Desde que assumiu o governo, o presidente Mohammed Morsi enfrenta dificuldades com a queda no turismo e a crise econômica. Mas seu governo não tem se manifestado em relação a outro indicador importante que chegou ao nível mais alto dos últimos 20 anos: a taxa de natalidade.
Na verdade, as autoridades evitam discutir publicamente a respeito do aumento populacional e deixaram de lado as campanhas de conscientização do passado, indicando a forma como a liderança islamista decidiu abordar as políticas sociais no país mais populoso do mundo árabe.
Após duas décadas de declínio constante e pequenos crescimentos, a taxa de natalidade de 2012 chegou a 32 nascimentos para cada 1.000 habitantes - superando níveis registrados pela última vez em 1991, pouco antes de o governo de Hosni Mubarak expandir os programas de planejamento familiar e as campanhas públicas pela desaceleração do crescimento populacional, um dos fatores por trás do desenvolvimento econômico lento registrado no país.
No ano passado, houve 2,6 milhões de nascimentos, levando a população do país a um total de 84 milhões de pessoas, de acordo com dados preliminares do governo.
Morsi manteve o financiamento de programas de planejamento familiar, mas as autoridades de saúde adotaram uma visão completamente diferente em relação ao crescimento na taxa de natalidade, apresentando o problema como um caso de gestão econômica - não de tamanho da população.
Especialistas em população estão cada vez mais alarmados com o silêncio do governo e a falta de atenção ao caso.
- A taxa de natalidade é importante. Não é certo ignorar o problema da população - afirmou Hassan Zaky, demógrafo e professor da Universidade do Cairo e da Universidade Americana do Cairo - Antes havia uma política clara. Agora não sabemos para onde estamos indo. O Estado não esclarece sua visão.
Autoridades do governo culpam o caos do governo de transição pela falta de um discurso público unificado. Contudo, a mudança de prioridade reflete as velhas críticas islamistas às políticas populacionais de Mubarak.
Durante décadas, a Irmandade Muçulmana e os ultraconservadores se irritaram com as políticas de contracepção e os incentivos dados a famílias com no máximo dois filhos, componentes quase exclusivos da política pública do governo. Mubarak utilizava o planejamento familiar - uma imposição estrangeira - para mascarar as estratégias problemáticas do governo, segundo alguns islamistas.
- O verdadeiro problema é nosso, enquanto governo - afirmou Hamid al-Daly, deputado do partido ultraconservador Nour, além de membro do comitê de saúde do parlamento egípcio. - A população na China passa de um bilhão de pessoas, mas há uma boa gestão e o uso adequado dos recursos. A população é uma benção se for bem utilizada, mas uma praga se não soubermos como resolver a crise.
Muitos funcionários da saúde pública concordam que a abordagem de Mubarak, que era apoiada pelos doadores da comunidade internacional, nunca resolveu de verdade o problema. Contudo, eles afirmam que o silêncio do governo atual somente gera o risco de piorar a situação.
- Ninguém está dizendo que deveríamos nos concentrar apenas no planejamento familiar ou no desenvolvimento - afirmou Zaky - Precisamos de um misto, não queremos que o novo regime se concentre em apenas uma coisa.
Durante décadas, o crescimento da taxa de natalidade no Egito levou à superpopulação das cidades. Terras férteis à margem do Nilo deram lugar a novos prédios, à medida que os egípcios se acumulavam em torno da pequena parte do país que era considerada pelos planos de desenvolvimento do governo.
Os egípcios satirizaram seus líderes com provocações que ilustravam a crise: embora os presidentes estejam vestidos com roupas da última moda - sete de nós vivemos em apenas um quarto - dizia um refrão.
O papel formal do Estado no planejamento familiar teve início nos anos 1960, no governo do presidente Gamal Abdul Nasser. No fim dos anos 1970, a Agência Americana de Desenvolvimento Internacional passou a ser a principal apoiadora dos programas de planejamento familiar no Egito, investindo cerca de US$ 1,5 bilhão em programas de controle populacional e outros programas de saúde ao longo de várias décadas.
