Ahuas, Honduras - O brilho alaranjado de uma casa em chamas iluminava o céu da manhã. Então outra, e mais uma. Quatro casas foram queimadas nesta cidade à beira de um rio lamacento, horas depois que autoridades hondurenhas e americanas desceram em helicópteros como parte de uma grande operação antidrogas que apreendeu meia tonelada de cocaína.
- No começo, nós não fazíamos ideia do que estava acontecendo - afirmou Sinicio Ordonez, um líder da região, a respeito dos incêndios.
Mas logo tudo se esclareceu: as casas queimadas não eram exatamente parte da operação, mas o resultado de ataques feitos por moradores em retaliação aos vizinhos que estavam trabalhando com os traficantes de drogas.
Por mais revoltados que os moradores estivessem com os governos americano e hondurenho por uma operação militar conjunta realizada no dia 11 de maio - ação que, segundo eles, foi responsável pela morte de quatro pessoas inocentes -, eles ainda tinham irritação de sobra para direcionar àqueles que ajudaram a transformar esta pequena cidade na Costa dos Mosquitos em caminho para a cocaína que vai dos Andes aos Estados Unidos.
- As atividades relacionadas às drogas na região trazem perigo a todos nós. As pessoas daqui só querem se livrar disso - afirmou Ordonez, presidente do conselho dos anciãos indígenas.
Ao longo dos últimos anos, Honduras recebeu um enorme influxo de militares americanos e apoio antidrogas, como resposta à vinda dos traficantes de drogas para a América Central. Mas com toda essa força, as pessoas em Ahuas e em outras cidades da região afirmam que agora sentem que a ameaça vem de dentro e de fora.
Elas estão furiosas com os traficantes, por transformarem seu país em ponto de transferência da cocaína; desapontados com seus vizinhos que contam com o tráfico para trabalhar; e, além disso, frustrados com as autoridades hondurenhas e americanas que, em seu ponto de vista, frequentemente invadem suas comunidades mais preocupadas em apreender cocaína do que em proteger a população.
- Eles precisam tomar medidas concretas para ajudar as pessoas que vivem aqui. Eles estão tomando decisões globais, mas não locais - afirmou Terry Martinez, chefe de programas de desenvolvimento do estado de Gracias a Dios, onde Ahuas se localiza.
A vulnerabilidade na região começa pela terra. O estado de Gracias a Dios, que inclui boa parte da Costa dos Mosquitos, é uma área de 16,6 mil quilômetros quadrados de floresta e cerrado, próxima à Nicarágua, com apenas 50 mil habitantes. Muitos deles vivem em vilas que só podem ser acessadas por meio de barcos ou aviões, levando uma vida de subsistência e falando em sua maior parte um idioma indígena chamado misquito.
O governo praticamente não está presente. A delegacia de polícia de Ahuas, uma cidade com 1.4 mil habitantes, é uma caixa de concreto com uma rede vermelha pendurada do lado de fora, onde geralmente há um jovem policial de bermuda e sandálias. O único hospital é operado por missionários cristãos.
Em vista desse contexto, moradores e especialistas afirmam não se surpreender com o fato de que as drogas e seu dinheiro sejam aceitos. Aqui em Ahuas, as pessoas culpam os forasteiros - colombianos e mexicanos que chegaram em grande quantidade há cinco anos -, mas também admitem que, mais recentemente, todos na cidade falavam abertamente sobre quando os aviões com drogas pousariam, como se eles pertencessem a legítimas linhas aéreas.
Os voos geraram empregos muito importantes para os moradores da região, que ajudavam a descarregar o contrabando, para levá-lo em direção ao norte. Mas eles também começaram a modificar antigos costumes. Para muitas pessoas, trabalhos mais pesados como a agricultura começaram a parecer uma perda de tempo.
- Isso está criando enormes problemas de longo prazo. As pessoas não estão pensando - elas estão colocando suas esperanças nas drogas: "oh, na semana que vem haverá um novo avião" - afirmou Martinez, que trabalha em Puerto Lempira, a capital de Gracias a Dios.
