Em um dia de semana ensolarado em Kep, um vilarejo à beira-mar em meio ao litoral do Camboja, o mercado de caranguejos estava agitado. Mulheres de chapéu de palha e botas de borracha ficavam de joelhos nas ondas gritando preços, lançando-se periodicamente ao mar para encher cestos de vime com espécimes que se contorciam.
Crianças de todas as idades percorriam as barracas; era como se toda a cidade estivesse reunida nesta praça principal. Perto dali, suspensos sobre a água com vista para o Mar da China Meridional, ficavam frágeis restaurantes com entrada ao ar livre, empoleirados em palafitas.
Em um dos menores, o Seagull, eu, meu filho e meu marido nos sentamos e assistimos barcos de pesca de madeira margearem lentamente o litoral, enquanto a família proprietária do local preparava aquele que seria o melhor caranguejo cozido no vapor que eu já provei. Até o meu menino de um ano de idade se enfiou na carne branca amanteigada.
Era uma cena que parecia estar estranhamente fora do tempo, tornada ainda mais singular porque podíamos de alguma forma existir sem problemas dentro dela. Ninguém tentou nos vender lembranças ou se ofereceu para nos guiar pela cidade. Aquela era apenas a vida como ela sempre foi e sempre será. Mas é claro que isso não era verdade.
Enquanto estávamos sentados, convidados sortudos deste quadro rústico, não muito longe dali novas pontes e estradas estavam sendo concluídas; resorts de luxo, cassinos e campos de golfe, delineados; shoppings, planejados. Tudo isso em uma área do Camboja ocupada pelo Khmer Vermelho até recentemente, em 1995.
Como tantos lugares que deixaram de atrair viajantes e voltaram a seduzi-los novamente, esta área do sudoeste do Camboja está passando por um ciclo agora familiar. Primeiro vêm os mochileiros, que são seduzidos por lendas de aldeias costeiras simples e praias isoladas intocadas. Em seguida, vêm os pioneiros da hotelaria, estabelecendo pontos descolados de luxo e bom gosto.
Finalmente, chega o dinheiro e, com ele, os grandes planos. Neste momento, a área em torno de Kep ainda está no momento ideal para receber viajantes - o vilarejo continua em grande parte o mesmo, mas com estradas e alguns hotéis-boutique aqui e ali para quem estiver interessado. No entanto, como eu veria ao longo de duas semanas, há mudanças acontecendo.
As multidões certamente virão, mas antes que elas cheguem, eu queria uma chance de conhecer o lugar com meus próprios olhos. A apenas algumas horas de Phnom Penh, capital do país, Kep começou como um retiro elegante que recebia os franceses na década de 1920, e em 1960 foi chamado de Saint-Tropez do Sudeste Asiático (Kep-sur-Mer), com vilas coloniais modernistas construídas junto ao litoral e visitantes que chegavam nos fins de semana em conversíveis clássicos.
Quando o Khmer Vermelho montou um acampamento aqui na década de 1970, os franceses bateram em retirada, e as vilas entraram em decadência. Nos últimos cinco anos, no entanto, várias dessas estruturas foram transformadas em hotéis-butique - propriedades como o Villa Romonea, que abriu em 2010, e o Knai Bang Chatt, que foi inaugurado alguns anos antes.
Ao longo da minha estadia no ano passado, eu experimentei os dois hotéis. Foi difícil sair de ambos, situados junto ao tranquilo litoral rochoso. Dava vontade de acampar ali por dias, sentada a mesas à beira-mar, observando os barcos que passavam, fazendo breves passeios pela cidade.
Esses hotéis também eram pontos magníficos para se estar com um bebê; todo mundo, dos cozinheiros aos gerentes dos hotéis, tratou meu filho como se ele fosse uma celebridade que visitava a região.
Mas eu estava ansiosa para explorar a paisagem do entorno, em especial a região do interior ao noroeste e as praias e ilhas da costa - áreas, tinham me dito, cujo futuro já vem sendo traçado por conglomerados chineses, russos e cambojanos ansiosos por deixarem sua marca no mercado. Nossa primeira viagem foi para Kampot, a cerca de uma hora.
É possível conseguir o aluguel de um carro e um motorista, mas decidimos alugar motocicletas. Depois de deixarmos o bebê em mãos competentes no Knai Bang Chatt, partimos, passando por incontáveis bois que vagavam por arrozais, mercados movimentados e aglomerados de pequenas aldeias formadas por casas tradicionais de palafita.
O Camry, da Toyota, carro de décadas atrás, parece ser o favorito da localidade (reparei em um que tinha placas da Califórnia). Vários deles compartilhavam a estrada com lambretas, motos e vans que funcionam como ônibus, além de búfalos de água, galinhas e porcos que se arrastavam em meio ao tráfego.
Em Kampot, uma cidade tranquila situada ao lado de plantações de pimenta e colinas arborizadas, tomamos café em um dos restaurantes que surgiram nas varandas decadentes da década de 1920 em frente ao lento rio Praek Teuk Chhu.