As iniciativas para controlar a taxa de natalidade se intensificaram após 1994, quando o Egito sediou uma conferência internacional sobre população e desenvolvimento. Milhares de clínicas primárias foram construídas em todo o país, fornecendo planejamento familiar e outros serviços de saúde considerados importantes para a queda no número de filhos por casal, além dos índices de mortalidade maternal e infantil.
As iniciativas públicas desse período incluíram propagandas na TV estatal e cartazes nas ruas do Cairo - com slogans como: "Antes de ter outro bebê, garanta suas necessidades".
A Dra. Nahla Abdel-Tawab, diretora egípcia da ONG Population Council, falou sobre os anos do governo Mubarak - O presidente costumava falar sobre o aumento da população. Esse assunto estava nos jornais e fazia parte dos discursos do primeiro-ministro.
Atualmente, o assunto desapareceu dos debates públicos. Profissionais da saúde afirmam que ficaram impressionados quando a Dra. Abeer Barakat, assistente do ministro da saúde e responsável pelo planejamento familiar no país, não falou explicitamente sobre programas de planejamento familiar e controle populacional ao descrever as prioridades do ministério da saúde durante uma conferência da ONU em dezembro do ano passado.
Barakat afirmou que estava apenas tentando equilibrar mais o debate sobre população e planejamento de forma a refletir as prioridades do novo governo.
- O que eles acharam chocante foi que falei sobre saúde familiar e sobre o planejamento como parte da saúde da família - afirmou.
Barakat, que fazia parte da ala política da Irmandade Muçulmana antes de entrar para o ministério da saúde, afirmou que buscava apenas acabar com o desequilíbrio na forma como o governo trata a saúde pública. Segundo ela, Mubarak só pensava em planejamento familiar, ignorando outras preocupações urgentes, como o câncer e a hepatite C.
Embora tenha dito que os programas de planejamento familiar continuarão a fazer parte da política de saúde, ela também afirmou que o governo não deve encorajar as famílias a limitarem o número de filhos.
- Estabelecer um limite vai contra a liberdade de reprodução e contra os direitos humanos - afirmou - Pessoas não são coelhos que devem parar de dar à luz. Afinal, a mão de obra é um bem poderoso.
A abordagem do novo governo é mais popular que a de Mubarak entre os membros de uma família do grande Cairo.
Mohamed Rabia Ali, um trabalhador da construção civil de 62 anos que vive com sete de seus familiares em um apartamento apertado, afirmou que Morsi poderia criar novas comunidades no deserto para diminuir a crise habitacional, concentrando-se na criação de mais empregos para os jovens. O governo não tem que dizer aos egípcios quantos filhos devem ter.
- O criador toma conta de suas criaturas - disse.
Mas por enquanto, grandes esquemas de desenvolvimento que poderiam diminuir a concentração populacional ficaram em segundo plano, uma vez que o governo em crise se concentra em manter as luzes acesas e a população alimentada.
- A principal preocupação é garantir alimento e segurança para a população - afirmou o Dr. Atef El Shitany, do Conselho Nacional da População, operado pelo governo. Como resultado, o comprometimento com questões populacionais "está diminuindo", segundo ele.
Enquanto isso, especialistas tentam determinar se os últimos picos no índice de natalidade representam uma mudança nas tendências de longo prazo no Egito, incluindo o declínio no número de filhos por casal. Contudo, eles estão trabalhando no escuro, já que a pesquisa demográfica mais ampla do Egito foi atrasada pelos levantes populares. A taxa de natalidade tinha começado a aumentar nos cinco últimos anos do governo de Mubarak, ao passo que o número de filhos por casal se manteve estável.
Os últimos picos populacionais podem representar uma mudança comportamental causada pela revolução - uma vez que as pessoas estão sob pressão - afirmou Hisham Makhlouf, professor de demografia na Universidade do Cairo.
- Essa é uma das teorias - afirmou - A outra é que isso esteja ocorrendo porque ninguém mais fala sobre o assunto como antes.