Jayda al-Kanna, de 65 anos, trabalhava em sua cozinha em frente ao Banco Central Sírio, com um pano de prato ao redor do pescoço. No andar de baixo, crianças lotavam a escola primária Salim Bukhari, e estudantes mais velhos aprendiam desenho numa escola técnica no mesmo prédio.
Abruptamente, uma explosão balançou a rua, criando um buraco de 1,8 metros na parede da sala de estar de Kanna, estourando as janelas da escola sobre seus alunos e derrubando as portas. Carros, pedaços de corpos e vidros quebrados voaram pelo ar. Uma fumaça negra ondulou para cima.
O ataque, segundo testemunhas e autoridades do governo, foi o mais recente de dezenas de carros-bomba que assolaram os distritos comerciais e bairros sírios durante a guerra de dois anos no país. Mais uma vez, uma movimentada área comercial no centro foi transformada numa cena de terror e caos.
O governo sírio culpou seus oponentes pelo ataque, e declarou que pelo menos 15 pessoas morreram e 53 ficaram feridas.
A proliferação de carros-bomba pela Síria tem assustado e enfurecido muitos nos dois lados dessa batalha, tanto apoiadores do governo quanto seus opositores. O uso dessas armas poderosas e indiscriminadas - rejeitado por algumas facções rebeldes - vem minando o apoio pelo levante contra o presidente Bashar Assad, e deixou muitos sírios nervosos com o governo por não conseguir impedir os atentados.
Em Damasco, a capital da Síria, alguns moradores culpam os Estados Unidos e seus aliados, que apoiam a oposição, pelos problemas.
Meia hora após a explosão, uma professora de desenho, com a mão enfaixada, chorava ao caminhar em meio a manchas de sangue e móveis destruídos dentro do que restou da escola técnica.
- Eu ia abrir a porta, e ela caiu sobre mim - disse ela com voz trêmula, dando apenas o primeiro nome, Hanan - Muitos alunos ficaram feridos.
Um homem que estava com ela a impediu de falar mais, e gritou - Isso é a América, a Jordânia, o Qatar, a Arábia Saudita! Eles estão financiando essas pessoas que causam as explosões!
Em dezembro de 2011, quando carros-bomba começaram a atingir prédios de segurança do governo - e a matar civis inocentes -, partidários e opositores do governo viram as explosões como uma sinistra reviravolta no conflito.
Até então, o combate vinha basicamente colocando rebeldes com armas pequenas e bombas improvisadas contra o exército e as forças de segurança. Subitamente, porém, a capital síria estava testemunhando cenas que faziam lembrar da insurgência iraquiana. Postos militares e muros contra explosões foram erguidos por toda parte.
Alguns da oposição suspeitaram que o governo teria colocado as bombas para denegrir a revolta. Mas um grupo rebelde, a extremista Frente Nusra, começou a assumir a autoria de muitos dos ataques.
Isso levou a um dos primeiros sinais da divisão na oposição armada, entre aqueles que diziam estar se defendendo contra uma violenta repressão do governo e uma minoria que pedia um estado islâmico. E isso repeliu alguns ativistas civis, que então se distanciaram do movimento.
Hoje, a Frente Nusra tornou-se uma grande força no campo de batalha, liderando outros grupos rebeldes em combates mais tradicionais. Isso representa um dilema para os EUA, que apoiam a oposição mas rejeitam a Frente Nusra e a acusam de ligações com a al-Qaeda.
As bombas mataram sírios de todas as seitas e opiniões. Em novembro, um carro-bomba atingiu o bairro Mezze 86, em Damasco. Reportagens especularam que a região teria sido escolhida por incluir famílias de militares e membros da seita minoritária alauita, de Assad.
Essa caracterização enfureceu Salah, designer gráfico que mora ali. Entre os mortos, ele contou numa entrevista por e-mail, estavam sua esposa, Amal, e a filha de 7 anos, Hanan.
Salah, de 31 anos (e que forneceu apenas o primeiro nome), afirmou não ser apoiador de Assad, e tampouco um alauita - embora tenha enfatizado que atacar esses grupos não se justifique. A bomba o convenceu de que os rebeldes, apoiados pelo Ocidente, buscavam destruir a Síria porque seu exército é um dos poucos na região não "financiados, treinados e controlados pelos Estados Unidos", argumentou ele.
Em janeiro, uma série de carros-bomba matou dezenas de pessoas em Salamiyeh, cidade com um forte movimento não violento contra o governo. Em março, um homem-bomba atingiu uma mesquita, matando o xeique Mohammad Said Ramadan al-Buti, de 84 anos, o mais proeminente líder muçulmano da Síria e apoiador do governo.
O centro de Damasco permanece sob controle do governo e, no geral, tranquilo, embora rebeldes ocasionalmente o atinjam com disparos e bombas.
Recentemente, o primeiro-ministro da Síria, Wael Nader al-Halqi, caminhou pelos escombros em frente ao banco central e disse a repórteres que o atentado - que também danificou uma mesquita próxima - teria sido cometido por terroristas que "pretendem minar o Islã moderado e compassivo que é um pilar do povo sírio há séculos".
A bomba parece ter explodido no estacionamento do Banco Central, destruindo uma estrutura externa e estilhaçando as janelas de dois grandes edifícios comerciais.
Dentro do banco, funcionários presos espreitavam por janelas sem vidros, vendo carros pretos e destroçados, uma palmeira carbonizada e multidões de trabalhadores de emergência. Um menino pequeno passava de bicicleta em meio às ruínas.
Um taxista cujas janelas do carro foram estilhaçadas pela explosão disse ter visto um micro-ônibus, como os que são usados para transportar funcionários do governo, com um motorista solitário, passar pelo ponto de controle, entrar no estacionamento e explodir.
- As pessoas estavam apenas ali, trabalhando e levando sua vida cotidiana, e de repente aconteceu isso - afirmou o dono de uma loja de cortinas que teve as vitrines destruídas.
As pessoas se afastavam a pé, primeiro em silêncio, depois gritando em celulares. Um garoto se pendurava à perna do pai.
- Minha filha estava na escola, e eles atacaram a escola! gritou uma mulher com um lenço cor-de-rosa na cabeça. - Que Deus os leve!
Kanna, ainda com o pano de prato no pescoço, sentou-se sozinha em sua sala de jantar, onde um gato de porcelana permanecia ileso sobre um aparador. Ela se recusou a deixar o apartamento com os trabalhadores de emergência, embora a maioria de seus parentes esteja bem longe, nos Estados Unidos.
Ela contou ter o hábito de morder o dedo indicador quando assustada. Desta vez, disse ela com uma risada nervosa, "eu tirei sangue".