Cidade da Guatemala - O menino voava como um avião, correndo de braços abertos pelos corredores do hotel. Então, pulou feito um super-herói, radiante como as luzes vermelhas que piscavam após cada passo de seus novos tênis, enquanto o casal americano que o acompanhava caía na gargalhada.
O menino os chamava de "mama" e "papi". Os americanos o chamavam de "hijo" - filho em espanhol. Ele corrigia os erros de espanhol do casal, que o ensinava a falar inglês. "In-crí-vel", repetiu devagar, olhando para os novos tênis.
Para quem vê de fora, os três parecem uma família. Mas Geovany Archilla Rodas, um endiabrado menino de 6 anos com cabelos pretos espetados, vive em um orfanato nos arredores da capital. Os americanos - Amy e Rob Carr, de Reno, Nevada - vivem muito longe dali, mas são os únicos pais que Geovany conheceu.
Amy e Rob o visitam duas vezes ao ano desde que o menino era só um bebê, viajando para a América Central por alguns dias para comprar roupas novas, ler histórias, limpar as lágrimas e fazer cócegas até que Geovany caia de tanto rir no hotel ou no orfanato.
Meia década depois de assinarem os papéis da adoção, os Carr não fazem ideia de quando - ou se - poderão levar Geovany para casa.
- Temos uma esperança persistente - afirmou Amy Carr, que chegou à Guatemala em novembro acompanhada do marido e mais determinada que nunca a vencer a burocracia do país. - Geovany é minha paixão, é o meu filho.
A família Carr está entre os 4 mil americanos que tiveram a vida interrompida pela suspensão do programa de adoções internacionais de Guatemala em janeiro de 2008, após graves acusações de corrupção e tráfico de crianças. Na época, autoridades de Washington e da Guatemala prometeram que os casos restantes seriam resolvidos imediatamente.
Mas as partes envolvidas afirmam que atrasos burocráticos, investigações demoradas e trabalhos retardados pela falta de pessoal e de recursos deixaram centenas de crianças presas aos orfanatos durante todos esses anos. Atualmente, 150 crianças - incluindo Geovany - ainda estão esperando em orfanatos ou em lares provisórios enquanto as autoridades guatemaltecas decidem se aprovarão os pedidos de adoção das famílias americanas.
Esse problema não é exclusivo da Guatemala. Preocupações com fraudes - incluindo acusações de sequestro e venda de bebês - suspenderam as adoções durante meses e até mesmo anos na Etiópia, no Quirguistão, no Vietnã e no Haiti. Segundo relatos oficiais, o Departamento de Estado se nega a aprovar adoções do Camboja e do Vietnã para pressionar os países a adotarem mecanismos de proteção para impedir que crianças com boas condições financeiras sejam enviadas para fora do país.
Mas o problema do atraso nas adoções é especialmente grave na Guatemala, um país de 14 milhões de habitantes que ficou atrás apenas da China em número de crianças enviadas aos Estados Unidos em 2007.
As autoridades do país passam meses - e até anos - tentando descobrir quais processos de adoção são legítimos e quais são fraudulentos e muitos casais entram em desespero enquanto os filhos que desejavam adotar dão os primeiros passos e falam as primeiras palavras longe das famílias adotivas, depois de pintarem quartinhos, fazerem chás de bebê e comprarem berços novinhos.
Segundo as autoridades, ao encararem um processo aparentemente interminável, dezenas de potenciais pais adotivos desistiram de adotar os filhos que já consideravam seus.
Autoridades guatemaltecas afirmam que sua intenção nunca foi deixar as crianças dentro de instituições por tanto tempo e dizem que precisaram investigar todos os casos - alguns dos quais chegam cheios de inconsistências, documentos falsos e histórias duvidosas - para garantir que as crianças não tenham sido compradas ou roubadas de mulheres pobres da área rural.
- Essas pessoas são muito vulneráveis e é muito fácil tirar vantagem delas - afirmou Elizabeth Orrego de Llerena, diretora chefe do Conselho Nacional de Adoção, que processa os casos de adoção após serem aprovados os pelo órgão de investigação do bem-estar infantil. - Às vezes eles não têm a oportunidade de fazer uma reclamação ou de buscar soluções.
Orrego de Llerena afirmou que as investigações geralmente incluem buscas por parentes de sangue, com o objetivo de garantir que as crianças tenham sido entregues voluntariamente.
- É por isso que, às vezes, o processo anda mais devagar - afirmou Orrego de Llerena, que acrescentou que seu escritório está comprometido a encontrar famílias permanentes para essas crianças o mais rapidamente possível.
Autoridades americanas afirmam que o processo demorou o suficiente, destacando que foram publicados anúncios em jornais locais, procurando os pais biológicos de algumas dessas crianças, encorajando famílias a relatarem o desaparecimento de seus filhos e promovendo a adoção no próprio país.
Além disso, acrescentaram que anomalias em relatórios de casos frequentemente refletem situações familiares complexas, não corrupção, apontando para casos em que adolescentes solteiras e vítimas de estupro e incesto mentiram a respeito de sua identidade ou pediram que outras pessoas entregassem os bebês para protegerem a si mesmas e a suas famílias da vergonha.
Os americanos dizem que muitos juízes e autoridades de assistência à infância na Guatemala deixaram de aprovar os casos por medo de uma maior fiscalização e de processos por parte do governo, não porque as crianças não poderiam ser adotadas.
- Acho que essas investigações foram longe demais - afirmou Susan Jacobs, conselheira especial de assuntos infantis do Departamento de Estado, que já foi à Guatemala quatro vezes para tentar resolver o problema.
- Se, depois de tanto tempo, ninguém veio a público para dizer que deseja colocar essas crianças em um lar, pelo menos os compromissos antigos devem ser honrados - afirmou Jacobs. - Eles precisam se decidir. Não adianta deixar essas crianças para sempre em instituições. É errado fazer isso com elas.
Desesperadas por uma solução, as potenciais famílias adotivas criaram sites e páginas no Facebook para chamar atenção a sua causa, fazendo caras visitas à Guatemala para manter os frágeis contatos com seus filhos e filhas distantes, implorando para que legisladores e autoridades governamentais os ajudem. Seu principal defensor é a senadora Mary L. Landrieu, democrata da Louisiana, que insiste com as autoridades dos Estados Unidos e da Guatemala para que concentrem na situação das famílias e das crianças.
- Os processos prolongados não se justificam, nem são necessários - afirmou Landrieu.
O diretor dos Serviços de Imigração e Cidadania dos Estados Unidos, Alejandro Mayorkas, viajou para a Guatemala para tentar resolver o impasse. Potenciais pais adotivos esperam que um acordo assinado entre autoridades da Guatemala e dos Estados Unidos acelere o processo dos casos que ainda estão abertos.
Entretanto, até o momento, apenas cinco adoções foram concretizadas este ano. Mais de 100 casos continuam abertos, incluindo o de Geovany, sem que qualquer prazo tenha sido acertado.
The New York Times
Paralisação em adoções prejudica famílias e crianças na Guatemala
Atrasos burocráticos e trabalhos retardados por falta de pessoal e de recursos deixam centenas de crianças presas aos orfanatos
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