora da luta que o público esperava, um enorme touro negro chamado Foguete, cujos chifres tinham sido afiados, trotou no terreno de terra usado nas touradas da cidade.
Próximo, o seu oponente, um touro igualmente enorme, levantava nuvens de poeira com a pata dianteira e bufava. O seu nome tinha sido escolhido, como são os de lutadores profissionais, para projetar força e inspirar o medo.
O seu proprietário o chama de Satanás.
Ao sinal dos juizes, os touros atacaram, travando os chifres, tentando empurrar um ao outro para trás em uma competição que tem entretido multidões e outorgado direitos de se gabar aos proprietários de touros ao longo do Golfo de Omã desde o início dos tempos.
Em árabe, eles chamam isso de "luta de touro". Outros se referem a isso como "marradas" a fim de diferenciar os enfrentamentos de touro versus matador famosos na Espanha e outros locais, cujo apelo não é compreendido por aqui.
- É loucura que permitam que um homem lute contra uma fera. Ele pode ser morto - disse Nasser Badr Abdulla, organizador local do evento.
Como que para evitar ataques de grupos de defesa dos animais, Abdulla disse que os piores ferimentos que ocorreram aos touros normalmente precisaram de apenas alguns pontos.
- Aqui, são os touros que têm vidas cinco estrelas. Eles lutam, e depois nós os levamos de volta à fazenda para a melhor alimentação- ele disse.
Os confrontos de touros em Fujairah, uma cidade adormecida na costa leste dos Emirados Árabes Unidos, são um dos vestígios culturais da época em que este pedaço de rochas e areia, surgindo do Golfo da Pérsia, se tornou um país 1971.
Antes disso, a maioria das pessoas arrebanhava camelos e ovelhas no deserto e pescava ou criavam tâmaras e outros cultivos ao longo da costa.
O desenvolvimento desde então tem sido rápido, na medida em que a riqueza do petróleo e o comércio internacional transformaram Dubai e Abu Dhabi em centros cheios de arranha-céus e deram aos cidadãos dos Emirados um padrão de vida equiparado ao dos ocidentais.
Entretanto, ecos do passado permanecem. Multidões ainda lotam corridas de camelos fora de Abu Dhabi, embora robôs tenham feito a montaria desde que o país proibiu crianças jóqueis em 2005, e os homens de Fujairah ainda colocam touro contra touro.
Recentemente, em uma sexta-feira à tarde, trailers carregando touros enormes chegaram ao terreno de terra perto da orla da cidade após as orações da tarde. Os lutadores tinham nomes como Assassino, Negrinho, Ardido, Dinamite e Euro, e eles berravam enquanto seus donos os levavam para perto do terreno e trocavam brincadeiras antes da luta.
- Este que você vê aqui é o mais forte no ringue. Esses chifres são as suas armas - disse Yazid al-Naimi, de 25 anos, apontando o queixo para Foguete, o touro valorizado da família, e erguendo as sobrancelhas.
Desde que a família comprou o touro há dois anos, Foguete tem cumprido uma programação de dieta e exercício de um lutador estimado, se alimentando de capim, milho, tâmaras e peixe seco e caminhando aproximadamente um quilômetro e meio por dia, às vezes na praia ou no mar para ter maior resistência, Naimi disse. Às vezes, ele vai nadar.
Outros proprietários relataram dietas semelhantes, embora todos tenham dito que é impossível ensinar um touro a lutar. Ou ele sabe, ou não sabe.
- Existem algumas pessoas que têm o instinto de se assustar e algumas que não - disse Salem Kalbani, o proprietário de Satanás. - É o mesmo com os touros - completou.
Nenhum prêmio é ganho por vencer, mas os proprietários fazem isso por outros motivos.
- É tudo uma questão de reputação. Se você ganhar, as pessoas falarão sobre a sua fazenda e dirão que ela tem os touros mais fortes - Kalbani disse.
Mas vencer também traz um tipo diferente de valor. Um touro comprado por 20,000 dólares pode ser vendido pelo dobro disso após uma vitória ou até pela metade após uma derrota.
- O seu bolso é quem mais perde se você for dono de um touro - disse Hassan Ali Hassan, de 58 anos, que vê as lutas, mas não possui nenhum touro. Pode-se comprar um touro por 13,000 dólares.
- E depois ele se fere ou perde uma luta e lá se vai a reputação dele e todo o seu dinheiro - complementa Hassan.
Quando os juízes tocaram a sirene para a primeira disputa, algumas centenas de espectadores sentados em cadeiras de plástico, ou no chão, observaram os dois touros serem conduzidos. Vendedores forneciam refrigerantes e batatas fritas à multidão. Não havia mulheres presentes.
Os tratadores tentaram fazer com que os touros se enfrentassem, mas um deles ficou se virando, assim os juízes declararam o seu oponente como vitorioso.
Os próximos touros entraram, se encararam e se empurraram com as testas. Um tratador bateu no traseiro do seu touro com uma vara, e o touro empurrou o seu adversário na diagonal, conquistando a vitória de acordo com os juízes.
Aproximadamente 60 touros foram registrados, e cada um teria uma luta. Lutas normais duravam dois minutos antes dos juízes pedirem tempo, e logo após, 12 homens em vestimentas brancas e descalços entravam para separar os touros. Depois os juízes escolhem o vencedor ou declaram um empate.
Não está claro por quanto tempo a tradição existe, embora alguns suspeitem de que ela tenha começado durante a colonização portuguesa da costa de Omã no século 16.
Os anciões de Fujairah assistiam as lutas enquanto cresciam, mas afirmam que a temporada era mais curta e os touros também trabalhavam, movendo rodas d'água usadas na irrigação - totalmente diferente do que é hoje.
- Nossos velhos touros costumavam trabalhar feito escravos durante o dia e depois eram usados como entretenimento. Atualmente, os touros são paparicados e vivem no luxo - afirmou Abdulrahman al-Sharif, de 60 anos, espectador e proprietário de touros.
Organizadores se lembraram de um touro que morreu em uma luta, mas disseram que foi há muitas décadas. Assim como foi a vez em que um espectador foi ferido e foi parar na UTI. Há alguns anos, a cidade cercou o terreno para proteger os espectadores, embora muitos se sentem do lado de dentro a fim de ficar mais perto da ação.
Os proprietários que querem aumentar o perfil dos touros - e o valor - podem desafiar os outros, que foi como Satanás acabou enfrentando Foguete no confronto especial de hoje.
A multidão gritou quando os chifres dos touros se chocaram, mas Foguete, de repente, se virou e fugiu, fazendo com que os espectadores pulassem das cadeiras aplaudindo o vencedor.
Enquanto os tratadores conduziam os touros para fora, houve uma briga na multidão, e homens correram para separar. Um organizador pegou o berrante e encerrou o evento, solicitando que todos fossem para casa.
Enquanto Kalbani conduzia Satanás de volta para o caminhão, ele disse que não havia maneira de saber o porquê de um touro ter derrotado o outro.
- Tudo está nos instintos - disse.
A derrota de Foguete criou uma crise entre os seus proprietários. Um dos irmãos disse que o touro era tão imprestável que deveria ser abatido e doado aos pobres. O pai sugeriu uma aposentadoria digna.
Naimi, que comprara o touro para lutar, se perguntava o que tinha dado errado. Teria sido o calor? Um golpe forte na cabeça em um ataque anterior?
- No final, são animais, e nunca se sabe o que esperar deles. Ninguém gosta de perdedores - disse encolhendo os ombros.