Os jovens também começaram a apreciar a "vida do tráfico". O uso de drogas era algo inexistente na Costa dos Mosquitos. Agora ele está crescendo. Para outros, o mais preocupante é que, em um país com a maior taxa de homicídios do mundo, os jovens estão desenvolvendo um gosto pelas armas.
- Eles nem têm inimigos, mas querem caminhar pela vila carregando uma arma - afirmou Mylo Wood, um legislador em visita a seus eleitores em Ahuas, há poucos dias.
Muitos hondurenhos reconhecem que seu país não é capaz de enfrentar o problema das drogas sozinho.
- Isso tem a ver com um problema logístico, com as comunicações, com a detecção. O outro problema, que é fundamental, é o fato de que a polícia foi penetrada pelo crime organizado - afirmou Julieta Castellanos, presidente da Universidade Autônoma de Honduras.
Ela acrescentou:
- A participação dos Estados Unidos é importante. Há setores do país que inclusive pedem uma maior participação.
Na verdade, no local da operação, as pessoas ainda desejam a ajuda americana. Autoridades municipais e vítimas como Hilda Lezama, de 52 anos, que recebeu ferimentos a bala nas pernas durante a operação, afirma que o que eles esperam é um pedido de desculpas e o reconhecimento de que eles não são traficantes, como sugeriram algumas autoridades hondurenhas e americanas.
A recente operação levou muitos daqui a insistir em uma abordagem antidrogas mais equilibrada.
- Helicópteros e soldados não trazem desenvolvimento. Isso não ajuda - afirmou Raymundo Eude, líder do grupo étnico masta.
As opiniões variam em torno do que mais o governo dos Estados Unidos poderia fazer para acabar com a venda de drogas e suas consequências negativas. Muitos apoiam programas para incrementar o sistema penal. Outros, como Martinez, pedem melhores estradas para fomentar a agricultura, enquanto Eude disse que se preocupa com a possibilidade de que novas estradas levassem muitas pessoas para a área.
Ele sugeriu que os americanos compensassem os grupos indígenas por proteger as florestas. As autoridades americanas, por sua vez, afirmam que já estão fornecendo uma assistência "amigável". Desde 2008, a Agência para o Desenvolvimento Internacional já gastou quase US$ 1 milhão para conservar a pesca da lagosta, uma importante fonte de empregos na costa do país.
O Departamento de Estado também contribuiu com computadores para um centro de jovens em Puerto Lempira, ao passo que os soldados americanos forneceram cuidados médicos e dentários gratuitamente. Mas muitos dizem que estes programas não são o bastante.
- Os americanos movem o mercado das drogas com seu consumo, enquanto somos nós que acabamos com os mortos - afirmou Carlos H. Sandoval, um engenheiro florestal que viaja pela Costa dos Mosquitos.
E agora, por enquanto, a frustração por aqui também está voltada contra os traficantes. Depois que os moradores queimaram suas casas, muitos dos moradores que tinham ligação com o tráfico de drogas fugiram. Autoridades americanas afirmam esperar que os traficantes fiquem longe da cidade em função da ampla divulgação da operação, e os moradores concordam que os negócios se tornarão, ao menos, mais discretos.
Outras cidades também desafiaram o status quo. Autoridades e moradores de Brus Laguna, uma cidade próxima de Ahuas, afirmam que uma multidão ameaçou o prefeito depois da operação militar, pois eles acreditavam que ele estava recebendo dinheiro dos traficantes e não o estava dividindo com a comunidade, forçando-os a assumir os riscos, mas não os benefícios.
E em toda a região, os moradores estão ansiosos acerca do futuro, questionando se serão as autoridades ou os traficantes que ficarão no poder.
- As pessoas aqui estão pensando mais nisso neste momento. Mas elas também estão pensando no fato de que precisam ter o que comer - afirmou Ordonez.