Traga às narinas uma taça de vinho branco e, se tiver o produtor e as uvas certas, alçar-se-ão notas florais. Com uma taça de hidromel, é como se estivesse segurando as próprias flores.
- Uma garrafa de hidromel é feita de 250g de mel. Isso é o néctar de um milhão de flores - diz Mark Beran, da Medovina Meadery em Niwot, Colorado.
Beran, que começou como apicultor, produz a cada ano 250 caixas de hidromel do mel de suas próprias colmeias.
- A abelha é a mãe da indústria de bebidas fermentadas - insiste.
Há séculos toma-se em todo mundo esse adoçante conveniente e natural, acrescenta-se água e deixa-se que leveduras presentes no ar transformem o açúcar em álcool - obtendo-se, abracadabra, uma bebida alcóolica.
Mas, com a proliferação de outras bebidas, o hidromel, antes um produto básico de tantas culturas, desapareceu de tal forma na ignomínia que muitos de nós só o conhecemos como algo bebido por caras com chapéu estranho em festivais renascentistas. Agora, a reputação do hidromel está sendo reconstruída em todos os Estados Unidos.
Isso pode se dever, em parte, à explosão de estilos de hidromel à medida que seus produtores deixam para trás o hidromel tradicional, doce, levemente caramelizado e com forte sabor de mel dos festivais renascentistas.
Hoje pode-se encontrar hidroméis locais fermentados a lúpulo e tão duros e secos quanto o Chablis mais lúgubre e metálico; leves e adocicados, apropriados para o verão, com o frescor e as borbulhas sutis de um bom prosecco; complexos e cheios de camadas, perfeitos como acompanhamento para chocolate; e até mesmo hidroméis sazonais, acrescentados de sabores de açafrão, sálvia, frutas ou zimbro.
- O hidromel é um vinho, feito com mel em vez de uvas. As pessoas estão percebendo que hidromel é isso e tratando-o como tal - diz Vicky Rowe, diretora da competição internacional anual de hidroméis Mazer Cup, cujos participantes dobraram de cem para 218 nos últimos três anos.
Assim como o caráter de um vinho pode ser determinado por sua fruta e proveniência, os sabores do hidromel podem ser atribuídos ao mel utilizado. O terroir é capturado de uma maneira com a qual os produtores de vinho só poderiam sonhar, vindo das flores cujo pólen é coletado pelas abelhas numa área particular e num período particular. Beran diz:
- Primeiro vem a florada dos dentes-de-leão e dos bordos, trevos e macieiras, então é um mel muito leve da primavera.
As abelhas depositam esse mel na primeira de uma série de caixas que são empilhadas umas sobre as outras nas colmeias.
- Ao fim da estação você pode ter cinco, oito ou até mais caixas de mel, e pode ver a progressão da diversidade floral ao longo do verão, na transição da primeira para a última caixa - diz ele.
- O verão traz o mel médio da alfafa, e no outono você obtém um mel mais escuro, mais rico e saboroso de flores selvagens. Assim, quando estou fazendo um hidromel delicado, usarei o da florada de trevo e maçã das caixas mais em baixo. Quando queremos um hidromel mais tradicional, usamos um mel mais escuro que tende a dar ao hidromel mais estrutura e personalidade.
Se isso soa como um vinicultor do Napa falando da seleção de vinhedos ou um cervejeiro discutindo lúpulos, não é por acaso: afinal, os fabricantes de hidromel modernos trazem a seu ofício todo o refinamento desses dois mundos.
- Somos independentes na indústria do álcool, mas nos alinhamos aos caras da cerveja artesanal - diz David Myers, proprietário da Redstone Meadery em Boulder, Colorado.
A Redstone, com vendas de cerca de quatro mil caixas ao ano, é uma das maiores fabricantes de hidromel artesanal dos Estados Unidos. Myers é um inovador conhecido por desenvolver hidroméis estivais, menos alcoólicos e mais carbonatados e coquetéis de hidromel, e por usar técnicas de marketing similares às das cervejas artesanais, como a venda em barris e o desenvolvimento de hidroméis sazonais para ampliar seu mercado.
Do outro lado dos Estados Unidos, Ben Alexander está acrescentando três hidroméis reservados aos cinco outros novos estilos que ele vem desenvolvendo na Maine Mead Works em Portland, no estado do Maine, desde 2008. Entrando dois passos na sala de fermentação impecavelmente limpa, nossos olhos são atraídos para quatro colunas claras de vidro de dois metros e meio que se apoiam sobre uma parede, cheias de líquido cor de mel.
