A primeira vez que o Talibã tentou matá-lo, Sulaiman estava a caminho da base quando seu caminhão foi atingido por um foguete, derrubando-o de um penhasco.
Os insurgentes conheciam o seu veículo, a placa e, o mais importante, a sua ocupação: intérprete de combate de alto valor para as tropas das Operações Especiais dos Estados Unidos no Afeganistão.
Eles o deixaram para morrer nesse ataque, em julho de 2011, mas ele escapou com uma clavícula e duas costelas quebradas e um novo sentido de cautela. Desde então, ele já sobreviveu a mais dois ataques.
O supervisor americano de Sulaiman não permite mais que ele viaje de carro quando deixa a base militar para visitar a família. Mas ninguém sente que isso é proteção o bastante, tendo em vista o prêmio que o Talibã oferece para matar afegãos que ajudam as forças americanas.
A sua melhor esperança é algo que permanece além do seu alcance, apesar dos anos de esforço: um visto americano.
Sulaiman é um dos milhares de afegãos que têm ajudado diretamente a missão militar ocidental aqui e estão aguardando retorno do Departamento Americano sobre os pedidos de vistos de imigração especial. No Iraque, medidas legislativas do congresso ajudaram milhares de iraquianos em risco saírem, mas os afegãos se encontram em uma situação mais difícil, com menos vistos e menos opções.
Agora, os atrasos estão aumentando. Diante da retirada americana a todo vapor e do fechamento das bases americanas no país, centenas de afegãos estão desempregados de repente, ficando sem a proteção militar apesar do risco de ataque do Talibã permanecer.
O perigo é especialmente real para aproximadamente oito mil intérpretes que trabalharam para os americanos. Embora ninguém registre os números da violência direcionada, a evidência verbal é sombria - dizem que pelo menos algumas pessoas são mortas mensalmente. Em fevereiro, dois intérpretes foram alvejados na província de Logar, ao sul de Cabul, a mesma província onde Sulaiman foi atacado pela primeira vez. Em dezembro, um intérprete trabalhando em Jalalabad foi escolhido quando voltava para casa de licença. O Talibã matou dois de seus irmãos no ataque.
Sulaiman, de 26 anos, que pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome para não pôr sua família em maior risco, é um dos relativamente sortudos. Ele ainda está empregado, e seus colegas militares americanos estão trabalhando duro para ajudá-lo.
Mas ele ainda está aguardando. Ele acredita que uma solicitação de visto de 2008 se perdeu no éter da burocracia. Uma segunda solicitação, do final de 2011, rendeu uma entrevista na embaixada no ano passado. No entanto, desde então, ele tem recebido respostas automáticas às suas súplicas. O Departamento de Estado se recusou a falar sobre o caso.
Vários dos seus colegas das Operações Especiais dispararam cartas implorando ao Departamento de Estado para expedir o seu pedido, acrescentando à pilha recomendações elogiando-o pelas habilidades e coragem.
- Se isto demorar demais, se houver um erro em algum lugar, ele e a sua família serão comprometidos - declarou seu atual supervisor, que falou anonimamente por razões de segurança - Sentimos como se víssemos o relógio parando nesse momento.
- Em minha opinião, a história no Afeganistão é uma repetição lamentável e feia do que está acontecendo no Iraque - afirmou Kirk W. Johnson, o fundador do Projeto Lista, uma organização que auxilia refugiados iraquianos a obter vistos para os Estados Unidos.
Milhares de candidatos afegãos são pegos no processo de aprovação que dura mais de dois anos. Até cinco mil candidatos estavam aguardando o início do processo no último outono.
O Departamento de Estado se recusou a comentar sobre o número de candidatos inscritos, sobre o atraso ou sobre qualquer fase do processo de aprovação do visto. Particularmente, alguns agentes afirmam que a divisão consular dobrou os recursos para aumentar a capacidade de processamento, embora isso não tenha sido informado ou confirmado oficialmente.
Para dar início ao processo, alguns legisladores dos Estados Unidos afirmam que, a partir de abril, planejam introduzir uma legislação para estender o calendário dos programas de visto no Iraque e no Afeganistão e para ampliar o grau de parentesco que pode acompanhar quem recebe o visto.
- A abrangência e a reforma desses programas são uma questão de segurança nacional, e esses programas representam uma ferramenta importante para as operações americanas no Afeganistão - segundo uma carta de março endereçada à Casa Branca e ao Departamento de Estado, assinada por 19 membros do Congresso.
Agentes do Departamento de Estado afirmam não dar prioridade para certas solicitações - tal medida seria difícil de aplicar com imparcialidade.
Mesmo assim, a situação de Sulaiman parece apresentar um caso claro de necessidade.
Ele trabalha com os americanos há 10 anos. Quando tinha 16 anos, chamou a atenção de uma equipe das Operações Especiais ao confrontá-los em inglês quando eles passavam pelo seu bairro. Entretidos, lhe perguntaram se ele queria um emprego. Ele começou o treinamento imediatamente.
Desde então, ele já trabalhou como intérprete de combate para as forças de coalizão em todas as províncias, com exceção de quatro, em todo o país, traduzindo estratégias de batalha para as forças afegãs no meio de combates, reuniões de alto nível com anciãos em aldeias disputadas, e outros trabalhos. Ele já esteve em mais de 300 missões, e suas ligações com as Forças Especiais o colocam em mais perigo do que a maioria dos intérpretes.
O emprego também lhe custou o sentido de identidade. Por ter passado a maior parte da adolescência nas bases militares, ele luta para se identificar com outros afegãos. À vezes, ele parece surpreendentemente americano: ele fala inglês com um sotaque levemente mediterrâneo e usa jaqueta de marca americana. Todos na base o chamam de Sam.
- Já passei mais tempo dentro da base com os americanos do que com a minha família - Sulaiman disse - Eu me sinto mais em casa na base.
A sua dedicação, afirmam os seus supervisores, nunca vacilou. Se conseguir ir para os Estados Unidos, ele espera servir o exército e frequentar a Escola das Forças Especiais.
- Eu poderia pedir ao Sam para fazer qualquer coisa amanhã, e ele nem piscaria - seu supervisor americano declarou.
Mas o desespero de Sulaiman está aumentando. Em dezembro, temendo outro ataque, ele enviou outro e-mail para a Embaixada Americana em Cabul. Nela, ele explicou que não pode ir para casa há meses por causa do risco para ele e sua família, e implorou a que a embaixada examinasse sua solicitação de visto novamente.
Uma resposta automática chegou em sua caixa de entrada algumas horas depois: sua solicitação precisa de mais processamento.
- Pessoas que acreditam estar em perigo em seu local de residência devem considerar deixar o local e se mudar para outro lugar seguro, dentro ou fora do país - dizia o e-mail.