Diretor do centro europeu do fundo Carnegie para a paz internacional, Jan Techau comemorou a escolha do comitê organizador do Nobel como forma de relembrar os europeus dos benefícios que a integração produz no dia a dia. Para Techau, um dos mais proeminentes experts em integração europeia e política externa, a União Europeia corre sérios riscos de ver suas conquistas se desintegrarem com o descompasso entre economia e política.
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Zero Hora - Foi uma surpresa o anúncio?
Jan Techau - Sim, foi uma grande surpresa. Não compartilho nada do criticismo à escolha que vi em algumas repercussões por duas razões: é um reconhecimento do valor histórico do processo de integração. E a União Europeia, ao lado da Otan, é um segundo pilar de criação de uma Europa pacificada que conhecemos agora. Não há precedentes na história este tipo de conquista. Há uma mensagem política deste prêmio, que é uma mensagem aos europeus, para que ajam juntos na crise para apoiá-los, dar a eles um impulso de memória para que também se lembrem de que fazem parte de um projeto valioso, que vale a pena ser protegido. As críticas são baseadas em uma fotografia atual débil, que se esquece do que realmente significa a UE. Foi uma decisão certa no momento certo.
ZH -A crise coloca em risco todos as conquistas históricas?
Techau - Sozinha, a crise não pode destruir tudo que a União Europeia alcançou, mas pode prejudicar terrivelmente o projeto e pode fazer descarrilhar alguns dos grandes mecanismos e das grandes instituições que foram criadas. Há um risco de minar a singularidade do que se criou por conta da crise. Não diria que isto ocorreria da noite para o dia, mas a União Europeia está testando seus valores, estamos atravessando um desafio sem precedentes, mas nós temos sim os mecanismos para lidar com isso. Ao contrário de qualquer outra região no mundo, nós temos uma arquitetura de ligação na qual podemos lidar com estes problemas. Não acho que a UE pode se destruir de uma hora para outra, mas se não lidarmos bem, podemos terminar parecendo muito tolos.
ZH - De que forma esta arquitetura está sendo conduzida?
Techau - Os mecanismos que eu me referia são os tratados europeus e as instituições estabelecidas nas quais os 27 países estão ligados, com um número de exceções aqui e ali. Há um maquinário que pode resolver problemas de forma pacífica. Com frequência é repleto de falhas, às vezes produz resultados pouco satisfatórios, mas de forma geral, o mecanismo é muito melhor do que os túmulos nos quais centenas de milhares de pessoas morreram nas guerras mundiais. O processo de integração cumpre muito bem o seu papel com a regulação do mercado, as questões comercias, a proteção dos consumidores. Proporciona liberdades às pessoas, permite o fluxo financeiro acontecer, a livre circulação de mercadorias, serve como lembrete permanente às nações para fazerem seu tema de casa, que frequentemente eles não fazem. Tudo isso está indo muito bem. O que não está indo bem é o nível político acima de tudo isso. Agora que temos esta integração profunda, mais integração deve vir. Não se pode falar de política comercial ou moeda única sem falar sobre política orçamentária, que não estamos fazendo no momento. Ou sem falar de políticas fiscais. Há um descompasso entre a integração econômica e o processo de integração política. A crise é prioritariamente esse descompasso. Não é prioritariamente uma questão econômica, não é sobre o Euro. Algumas pessoas argumentam que, se há este descompasso, então devemos ter menos Europa. Outros dizem que precisamos mais Europa, mais integração. São as duas visões opostas que estão se chocando no momento, mas estes choques ocorrem entre instituições, em um senso de pertencimento comum e esta é a principal conquista que temos.
ZH - As medidas de austeridades podem ficar ultrapassadas ou serão aprofundadas?
Techau - É o nosso presente. Os europeus têm de se acostumar que. não só os países que já estão em crise que precisam mudar, mas também Alemanha, França, incluindo a Grã-Bretanha. Todos têm gastado em demasia, basicamente fora de controle, nos últimos 40 anos, e acumularam um enorme dívida. O Estado de Bem-Estar social, que atingiu muitos avanços, tornou-se insustentável, não apenas porque a Europa não está crescendo tão rapidamente como deveria, mas também por conta das mudanças demográficas. Os alemães precisam economizar, os franceses estão aprendendo em meio a uma grande crise política a economizar. A Grã-Bretanha também está em meio a isso. Este é o destino da Europa, de um jeito ou de outro.
ZH- O quanto já foi afetado o Estado de bem-estar social europeu?
Techau - Sim, está em problema, mas é chave para entender o debate no momento. Não está em risco por conta das medidas de austeridade. O que coloca em risco é o gasto em demasia por mais de uma geração. O sistema de bem estar social já estava com problemas antes da crise e porque a crise criou escassez de dinheiro e interrompeu os fluxos de capital se tornou muito visível para todos que o sistema não pode continuar da mesma maneira.
ZH - O que os europeus esqueceram?
Techau - Esqueceram do grande benefício que a integração produz no dia a dia. Eles olham a crise, esta debilidade, e pensam que isto é a União Europeia. Mas a União Europeia é muito mais do que crise. É fácil esquecer o que é a União Europeia quando se está em meio a uma crise e todas as notícias são ruins.
ZH - Há um sentimento na população de que a União Europeia está morrendo?
Techau - Quando se olha às pesquisas de opinião, o sentimento geral de que a União Europeia é algo bom é ainda muito forte. As críticas estão crescendo cada vez mai. Podem haver críticas por um longo tempo, mas não necessariamente as pessoas irão votar pelo fim da União Europeia.