É aquela velha história: existe uma conta vencida, mas ninguém quer ajudar a pagá-la. Pode ser resumido assim o que acontece em Doha, no Catar, onde as Nações Unidas têm até sexta-feira para detalhar a prorrogação do Protocolo de Kyoto, criado para obrigar os países a frearem a poluição na atmosfera. Os negociadores da COP-18 correm contra o tempo para firmar medidas concretas, mas pesquisadores mostram que os compromissos passados ficaram no papel e que é preciso ir além para evitar o aumento drástico na temperatura da Terra.
Enchentes, furacões, calor extremo e outros fenômenos climáticos nada agradáveis. Prepare-se: cada vez mais, eles virão para ficar. Será porque os governos das nações ricas e em desenvolvimento insistem em não chegar a um acordo efetivo para frear as emissões de dióxido de carbono - produto da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento. Enredados em desculpas políticas e econômicas, os países agora correm o risco de não renovar o Protocolo de Kyoto, pacto criado para diminuir a poluição e que se encerra no final deste ano. A discussão do momento ocorre na COP-18, conferência das Nações Unidas com fim na sexta-feira, em Doha, no Catar.
O jogo de empurra ocorre logo na semana em que foram divulgados dados alarmantes sobre as emissões no planeta. Segundo o Global Carbon Project, da Universidade de East Anglia, na Grã-Bretanha, desde 1990 houve 58% de aumento no volume de combustíveis fósseis na atmosfera - e 2012 deverá registrar novo recorde, com 35,6 bilhões de toneladas.
Ou seja: parece improvável cumprir o objetivo de restringir em 2ºC o aumento da temperatura global até 2050. Até porque, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, seria preciso atingir, em 2050, redução de 80% nos gases de efeito estufa.
- Como as emissões seguem crescendo, é como se ninguém escutasse a comunidade científica - afirma a responsável pela publicação do Global Carbon Project, Corine Lé Quéré.
Crise bloqueia investimentos
O desabafo da cientista à imprensa internacional ecoa no Greenpeace. Diretor de Políticas Públicas do órgão no Brasil, Sérgio Leitão cita fenômenos climáticos cada vez mais frequentes - o devastador furacão Sandy, nos EUA, e as secas e chuvas no Brasil. Os prejuízos materiais custam dinheiro, ponto que trava qualquer negociação.
Conforme o professor Pedro Paulo Funari, especialista em Relações Internacionais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a crise econômica envolvendo Estados Unidos e União Europeia bloqueia investimentos em matrizes energéticas renováveis. Como os mais ricos não querem gastar com sustentabilidade, os países em desenvolvimento se sentem no direito de fazer o mesmo. Basta ver o exemplo da China, locomotiva movida a carbono, maior responsável pelo salto de emissões deste ano.
- Investimentos em fontes alternativas têm de ser atrativos - diz Funari.
Por isso, ele é realista ao acreditar em fracasso na COP-18. Só vê perspectivas de mudanças em um prazo de cinco a 10 anos se a situação econômica mundial melhorar. Sérgio Leitão, do Greenpeace Brasil, acha possível avançar em curto prazo se houver uma conscientização quanto à divisão de responsabilidades. Para ele, falta "senso de urgência" ao Brasil.
- O Brasil tem responsabilidade pelo desmatamento e passará a ter pela energia - opina.
Culpados à parte, a única certeza é de que todos pagarão a conta de um clima cada vez mais severo.
"Não façamos ilusões", diz ONU
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lembrou na terça-feira aos 190 países presentes nas negociações sobre o aquecimento global, em Doha, da "crise" climática. Pediu-lhes um compromisso para um acordo sobre a extensão do Protocolo de Kyoto.
Às equipes que negociam na COP-18 desde o dia 26, somaram-se na terça ministros do Meio Ambiente, da Energia e Relações Exteriores.
- Não façamos ilusões. As emissões de gases de efeito estufa alcançaram um nível recorde. Nós, coletivamente, somos o problema - discursou Ban Ki-Moon.
Preocupado com o impasse nas conversas, o presidente da convenção, Abdullah Bin Hamad Al Attiyah, pediu ao Brasil e à Noruega que tentem encaminhar avanços para a extensão de Kyoto, que se encerra no final do ano. O pacto obriga os países signatários a reduzirem suas emissões de gases de efeito estufa. Mas os compromissos da União Europeia e da Austrália representam apenas 15% das emissões globais de gases de efeito estufa, porque Japão, Rússia e Canadá desistiram, e os EUA sequer reconheceram o pacto.
Muitos países insistem que Kyoto 2 deve durar cinco anos, e não oito, como quer a União Europeia, para não manter vigentes por tempo demais metas de redução de emissões que consideram muito modestas. O compromisso que agora expira previa 5,2% de queda entre 2008 e 2012.
Em outra ponta, os países em desenvolvimento pedem US$ 60 bilhões até 2015 para financiar a transição entre a ajuda de emergência e a promessa de US$ 100 bilhões anuais antes de 2020. Ban Ki-moon quer ajuda a médio prazo antes de 2015 e US$ 100 bilhões para o Fundo Verde.
União Europeia e os EUA se negaram a ajudar. A Grã-Bretanha, ao contrário, desbloqueará US$ 2,8 bilhões em 2014 e 2015.
Cúpula do clima
Em debate, como salvar o planeta
Divergências e crise dificultam acordo sobre o combate ao aquecimento global
GZH faz parte do The Trust Project