Como o número de atentados contra alvos específicos tem aumentado muito por todo o Afeganistão, oficiais estadunidenses e afegãos acreditam que muitos deles são de autoria de unidades de contrainteligência da rede militante Haqqani e da Al-Qaeda, encarregadas de assassinar supostos informantes e aterrorizar a população dos dois lados da fronteira entre Afeganistão e Paquistão.
Agentes de inteligência militar afirmam que as unidades operam essencialmente como esquadrões da morte e que uma delas, um grupo grande conhecido como o Khurasan, que opera principalmente nas regiões tribais do Paquistão, é responsável por pelo menos 250 assassinatos e execuções públicas.
Outro grupo, cujo nome é desconhecido, opera principalmente no Afeganistão e pode ter sido responsável por pelo menos 20 mortes na província de Khost apenas no verão do hemisfério norte, incluído uma decapitação em massa que só veio a tona depois que um vídeo foi descoberto em poder de um insurgente capturado. O vídeo mostra dez corpos decapitados, alinhados de maneira ordenada em uma estrada asfaltada, enquanto suas cabeças se encontram em um semicírculo próximo aos corpos, com os rostos visíveis.
Isso é mais uma indicação de que os membros do Haqqani, uma facção prioritariamente paquistanesa, continua sendo a peça mais perigosa da insurgência, que utiliza integralmente a fronteira permeável e mal definida, como ficou claro no ataque recente da OTAN, que causou a morte de 24 soldados paquistaneses.
Embora as circunstâncias desse ataque ainda sejam pouco claras, ele piorou as relações entre o Paquistão e os Estados Unidos, e revelou de que modo refúgios dentro do Paquistão continuam sendo uma peça fundamental da estratégia dos insurgentes.
Os Estados Unidos têm concentrado sua ofensiva no ataque a insurgentes que entram no Afeganistão. Mas a nova onda de assassinatos prova que, enquanto a OTAN apresenta os insurgentes como um grupo que está enfraquecendo, os membros do Haqqani ainda conseguem se impor, não apenas com bombardeios amplamente divulgados pela mídia, mas também através de intimidação e de controle de opiniões.
Um caso assombroso atribuído ao segundo esquadrão da morte ocorreu depois que os Estados Unidos capturaram o principal líder do Haqqani dentro do Afeganistão, Hajji Mali Khan, e mataram seu principal representante recentemente. Dias depois, os corpos de dois homens acusados de ajudar os Estados Unidos apareceram perto do vilarejo onde Khan foi capturado. Varas de ferro incandescente haviam sido fincadas em suas pernas. Um das vítimas havia sido estripada, e ambos haviam sido alvejados na cabeça e esmagados com pedregulhos. O vilarejo foi tomado por medo.
- Mal dava para reconhecê-los - disse uma testemunha que viu os corpos.
Por todo o Afeganistão, o número de assassinatos subiu 61 por cento, para 131 matanças informadas nos primeiros nove meses deste ano, em comparação ao mesmo período de 2009, de acordo com as estatísticas da OTAN. Autoridades das Nações Unidas afirmam ter começado a perceber um aumento acentuado no ano de 2010, em que, de acordo com seus dados, houve 462 assassinatos, o dobro do ano anterior. Esses números podem não incluir matanças em áreas remotas, como no caso da decapitação em massa, porque os moradores aterrorizados podem não ter informado as autoridades.
Oficiais de inteligência dos Estados Unidos afirmam que os grupos cuja base fica no Afeganistão e o Khurasan parecem operar mais ou menos da mesma maneira. Acredita-se que o Khurasan foi formado em 2009 na região do Waziristão do Norte, no Paquistão, onde se encontra a sede do Haqqani, em reação aos ataques intensos de veículos não tripulados dos Estados Unidos. Acredita-se ainda que seus integrantes usem roupas pretas com braçadeiras verdes com o nome completo do grupo, Itihad al-Mujahedeen Khurasan, e trabalhem em parceria próxima com a Al-Qaeda na região. As estimativas do número de membros variam entre 100 e 2.000.
