Abu Moayed, um dos comandantes da brigada da oposição síria, parou e gesticulou os braços enfaticamente para os outros comandantes rebeldes que enchiam a sala abafada.
Ele disse que seus combatentes precisavam de dinheiro e armas, mas não estavam recebendo o apoio prometido pelos doadores e líderes da oposição de fora da Síria.
"Nós estamos pegando dinheiro emprestado para alimentar os feridos", gritou Moayed. "Não existe distribuição de armas. Nós estamos pagando por todos os armamentos."
A reunião dos comandantes rebeldes, realizada após a oração de sexta-feira nesta cidade turca vizinha à fronteira norte da Síria, diz muita coisa acerca das prioridades dos grupos combatentes da oposição síria neste estágio do conflito. Houve uma discussão limitada das matanças em massa no vilarejo de Tremseh, no dia anterior, embora os comandantes tenham ouvido falar dele e pelos menos um tenha perdido parentes. Não se falou nos monitores do cessar-fogo das Nações Unidas, no enviado de paz, Kofi Annan, ou nos infindáveis debates do Conselho de Segurança para deter o conflito. Os comandantes estavam concentrados nas questões básicas de como fazer guerra contra o presidente Bashar Assad.
Moayed, de Idlib, era um das dezenas de comandantes que participaram do encontro, convocado pelo Conselho do Comando Revolucionário de Idlib. Realizada bem acima da rua em duas grandes salas de um prédio de apartamentos, a reunião retratou tanto um grau de expansão da coordenação entre os grupos combatendo Assad dentro da Síria quanto suas frustrações com a liderança oposicionista no exterior.
Uma reclamação constante era de que o Conselho Nacional Sírio, a coalizão de grupos opositores no exílio, com sede em Istambul, estava desconectado da realidade das batalhas. Outra era a suspeita dos comandantes de campo de que membros não citados da oposição política síria na Turquia estariam desviando fundos ou privilegiando favoritos ao encaminhar armas e dinheiro pela fronteira.
"Ontem, deveríamos ter recebido morteiros e cartuchos", disse outro comandante, Issam Afara, aos colegas. "Porém, não os recebemos. Eu liguei e cobrei: onde eles estão? Onde?"
Desde o fim da primavera no Hemisfério Norte, a guerra em regiões da Síria entrou num impasse sangrento pontuado por dias de violência intensa, como as matanças em massa ocorridas em julho, em Tremseh, povoado sunita na Síria ocidental, onde os ativistas estimavam que mais de cem pessoas tenham sido mortas, supostamente por forças armadas sírias usando helicópteros e armas pesadas.
A indignação internacional com essas mortes que, segundo o governo sírio, são obra dos rebeldes, deu um novo tom de urgência aos esforços diplomáticos para resolver o conflito sírio no Conselho de Segurança. Contudo, aqui, a diplomacia parecia um mundo à parte e, possivelmente, tardio demais, quando visto pelo prisma dos combatentes contra Assad, que repeliram boa parte das forças militares sírias de certas zonas rurais nas montanhas do norte, criando áreas pequenas e estáveis agora na prática sob seu controle, embora essas regiões ainda enfrentem bombardeios e ataques aéreos dos militares de Assad.
Como conquistaram sucesso tático, os grupos que combatem Assad, antes clandestinos, agora enfrentam um problema comum entre levantes armados.
Segundo os combatentes, pelo menos 80 grupos diferentes atuam somente em Idlib, a maioria dos quais começaram como pequenas redes pessoais ou grupos de desertores do exército que, desde então, cresceram.
Os grupos dividem os mesmos nomes e muitas vezes agem nas mesmas áreas. E como acrescentaram integrantes e buscaram mais armas e apoio externo, alguns deles se viram competindo por recursos e frustrados com sírios que reivindicam posições de liderança na oposição e não combatem, mas desembolsam fundos que diversos grupos belicosos afirmam não receber.
Afara, por exemplo, afirmou que o dinheiro repassado pela Irmandade Muçulmana não foi dividido com grupos vistos como seculares, provocando a ira de combatentes que detiveram as forças de Assad a grande custo e agora escutam que não correspondem ao ideal do doador estrangeiro.
"Nós lhes perguntamos: 'Não somos irmãos?'", disse Afara, que lidera uma unidade num grupo maior chamado de Brigada dos Mártires de Idlib. "Como? Nós somos muçulmanos e desejamos uma revolução plenamente popular, com muçulmanos, cristãos e drusos."
Outro comandante, Abdul Ghafour, reiterou a irritação dos combatentes. "Não pensem que somos cegos, pois temos 600 mártires", ele afirmou, referindo-se aos que caíram em combate. De acordo com Ghafour, o Conselho Nacional Sírio "não nos representa. A revolução está nas pessoas aqui presentes, que lutaram para se libertar da escravidão".
Ainda segundo ele, solicitar fundos ou armas podia se mostrar tão frustrante quanto lidar com grupos privados de auxílio e organizações não governamentais, que podem oferecer assistência em troca de compartilhar seu ponto de vista. "A revolução inteira poderia ser transferida para um projeto de ONG. É a isso que me oponho."
Um porta-voz do Conselho Nacional Sírio, Mohamed Sarmeeni, questionou as reclamações de favoritismo financeiro dos comandantes. "Não existe discriminação", declarou o porta-voz em entrevista telefônica, de Istambul. Segundo ele, o Conselho também passou a dedicar mais atenção a financiar os combatentes da oposição e "estamos prestes a pagar salários a todos os oficiais".
De acordo com os comandantes, os preços das armas portáteis registraram um aumento estratosférico durante a guerra, com metralhadoras custando vários milhares de dólares por unidade, e os rifles de assalto girando em terno de US$ 2 mil, quando novos.
Segundo declarações dos combatentes e comandantes presentes, para financiar a compra de armas, eles levantaram o dinheiro sozinhos. Algumas vezes, coletando doações locais nos vilarejos e bairros. Em outras circunstâncias, venderam carros e terrenos. De acordo com os comandantes, as armas foram adquiridas por meio de oficiais sírios corruptos ou através do que chamaram de "máfia turca e russa" na Turquia.
Um jovem comandante que se identificou como capitão Bilal, o qual se recuperava de um ferimento a bala na parte inferior da perna direita, contou necessitar tanto de armas meses atrás que pediu para a noiva devolver as joias que ganhou dele.
"Ela não aceitou, então terminei com ela e as peguei de volta para comprar as armas de que precisava."
Em alguns momentos, a reunião dos comandantes se transformou em gritaria. Em determinado instante, vários comandantes expressaram a fúria contra um comandante que afirmou ter recebido armamentos. Porém, conforme as horas passavam, o humor se acalmou e os comandantes revelaram o desejo de trabalhar juntos e que haviam convocado o encontro para melhorar as coisas.
Um comandante que usa o nome Abu Hamza afirmou que embora não parecesse "correto" ver chefes militares discutirem com tamanha intensidade, isso era comum numa revolução à medida que suas fileiras e perspectivas crescem. Para ele, a reunião mostrou a disposição de muitos grupos se tornarem mais coordenados e para que os soldados, que sofrem e arriscam mais, ganhem uma voz mais forte na política da guerra.
Moayed concordou, enquanto a reunião abria caminho para uma refeição coletiva. "Queremos ser como uma mão, uma única frente."