- Esta é a nossa linha de fermentação contínua - diz orgulhosamente.
Ela foi desenvolvida na África do Sul, baseada em técnicas tradicionais de fabricação de hidromel dos Xhosa.
- Mel e água, entram por um dos lados e se deslocam através do sistema, enquanto a levedura converte os açúcares naturais em álcool. O hidromel sai pela outra ponta com cerca de dez por cento de álcool - diz Alexander.
Depois disso, o líquido fermenta em tanques de aço por alguns meses, e o álcool chega a cerca de 12% antes do engarrafamento. Algumas das reservas envelhecem até um ano em antigos barris de uísque bourbon.
- Nosso processo contribui para fazer um hidromel seco e leve, que retém mais dos sabores sutis do mel - diz Alexander.
- Tem de ser leve, mas também suficientemente complexo para acompanhar refeições.
Enquanto os hidroméis tradicionais podem ter mais de 10% de açúcar residual, o de Alexander tem menos de 2%. Isso, mais uma acidez extremamente baixa, têm um resultado muito similar, na narina e no palato, ao vinho branco, com uma delicada sobreposição de aromas florais e de frutas, dependendo do hidromel.
Na mesma cidade, Josh Caron, gerente do bar no 55 Restaurant, juntou um coeso e reconfortante Apple Hot Toddy a um Maine Mead Works Cyser - um hidromel híbrido, fermentado a partir de cidra de maçã com mel -, acrescentando ainda um conhaque de maçã, além de bitters de gim e de cranberry, ambos destilados localmente na Sweetgrass Winery.
Também na Spints Ale House em Portland, no Estado do Oregon, a proprietária Alyssa Gregg usa o hidromel Chaucer's de Soquel, estado da Califórnia, em diversos coquetéis sazonais.
- O hidromel tem algo de terroso. Ele dá à bebida uma leve doçura, mas ao mesmo tempo também alguma secura. - diz ela.
Ela o utiliza num drinque com mezcal, no qual o hidromel, explica, "doma o álcool e responde ao calor, então você tem no fim um coquetel suave e equilibrado". O maior fabricante de hidromel do estado de Nova York é a Earle Estates Meadery, na região de Finger Lakes, produzindo cerca de 10 mil caixas ao ano. O proprietário, John Earle, atribui o crescimento de seu negócio ao uso de ultrafiltragem.
- A máquina remove a proteína deixada pelas abelhas no mel. Essa proteína está ligada à aspereza do hidromel, então é só tirar a proteína que você obtém um hidromel mais suave - diz Earle.
Um dos problemas com muito do hidromel feito no passado era o que as pessoas faziam para esterilizá-lo.
- Eles faziam o hidromel fervendo o mel, e com isso, o caramelizavam e oxidavam - explica Earle.
Mas a filtragem é apenas uma de inúmeras questões em debate nos círculos do hidromel. Alguns produtores argumentam que a filtragem prejudica o perfil do sabor, e que sem a filtragem acontece uma sedimentação e se liberam sabores indesejados. Eles discutem se, como, quando e quanto aquecer: ferver? Chegar a apenas 70ºC?
Há diferentes ideias sobre quando, na fermentação, devem ser acrescentados os diversos agentes de sabor, como as frutas. E, sim, estão "até as tampas" com a questão do carvalho: se o melhor é o barril, as lascas ou os cubos, ou se todos eles deve ser banidos. Sam Calagione, fundador da cervejaria Dogfish Head em Milton, no estado de Delaware, não gosta das pretensões enófilas.
Seu Midas Touch ("Toque de Midas"), a bebida baseada em mel mais popular nos Estados Unidos, é feito de cevada, mel, uvas moscatel brancas e açafrão. Cerveja, vinho, mel?
- Não temos interesse em vender como nada além do Midas Touch, uma cerveja-hidromel-vinho, você escolhe. Vendemos quarenta e cinco mil caixas no ano passado - diz Calagione.
Novo e inovador? O Midas Touch é baseado nos ingredientes encontrados em vasos de bebida, supostamente do túmulo do Rei Midas. Como gosta de brincar Myers, da Redston, "O hidromel é uma bebida cuja popularidade sempre volta - a cada dois ou três mil anos".