Não demorou muito para Manuel Garcia Murillo, um pedreiro que se tornou prefeito de Higuera de la Serena em junho passado, perceber que estava em apuros.
A cidade tinha mais de 800 mil euros (R$ 1,8 milhão) no vermelho. Não havia dinheiro para pagar nada - e havia trabalho a ser feito.
Algo de extraordinário, então, aconteceu. Quando o departamento de saúde pública estava prestes a fechar uma creche porque a cozinha estava em péssimas condições, Bernardo Benitez, um pedreiro, se ofereceu para arrumar o local de graça.
Então, Maria Jose Carmona, professora de adultos, se dispôs a limpar o lugar. E, de alguma maneira, os voluntários continuaram chegando.
Agora, todos os domingos, os habitantes desta pequena cidade no sudoeste da Espanha - tanto os jovens quanto os velhos - fazem o que é preciso ser feito, seja limpar as ruas, varrer as folhas, desentupir os bueiros ou plantar árvores no parque.
- Foi iniciativa deles. A cada dia, falávamos com as pessoas e dizíamos que não havia dinheiro. É claro que eles podiam notar. A grama entre as calçadas já estava na altura das minhas coxas - relembra Garcia.
Conjunto de cerca de 900 casas cercadas por fazendas, Higuera de la Serena é, em muitos aspectos, um microcosmo dos problemas pelos quais a Espanha está passando.
Arrebatada pelos dias prósperos do boom da construção civil, a cidade chegou a construir um centro cultural e investir em uma pequena casa de repouso. Agora, não consegue se manter em dia com seus gastos e está devendo dinheiro até a músicos que tocaram nos eventos durante os feriados.
População assumiu os deveres do Estado
É um problema comum em muitas das cidades pequenas, mas o que trouxe fama a Higuera de la Serena é o fato de que seus habitantes resolveram assumir a responsabilidade nos setores em que o governo falhou.
A maioria dos voluntários trabalha aos domingos, reunindo-se às 8h30min. Depois, eles fazem um almoço comunitário. Mais de 80 moradores já se ofereceram para trabalhar.
Garcia, que também é voluntário, diz que muitas autoridades de outras regiões perguntam como podem reproduzir isso em suas localidades.
- Investimos em obras públicas que não eram sensatas. Estamos em falência técnica - afirma Garcia.
Segundo o prefeito, o dinheiro que entra precisa ser gasto imediatamente. A última administração usou verbas da União Europeia (UE) para oferecer cursos de educação para adultos. Mas o programa não atraiu um número suficiente de participantes e a cidade recentemente pagou uma multa de US$ 34 mil (R$ 61 mil) por isso.
Higuera também pegou um empréstimo da União Europeia para o aumento de um café em uma piscina local, mas os recursos foram gastos antes que o trabalho começasse, o que lhes rendeu uma nova multa.
Garcia afirma que é procurado por fornecedores todos os dias, que imploram pelo pagamento. Muitos deles mal estão conseguindo sobreviver:
- Eles pedem por favor. São nossos vizinhos. Nós os conhecemos. Se não pagarmos o cara do óleo, não haverá aquecimento na escola.
Há muitas suspeitas em relação aos gastos da cidade, assim como em toda a Espanha. Ex-prefeita de Higuera de la Serena, a socialista Bibiana Frutos Martín disse que era difícil resistir aos desejos da população por cada vez mais serviços.
- Mantivemos muitas atividades pelas quais não temos conseguido pagar. Fizemos isso porque os habitantes queriam - afirma.
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