Polêmico por não ter medo de defender a evolução dos costumes e ponderado ao medir as palavras e evitar dissabores com o Vaticano, o teólogo espanhol Marciano Vidal está em Porto Alegre para predicar sua fé impregnada de lógica.
Vidal, que é padre, participa de hoje até sexta-feira, na PUCRS, de um congresso cujo nome parece um tuíte a seu respeito: "Alegrias e Esperanças, Tristezas e Angústias: Ética em Mudança de Época".
Antes de se iniciar o evento, ele recebeu Zero Hora na sede da congregação redentorista em Porto Alegre e falou sobre temas espinhosos. Exemplos: disse que Deus ama a todos da mesma forma, independentemente da sua condição sexual. Recomendou que o Direito Canônico tome distância de julgamentos sobre o aborto em casos escabrosos - como o estupro. E, por fim, pediu que a Igreja Católica acompanhe os novos tempos para não perder fiéis. Basicamente, definiu-se como "um teólogo aberto às novas situações, estando seguro de que todos os problemas que há no mundo têm soluções que podem fazer as pessoas felizes".
Vidal é professor da Universidade Pontifícia Camillas (Madri) e, como convidado, da Academia Alfonsiana (Roma). Seu nome está unido ao movimento "renovação da ética teológica". Na Argentina, em fevereiro, por orientação do Vaticano, seu livro Sexualidade e Condição Homossexual na Moral Cristã foi retirado das bancas. Em 2001, recebera uma notificação da Santa Sé com advertência a respeito do tipo de pregação que vinha realizando - e que incomoda os mais conservadores.
- Pessoas que vivem em sociedade, têm convivência e realizam as exigências da sociedade devem ser reconhecidas como são - começou, genericamente, ao falar sobre homossexuais.
Até que foi direto ao ponto que tanto incômodo já lhe trouxe:
- Deus ama da mesma forma uma ou outra pessoa, tenha ela a condição homossexual ou heterossexual.
Ao discorrer sobre suas convicções, Vidal atribui à lentidão da Igreja no acompanhamento das "novas situações" um dos motivos para a perda de fiéis. Principalmente porque, segundo ele, não oferece soluções.
A respeito do aborto, quando fala, Vidal evita o discurso moralista e trata o tema como sendo de saúde pública.
- Precisamos ter sempre em conta a verdade. Construir algo, uma religião, sobre uma falsidade, o não científico, é construir sobre areia. Sempre deve aparecer a verdade. Ou seja, a ciência - disse, fazendo a ressalva de que a ciência precisa estar "impregnada de valores".
E ele não deixa de falar no Brasil.
- O Brasil era uma igreja superaberta. Na época de João Paulo II, começou a modificar peças, bispos. Acabou tento um dos episcopados mais conservadores do mundo. Dou graças a Deus que essas coisas começam a mudar.
A pergunta se torna obrigatória: esse conservadorismo brasileiro abriu caminho para as igrejas evangélicas?
- As seitas? Sem dúvida. É um problema o que existe nas igrejas latino-americanas, com as seitas. São coisas que não ocorrem na Europa, onde o problema são as pessoas que não creem, que não querem saber de religiões.
Vidal lamenta o cerceamento às Comunidades Eclesiais de Base (CEB). Arrisca-se a dizer que, caso elas tivessem recebido incentivo nos anos 1970 e 1980, a Igreja Católica não perderia tanto espaço no Brasil. Motivo: as CEB mantinham conexão com problemas sociais e focavam a realidade das pessoas. Provocado, ele diz: a culpa foi da ditadura militar, responsável, então, pelo crescimentos das "seitas", com a cooperação dos Estados Unidos. Mas como tais grupos cresceram?
- As seitas satisfazem as necessidades das pessoas - resume ele.