Jerusalém - Os alunos não foram poupados de nada. Houve aulas sobre as disputas entre os nazistas em torno de como assassinar os judeus, sobre a arte da propaganda no terceiro Reich, a história do antissemitismo, os dilemas enfrentados pelos líderes dos conselhos nos guetos judaicos, além de encontros com sobreviventes.
Era exatamente o que se podia esperar de um seminário de 10 dias no Yad Vashem, o memorial e museu do Holocausto em Israel. A surpresa foram os estudantes. Trinta e cinco professores de escolas e universidades de Taiwan, nenhum deles especialista na área e que, em sua maioria, jamais haviam visto um judeu. Ainda mais surpreendentes são as lições que alguns deles levaram consigo.
- Antes de vir, eu me sentia mal a respeito do Holocausto - Esta semana eu aprendi que, em meio à morte nos campos de concentração, as pessoas se ajudavam. Isso dá um novo significado aos valores humanos. É algo que eu não esperava aprender aqui: esperança - afirmou Jen Hsiu-mei, psicólogo e educador de crianças em idade pré-escolar.
Sete décadas após o Holocausto, com seus sobreviventes morrendo rapidamente, o massacre mais sistemático da história da humanidade está ganhando um papel crescente e inesperado na educação em todo o planeta.
Somente o Yad Vashem, que inaugurou seu programa de ensino internacional nos anos 1990, produz materiais em mais de 20 idiomas, está ativo em 55 países e realiza 70 seminários por ano para grupos de educadores visitantes.
E ao passo que muitos acreditam que para tornar o assunto universal é importante ensinar o Holocausto no contexto de outros genocídios - como os de Ruanda, da Armênia e do Camboja -, a tendência no Yad Vashem é diferente: aprofundar-se mais nos detalhes sinistros e ocasionalmente edificantes do massacre de seis milhões de judeus.
- Este é o fenômeno mais complicado da história da humanidade Como isso pôde acontecer? Como a democracia caiu tão rapidamente? Como isso foi possível no auge do liberalismo? A única maneira de entender é por meio dos detalhes, das particularidades - afirmou Avner Shalev, presidente do Yad Vashem, durante uma entrevista.
O Yad Vashem passou de um punhado de edifícios em uma paisagem bucólica, há alguns anos, para um movimentado campus de pesquisa, documentação, ensino e memória com um orçamento anual de US$ 45 milhões.
Ele acaba de inaugurar um novo prédio para a escola de educação internacional, com grandes salas de aula e equipamentos de última geração que permitem que alunos em outros países também assistam às palestras. Entretanto, a maior surpresa talvez seja a forma como o Holocausto está sendo ensinado e o que pessoas de todo o mundo aprendem com isso.
- Vivemos em uma era na qual os jovens sabem muito pouco, mas têm muitas opiniões. O regime nazista queria apagar qualquer traço do povo judeu. Se você não compreende isso, não vai entender o evento. Mas, paradoxalmente, quanto mais você se aprofunda nos fatos e nas particularidades, menos judeu e mais universal o Holocausto se torna - afirmou Dorit Novak, diretora da Escola Internacional de Estudos do Holocausto do Yad Vashem.
Ou seja, a maneira como uma pessoa lida com o mal pode ser entendida em muitos contextos diferentes. Além disso, identificar os estágios do Holocausto - que começou lentamente com um boicote às empresas judaicas e com leis contra a "superlotação" das escolas alemãs - pode ajudar a impedir tendências de discriminação e assassinatos em massa no futuro.
- O Holocausto mostra não apenas o ponto mais baixo a que a humanidade pode chegar, mas também o ponto mais alto a que se pode ir. Uma pessoa em um campo de concentração que divide seu último pão com um amigo atribui um novo significado à palavra amizade - completou.
Novak diz que a variedade de pessoas que frequenta sua escola é impressionante. Ela se recorda de perguntar a um grupo de berberes do Marrocos a razão de terem vindo ao seminário.
- Eles disseram que estavam tentando reconstituir a história berbere, pois ela foi ignorada ou se perdeu, e que tinham vindo ao Yad Vashem para aprender a lembrar - ela contou.
Nicolas Paz Alcalde, da vila de Jerte, na Espanha, disse que entendia. Ele e sua esposa dirigem uma escola para estrangeiros que desejam aprender espanhol, e descobriram que a casa de pedra onde se encontra sua escola havia sido uma sinagoga até que os espanhóis expulsaram os judeus no século XV.
- Isso estabeleceu uma conexão direta e emocional com a história dos judeus em nossa região. Minha esposa e eu decidimos ir ao Yad Vashem para estudar o Holocausto. As pessoas foram anestesiadas pela história e nós sentimos uma obrigação moral de reavivar o Holocausto para elas - contou por telefone.
Ele escreveu uma peça sobre os dilemas de um professor de ética no gueto de Varsóvia nos anos 1940, recrutou pessoas da cidade para atuar e a apresentou inúmeras vezes em escolas e centros comunitários da região.
Apesar do destaque cada vez mais universal dado ao Holocausto no exterior, aqui em Israel os liberais se preocupam que ele tenha conquistado uma importância excessiva na narrativa nacional, levando a uma mentalidade vitimista e persecutória.
Uma pesquisa entre judeus israelenses em 2009 descobriu que para eles há apenas um tema praticamente universal: a necessidade de se lembrar do Holocausto. Citando essa pesquisa, Merav Michaeli, colunista do jornal Haaretz, reclamou que "O Holocausto é o único prisma através do qual nossos líderes, apoiados pela maior parte da sociedade, examinam todas as situações".
Ela acrescentou que muitos israelenses veem os eventos mundiais e "a vida de todos nós apenas como um longo Shoah". Essa é a mesma opinião de Avraham Burg, antigo porta-voz do parlamento, em seu livro "The Holocaust Is Over; We Must Rise from Its Ashes" (em tradução literal, O Holocausto acabou; precisamos renascer de suas cinzas).
Ele afirmou que um tribunal internacional de crimes contra a humanidade deveria ser construído no campus do Yad Vashem, acrescentando que "Israel precisa abandonar Auschwitz, porque Auschwitz é uma prisão mental. A vida dentro do campo é sobrevivência misturada com culpa e vitimologia". Shalev, o presidente do Yad Vashem, afirmou que o Holocausto não deve ser a única fonte para a autodefinição de Israel. Ainda assim, ele completou, é um elemento claramente importante:
- De certa maneira, o Holocausto une a nossa identidade. Ao mesmo tempo, o crescimento do interesse pelo Holocausto no resto do mundo aumentou a consciência sobre o genocídio de forma geral e nós temos um papel importante nisso.
Os professores de Taiwan concordaram. Eles afirmaram que iriam levar consigo algumas lições que poderiam ser aplicadas para evitar a discriminação e até o bullying em suas salas de aula. Paz Alcalde, o professor espanhol, também afirmou acreditar que o estudo dos detalhes de uma sequência de eventos específica é a melhor forma de se identificar os sentidos mais amplos.
- Eu não vejo uma dicotomia entre o particular e o universal. A história do Holocausto é a história de pessoas reais e de suas famílias, pessoas com datas de aniversário e com sonhos. Quando você passa a conhecê-las, a história delas passa a fazer parte da sua história - afirmou.