Iten, Quênia - Há cinco anos, Sammy Ekiru enfrentava o trânsito em sua bicicleta táxi para ganhar cerca de três dólares por dia em Kitale, cidade queniana remota a 32 quilômetros da fronteira com Uganda. Hoje, ele e a bicicleta continuam inseparáveis. Seu trabalho e meio de vida, porém, deram uma guinada substancial.
Ekiru integra uma pioneira equipe de ciclistas quenianos competitivos que conseguiram introduzir o esporte num país onde ele praticamente não existia. Os Kenyan Riders, projeto lançado pelo empreendedor cingapurense Nicholas Leong em 2007, não têm uma meta modesta. Em mais de um século de existência da Tour de France, uma equipe negra africana nunca participou. Os Kenyan Riders pretendem mudar isso.
O objetivo permanece distante. Os ciclistas estão se dedicando arduamente ao treinamento enquanto ambicionam competições menores na Europa ao longo dos próximos meses. Em julho, vão competir na L'Etape du Tour, na qual os esportistas cobrem as rotas de dois trechos do Tour de France. Em agosto, os Kenyan Riders participarão da Houte Route, jornada de sete dias entre Genebra e Nice, França.
Depois de colocar dois ciclistas entre os 20 primeiros, entre dez mil participantes da L'Etape du Tour no ano passado, não falta confiança à equipe.
- Agora, estamos treinando com muita dedicação porque achamos que podemos fazer alguma coisa lá na Europa - disse Ekiru, 24 anos.
A equipe montou acampamento em Iten, cidade que produziu muitos campeões mundiais das corridas de fundo ao longo das últimas décadas. A princípio, Leong foi atraído pelo empenho atlético da cidade. O sucesso potencial dos Kenyan Riders está baseado na expectativa de que a região também pode produzir ciclistas de elite. Tal noção é vista com ceticismo por moradores locais e especialistas em atletismo. Porém, Leong não perde o entusiasmo.
- No caso de pessoas com muita confiança em sua cultura, todos os outros podem ser detratores, mas mesmo assim eles podem ser bem-sucedidos - disse Leong. - Em termos de esporte, eles entrarão para a história. E para a África, queremos fazer algo positivo.
A equipe conta com 16 ciclistas. Existem dois técnicos no local, um consultor externo e diversos membros da equipe de apoio. O financiamento parecer ser o problema. Os ciclistas treinam com "mountain bikes" quenianas de baixa qualidade. Eles levantam halteres feitos com garrafas de água cheias de concreto. Os exercícios envolvem rochas e chapas de madeira.
O treinador na prática, Simon Blake, afirma que a equipe se vira muito bem com os recursos que tem. Para ele, a questão é achar talentos. A equipe realiza corridas periódicas nas quais os participantes correm com desajeitadas bicicletas locais, chamadas Black Mambas, e tentam bater determinado tempo para ganhar um prêmio em dinheiro e ter direito a um período de experiência na equipe.
A equipe construiu uma pista ao estilo de bicicross no acampamento. Eles abriram trilhas no mato ao redor. Contudo, de acordo com Blake, mais dinheiro beneficiaria o projeto.
- Se tivéssemos verba para um caçador de talentos, se Nick tivesse dinheiro para comprar uma Black Mamba bizarra ou levar um professor para almoçar, isso nos ajudaria a melhorar - disse Blake, antigo corredor de fundo australiano e instrutor de ciclismo. - Sabemos que o talento está aqui.
Nos estágios iniciais do projeto, Leong era o único a contribuir com dinheiro, mas vários anos atrás, um gerente financeiro, Ferdinand Vermersch, e a esposa, Marie-Anne, se envolveram. Marie-Anne diz que compartilham a visão de Leong, a qual difere significativamente da noção tradicional de desenvolvimento ocidental na África.
- Conheci pessoas envolvidas com caridade - ela disse. - Eu pensei que não era uma solução dar roupas ou dinheiro a uma pessoa. Pode ser útil, mas queríamos fazer algo concreto.
Para Blake, a natureza incomum da equipe pode ajudar a atrair mais patrocinadores.
- Kenyan Riders, uma equipe de ciclistas negros. Mesmo não sendo os melhores, teríamos mais publicidade do que todos.
Leong patrocinou as corridas da Black Mamba por anos e disseminar a mensagem pelas cidades vizinhas ajudou a elevar a percepção do ciclismo.
John Ewaar, taxista de bicicleta de 24 anos de Eldoret, a 24 quilômetros de Iten, disse ter ficado intrigado pelo esporte depois de ver um pôster da corrida num supermercado.
- Foi assim que soube que dá para ganhar dinheiro com o ciclismo - declarou Ewaar, em meio ao barulho de uma dezena de taxistas de bicicleta que o cercam na rua, discutindo as corridas.
- Eu quero correr, mas preciso da bicicleta. Esta não é minha. Peguei emprestada.
Benjamin Kipchumba, membro da equipe e ex-fundista, contou que Leong o procurou várias vezes durante sessões de treinamento ao longo dos anos. Ele sempre declinou a oferta. Então, depois de sofrer uma contusão e perceber que a corrida no Quênia era feroz demais, Kipchumba sucumbiu à pressão de Leong.
Desde que se juntou à equipe dois anos atrás, Kipchumba, 26 anos, tem se destacado. Segundo ele, o sucesso no atletismo se traduz bem no ciclismo, mas os atletas de Iten ainda relutam em trocar de esporte.
- Quem corre tem os pulmões bem grandes - disse Kipchumba. - Quando comecei a treinar numa bicicleta, eu respirava bem. Minhas pernas também estavam acostumadas à dor. Tive menos dor do que os outros. O único problema é o medo do esporte do ciclismo. Eles não o conhecem muito bem.
De acordo com especialistas em atletismo, os músculos fortes de corredores de curta e meia distância podem fazer a transição mais facilmente, considerando a massa muscular necessária para o ciclismo. A região do Vale do Rift é mais conhecida por produzir corredores de longa distância.
No entanto, segundo Scott Murr, triatleta veterano e professor do Departamento de Ciências da Saúde na Universidade Furman, o físico queniano não é um impedimento ao sucesso no ciclismo.
- Do ponto de vista estritamente fisiológico, não sei se alguém ou algum corpo tem desvantagem fisiológica - disse Murr. - Não creio que os quenianos tenham mais desvantagem em termos de psicobiologia do que os outros.
A falta de uma cultura ciclística tradicional apresenta uma ameaça inegável às aspirações do projeto Kenyan Riders. A ausência dos elementos básicos para o esporte também é prejudicial.
Renato Canova, técnico de atletismo mundialmente famoso e morador de Iten, disse que "aqui é fácil encontrar pessoas para todo tipo de evento. O problema são as instalações. O moral vem com as instalações. Dá para correr em todo lugar". Quanto ao ciclismo, "não acho que ele possa se tornar um dos principais esportes do Quênia ou da África. Para começar, temos as estradas. Elas são péssimas e as pessoas dirigem feito loucas. Esse é o principal problema".