Dakar, Senegal - Assim como a Al-Qaeda costumava buscar refúgio nas montanhas de Tora Bora, os militantes islamistas atualmente em fuga no Mali estão se escondendo em sua própria paisagem ameaçadora, uma rochosa extensão do norte do país que se tornou símbolo dos contínuos desafios frente ao esforço internacional para estabilizar o Saara.
Expulsar os militantes islamistas de Timbuktu e outras cidades do norte do Mali, como os franceses fizeram rapidamente em janeiro, pode ter sido a parte fácil da retomada do Mali, segundo autoridades do exército, analistas e combatentes locais. Agora a atenção está voltada a uma das cadeias montanhosas mais inóspitas e menos conhecidas da África, o Adrar des Ifoghas.
O exército francês realizou ataques aéreos nessas montanhas, incluindo ataques a campos de treinamentos e depósitos de armas, disseram autoridades. Recentemente, uma coluna de soldados do Tchad, versados em guerra no deserto, deixou Kidal, uma diminuta e arenosa capital regional, para penetrar profundamente no Adrar, declarou um porta-voz dos combatentes tuaregues que os acompanharam.
- Essas montanhas são extremamente difíceis para exércitos estrangeiros - argumentou Backay Ag Hamed Ahmed, porta-voz do Movimento Nacional pela Libertação de Azawad, numa entrevista por telefone em Kidal. - O povo do Tchad não conhece os caminhos para atravessá-las.
Essa área de grutas e picos rochosos, antigo retiro para nômades tuaregues da região e mais recentemente para extremistas da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico, será o cenário da próxima fase do conflito malinês. Será o local onde os militantes islamistas serão finalmente derrotados, ou onde eles escaparão para lutar de novo, segundo analistas militares.
Forças especiais francesas possivelmente já estão em Adrar des Ifoghas, realizando reconhecimento e talvez preparando-se para operações de resgate de reféns franceses que estariam na região, afirmou o general Jean-Claude Allard, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas em Paris. Mas as forças africanas provavelmente receberão o grosso das operações de combate, indo "de poço a poço, de vila a vila", acrescentou Allard.
Os poucos ocidentais que viajaram por esta inacessível região beirando a Argélia dizem que ela difere do Afeganistão, já que as montanhas são relativamente modestas em tamanho. Mas suas duras condições as transformam numa vasta fortaleza natural, com inúmeros esconderijos.
- O terreno é amplo e complicado - afirmou o coronel Michel Goya, do Instituto de Pesquisa Estratégica da Academia Militar Francesa. - Ele exigirá tropas para selar a área, e então mais tropas para realizar ataques. Isso levará tempo.
O número de militantes que permanece ali é contestado, com estimativas variando de centenas a milhares. Eles estão ficando mais dispersos e mais bem escondidos, segundo oficiais militares ocidentais.
O exército francês está levando menos soldados à região ultimamente, "a partir do que eu deduzo ser uma falta de alvos", argumentou um adido militar ocidental em Bamako, capital do Mali, que não tinha autorização para falar oficialmente. - Eles apenas não estão encontrando os mesmos alvos. Claramente, os alvos estão se escondendo melhor e se dispersando de forma mais ampla.
Um alto oficial malinês postado na cidade nortista de Gao declarou: - Não sabemos quantos eles são. Eles aprenderam a se esconder onde os franceses não conseguem encontrá-los.
Os militantes são versados em táticas de sobrevivência nas montanhas, abastecendo-se com nômades errantes e obtendo água dos inúmeros poços e lagoas, afirmou Pierre Boilley, especialista na região da Universidade Sorbonne. Mesmo assim, as fontes de água são uma oportunidade para as forças francesas e tchadianas, já que podem ser monitoradas sem grande dificuldade.
- É como uma torre de observação na totalidade do Saara - disse Allard. Os combatentes tiveram anos para construir instalações, modificar cavernas e estocar alimentos, armas e combustível, continuou ele, e as localizações precisas de seus refúgios seguem um mistério.
Mesmo se a maioria dos militantes houver recuado para as montanhas, bolsões continuam existindo nas cidades libertas de Timbuktu e Gao, explicou um porta-voz do exército francês, o coronel Thierry Burkhard. Forças francesas patrulhando a área ao redor de Gao se envolveram em trocas de tiros com militantes, alguns dos quais atiraram foguetes, segundo oficiais.
- Estamos encontrando grupos jihadistas residuais ainda em combate - declarou Jean-Yves Le Drian, ministro da defesa da França.
Recentemente, um homem-bomba se explodiu num posto de checagem militar em Gao, ferindo um soldado - ato que ofereceu mais evidências da contínua ameaça dos militantes.
O ataque, de um insurgente com supostas ligações com os militantes que realizaram a recente tomada de reféns no campo de gás na Argélia, pode indicar a abertura de uma campanha contra as forças francesas e africanas, afirmou um alto funcionário da inteligência americana.
- Isso é o que eles vão fazer: bombas improvisadas e pequenos ataques -, disse a autoridade, que falou sob a condição de anonimato, referindo-se às bombas caseiras que marcaram as insurgências no Iraque e Afeganistão.
Com a França insistindo que sua presença no país será curta, mais atenção vem sendo focada nas deficiências do exército malinês e das tropas vindas dos países vizinhos.
Cerca de 2 mil soldados de países africanos vizinhos já chegaram, para eventualmente substituir as tropas francesas no Mali. Em Bamako, um oficial militar ocidental afirmou: -Existe uma diferença entre eles operarem num cenário sob controle francês ou num outro, onde os franceses já foram embora.
E os militantes tampouco foram completamente expulsos das cidades que a França alega ter libertado.
Em meio a temores de acertos violentos, autoridades de Gao transmitiram mensagens de rádio pedindo que os cidadãos delatem suspeitos às autoridades do estado, em vez de resolver os problemas por conta própria. Líderes comunitários, incluindo chefes locais, grupos da juventude e imãs, realizaram reuniões para desestimular atos de vingança.
Num episódio em 26 de janeiro, uma multidão cercava um militante - já bastante ferido - cujos camaradas haviam recentemente abandonado Gao, recordou Dani Sidi Toure, um dos moradores com intenção de vingança.
- Ele disse, 'Por favor, por amor a Alá, não me mate' - contou Toure. - Então eu peguei minha chave de fenda e a enfiei no pescoço dele.
Outros se juntaram ao ataque. - Quando tentei puxar a chave de fenda, o cabo saiu mas o metal continuou lá - continuou ele. - Um homem com um facão apareceu e acertou ele na cabeça. Ele caiu no chão, e outros vieram com pedaços de madeira e grandes pedras, e começaram a espancá-lo.
Segundo autoridades americanas monitorando a situação à distância, será difícil eliminar completamente da região os extremistas que controlavam o norte do Mali.
- De forma realista, provavelmente o melhor que conseguiremos será contenção e ruptura, de forma que a Al-Qaeda não consiga mais controlar o território - declarou em janeiro o general Carter F. Ham, chefe do Comando Africano no Pentágono, num discurso em Washington.
As autoridades estão investigando inúmeros outros supostos militantes, enquanto patrulhas de cidadãos circulam em busca de extremistas e seus aliados - que já chegaram a incluir os tuaregues.
The New York Times
Guerra no Mali segue para o Saara com fuga de islamistas
Antigo refúgio de extremistas da Al-Qaeda, cadeia montanhosa conhecida como Adrar des Ifoghas será o cenário da próxima fase do conflito malinês
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