Kampot teve outrora um dos portos mais importantes do país, e ainda é o centro de produção de pimenta do Camboja; suas ruas são repletas de edifícios coloniais da virada do século, que atualmente, em sua maioria, estão em condições precárias.
Enquanto estávamos sentados vendo os barcos passarem pelo rio, ficamos novamente impressionados e surpreendidos com o fato de não ser comum ser abordado por vendedores aqui - especialmente quando fazemos uma comparação com cidades turísticas do Vietnã e da Tailândia. Outra observação: havia poucas pessoas na casa dos 40, 50 e 60 anos.
O motivo disso tem a ver com o fato horrível de que, entre 1975 e 1979, um quinto da população foi dizimada durante o regime. O Khmer Vermelho persistiu em Kampot por boa parte dos anos 1990, muito mais tarde do que em outras partes do país, e quase todas as pessoas que conheci perderam pelo menos um membro próximo da família ou um amigo. Apesar disso, pairava uma amistosidade implacável.
Ao penetrarmos os bairros por trás da zona ribeirinha, ninguém parecia indicar que éramos diferentes, com a exceção, talvez, de algumas pessoas que acenaram para nós. Contudo, a atmosfera sonolenta de Kampot disfarçava a construção agitada que se dava acima, no antigo refúgio da montanha Bokor.
Quase uma centena de anos atrás, a cerca de 30 quilômetros de Kampot, nas montanhas frias do Parque Nacional Preah Monivong, os franceses criaram um destino de veraneio para fugir do rebuliço da capital e das planícies, com um hotel, um cassino, um correio e uma igreja.
Os edifícios de mármore e madeira gigantescos, antes opulentos, foram abandonados pela primeira vez na década de 1940, durante a Primeira Guerra da Indochina, sendo largados novamente em 1970, quando o Khmer Vermelho tomou conta deles. Hoje, porém, a área é novamente objeto dos sonhos de uma construtora.
A Sokimex, instituição petrolífera e bancária do Camboja, juntamente com sua divisão de hotelaria, a Sokha Hotéis & Resorts, está reconstruindo a área, dedicando-se à criação de vias de acesso. Enquanto isso, graças à riqueza do Camboja - não apenas em termos de história, mas de beleza natural - esses planos ambiciosos estão, simultaneamente, rumando do litoral para o norte.
Antes da minha chegada, um amigo tinha me escrito sobre o litoral: "A areia parece neve e tem quilômetros de uma água tão clara quanto um cristal à beira-mar, sem nada ao redor". Em outras palavras, ao contrário da beira-mar de Kep, que é predominantemente rochosa, a zona costeira, ao norte, está pronta para receber resorts, e os proprietários de resorts já tomaram conhecimento disso.
Não que ela esteja totalmente deserta. Existem aldeias simples à beira-mar ao longo do litoral em algumas das ilhas maiores. Povoadas por pescadores e suas famílias, bem como pessoas de organizações sem fins lucrativos que vivem lá para ensinar práticas sustentáveis de pesca (e inglês), as moradias em ruínas são uma parte pitoresca de qualquer visita à região.
Para que tivéssemos uma ideia mais íntima da paisagem, o meu amigo nos colocou em contato com Claude Du Dinh Tan, um franco-vietnamita que aluga um pequeno conjunto de bangalôs nas colinas sobre Sihanoukville e realiza excursões de mergulho.
Ao percorremos o entorno das ilhas e a costa do continente na pequena lancha de Du Dinh Tan, que chegou aqui em 1992, ele não tentou esconder o que sente a respeito das construções que estão sendo planejadas.
- A construção de hotéis de concreto na praia é proibida. Mas parece que as autoridades locais estão apenas fazendo vista grossa para esse tipo de lugar - ressaltou ele, ao passarmos por aquilo que na época eram as obras de uma torre de concreto quase concluída, localizada em uma das melhores partes da praia.
A sugestão de que as construtoras têm agido de modo leviano com uma área intocada ecoou durante o resto do dia ao percorrermos as centenas de ilhas, muitas delas marcadas por uma única e despretensiosa bandeira que indicava algum tipo de propriedade ou plano de construção.
Felizmente (e em grande parte graças à crise financeira mundial dos últimos anos), os planos mais notórios de construção parecem estar se desenrolando lentamente. Entretanto, ainda há lugares tão baratos que chegam a parecer bons demais para serem verdade.
Paramos em um deles, chamado Angkor Chum, na parte sudoeste de Koh Rong, para comer algo no caminho de volta para Kep: US$ 15 (dólares americanos são aceitos em todo o Camboja) por dia pagam um bangalô na frente da praia, à beira de um enseada isolada, acessível apenas por barco; no cais, pratos de lula, siri e peixe grelhado são servidos na hora em um restaurante despojado.
É difícil ver um pedaço assombroso da história, como Bokor ou as ilhas intocadas do litoral de Sihanoukville, e não querer que ele fique assim, apenas sob o seu olhar, para sempre.