Leicester, Inglaterra - O rei Ricardo III é o mais odiado dos monarcas ingleses há mais de 500 anos. Mas uma descoberta arqueológica impressionante feita em setembro, aqui nas Midlands inglesas - um esqueleto que os especialistas em Idade Média acreditam que muito provavelmente é de Ricardo - pode levar a uma reavaliação do seu reinado breve, mas violento.
Se 12 semanas de testes de DNA e isótopos confirmarem que os restos encontrados entre as ruínas de um antigo convento são do rei do século XV, aqueles que acreditam que Ricardo foi vítima de uma campanha de difamação - propagada pelos monarcas da dinastia Tudor que o sucederam e profundamente arraigada na consciência popular britânica ao longo dos séculos - esperam que a renovação dessa atenção estimule pesquisas que reparem a injustiça que eles dizem ter sido feita com a sua reputação.
Tal debate tem se intensificado com uma intensidade irregular desde pelo menos o fim do século XVIII, tendo como motivação a seguinte questão: Ricardo era o vilão que seus detratores oportunamente o fizeram parecer, ou era, como os seus apoiadores afirmam, um rei justo, duro de maneiras compatíveis com a sua época, implacável, mas autor de medidas inovadoras para ajudar os pobres, ampliar a proteção a criminosos suspeitos e aliviar a proibição da impressão e venda de livros?
A versão que prevaleceu desde a sua morte, inicialmente alimentada pelos Tudor para consolidar a sua legitimidade, caracterizou os 26 meses que Ricardo permaneceu no trono como um dos mais períodos mais cruéis da Inglaterra, cujos excessos seriam demonstrados pelo seu suposto papel no assassinato de dois jovens príncipes - seus próprios sobrinhos - na Torre de Londres, que ele teria cometido para se livrar de possíveis rivais.
No "Ricardo III" de Shakespeare, e em filmes nele inspirados, ele é retratado como um corcunda terrível e calculista, cuja morte, aos 32 anos, deu fim à Guerra das Rosas, a mais de três séculos da dinastia Plantageneta no poder e à Idade Média inglesa, mostrando ser um prelúdio para os triunfos dos Tudor e dos Elisabetanos.
Nem a respeito do lugar do enterro de Ricardo se tinha certeza, uma ignomínia considerada adequada pelos sucessores da dinastia Tudor cujo domínio foi consolidado quando Ricardo morreu - com um golpe de alabarda, de acordo com testemunhas - na Batalha do Campo de Bosworth, em 1485, sendo em seguida amarrado, nu, a um cavalo para dois dias de exibição pública em Leicester, a aproximadamente 161 quilômetros ao norte de Londres.
Ao longo do século seguinte, as bases do Estado moderno britânico foram estabelecidas por Henrique VIII, filho do vencedor da Batalha de Bosworth, Henrique VII, e pela filha de Henrique VIII, Elizabeth I. Foi durante seu reinado que cronistas leais aos novos governantes fabricaram um lugar miserável para Ricardo na história.
As coisas permaneceram assim até aproximadamente poucas semanas atrás, quando uma arqueóloga da Universidade de Leicester, trabalhando em uma vala localizada em um estacionamento, descobriu o que talvez seja uma das mais notáveis descobertas da arqueologia britânica moderna. A julgar pelo clamor que acompanhou a descoberta na Grã-Bretanha, ela pode motivar pedidos de que Ricardo seja enterrado, como outros reis britânicos, em um lugar de honra como a Abadia de Westminster.
A arqueóloga, Jo Appleby, observou características específicas que apontavam fortemente para Ricardo: a coluna deformada, o que ela descreveu como um golpe letal dado em um campo de batalha na parte de trás do crânio, atingida por um instrumento de lâmina, além da ponta de uma flecha de metal farpado encontrada entre duas vértebras superiores.
Os restos mortais foram enterrados no coro, uma área da igreja do convento onde os monges franciscanos possivelmente ficavam sentados durante as cerimônias, perto do altar. O coro seria o local onde Ricardo havia sido enterrado, segundo alega um dos mais verossímeis relatos da época.
Essa ideia, no entanto, mostrou-se discutível quando Henrique VIII tomou e saqueou os mosteiros em 1538, deixando priorados como o Greyfriars se desmoronarem em escombros, até tal ponto em que séculos mais tarde ninguém tinha nenhuma certeza quanto ao local onde eles ficavam antes.
Isso deixou aos arqueólogos a tarefa de descobrir, usando um radar de penetração terrestre, onde tinha sido o convento. A grande revelação veio à tona quando se descobriu que o local não estava sob um banco do século XIX, onde lendas locais e pesquisadores haviam afirmado que ele estava, mas em um lugar bem mais acessível: sob um estacionamento do outro lado da rua.
Poucos dias depois de iniciar a escavação, a equipe localizou os restos mortais, que Appleby e seus colegas, mais tarde, transferiram meticulosamente para um laboratório em Leicester cujo nome os parceiros da escavação - a universidade, as autoridades da cidade e a Sociedade Ricardo III, dedicada a revisar o veredito da história sobre o rei - não quiseram revelar.
Muito depende agora da investigação laboratorial, especialmente da realização de testes de DNA sobre o material genético dos restos mortais, que serão comparados com os testes do marceneiro Michael Ibsen, de Londres, cuja mãe era sobrinha de décima-sexta geração do Rei Ricardo. Outros testes envolvem a datação por carbono para identificar a idade da ossada e da ponta da flecha, além da análise de isótopos, o que pode determinar onde viveu um indivíduo durante seus primeiros anos. No caso de Ricardo, esse local seria o Castelo Fotheringhay, em Northamptonshire, não muito longe de Leicester.
Os envolvidos na escavação de Leicester dizem que os testes científicos, como muitos dos feitos ligados a esse empreendimento, são um "tiro no escuro". Testes de DNA, dizem eles, podem ser anulados por mutações genéticas que ocorreram ao longo de gerações. Por essa e outras razões, dizem eles, um resultado negativo para o DNA não provaria, em definitivo, que os ossos não são de Ricardo.
Mathew Morris, arqueólogo que trabalhava com Appleby quando o esqueleto foi encontrado, foi cauteloso ao falar da descoberta:
The New York Times
Descoberta de ossada recoloca reputação de Ricardo III em discussão
Restos encontrados entre as ruínas de um antigo convento pode levar a uma reavaliação sobre o reinado do monarca inglês mais odiado dos últimos séculos
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