Em locais como Sabari, um distrito rural de Khost a cerca de 19 quilômetros da fronteira do Paquistão, os atentados contra alvos específicos estão sendo bem sucedidos em relação ao seu objetivo. Depois da execução em plena luz do dia de três homens em um mercado no vilarejo de Maktab no começo do ano, os donos de lojas ficaram tão traumatizados que não informaram as autoridades. De acordo com autoridades, testemunhas e amigos e parentes das vítimas, muitas delas haviam tido apenas encontros passageiros com forças da coalisão, e muitas vezes não tinham qualquer envolvimento com elas.
Autoridades dos Estados Unidos e do Afeganistão só ficaram sabendo dos assassinatos tempos depois, quando um vídeo do episódio foi encontrado no telefone celular de um insurgente capturado. Mesmo assim, as autoridades dos Estados Unidos que mostraram o vídeo para um jornalista do New York Times sabiam indicar o lugar onde os assassinatos haviam ocorrido, mas acreditavam que o episódio havia acontecido em outubro, cerca de três meses depois da data indicada por testemunhas.
O vídeo mostrava vários atiradores alvejando dois homens até a morte, enquanto donos de lojas tentavam desesperadamente se esconder. Os militantes, em seguida, atiraram em um terceiro homem, que estava sentado em uma cadeira branca de plástico em frente a sua loja. Quando o homem caiu para trás, um dos atiradores o alvejou mais dez vezes no rosto e no peito.
- É isso que acontecerá com quem tentar ajudar os Estados Unidos e espionar para eles - um dos homens gritou depois dos assassinatos, segundo uma testemunha, Ahmadullah, de 25 anos, dono de loja que, como muitos afegãos, é conhecido somente pelo primeiro nome. Ahmadullah disse que ninguém ousou informar as autoridades, nem mesmo os parentes das vítimas, que vieram retirar os corpos.
- Só o que podíamos fazer era assistir silenciosamente ao que estava ocorrendo com aquelas pessoas - ele disse. - Eu conhecia aqueles homens Um deles era um simples dono de loja, e os outros dois eram empregados. Eles eram inocentes.
Um oficial do exército dos Estados Unidos que assistiu ao vídeo disse não se surpreender com o fato de os moradores do vilarejo não terem informado as autoridades sobre o ocorrido.
- As pessoas em Sabari estão vivendo sob terror absoluto, 24 horas por dia - ele disse, sob a condição de que seu nome não fosse divulgado, já que não tem autorização para falar abertamente sobre o esquadrão da morte.
- Quando conduzimos uma operação contra algum líder do Haqqani um grupo de cerca de quinze membros do esquadrão da morte vai lá e massacra pessoas.
Em outubro, insurgentes mataram outro homem no mercado, cerca de dois dias após uma operação noturna no vilarejo por tropas do Afeganistão e dos Estados Unidos. Dessa vez, a vítima foi um comerciante da cidade de Khost que visitava o local, chamado Nasib, que foi arrastado de seu carro enquanto seu filho de cinco anos assistia a tudo do banco do passageiro. Seus abdutores o arrastaram até o mercado e o assassinaram em plena luz do dia.
No entanto, ao serem questionados sobre os assassinatos, o governador do distrito e o chefe de polícia de Sabari disseram não saber nada sobre o assunto.
- Eu nego completamente tais declarações - disse Dawlat Khan Qayoumi, o governador do distrito. - Posso garantir que, nos últimos cinco meses, não tivemos nenhum incidente desse tipo.
Autoridades de saúde pública também afirmam que ouvem falar de tais incidentes, mas que raramente conseguem confirmá-los.
- As pessoas não trazem os corpos para o hospital, porque temem o Taliban - disse o Dr. Fazal Mohammad Mangal, do hospital regional de Khost.
Zabit Amen Jan, antigo morador de Musa Khel, já teve quatro irmãos assassinados por insurgentes, entre eles dois estudantes na casa dos 20 anos, cujos corpos cravejados de balas foram encontrados em junho. Uma carta escrita a mão e encontrada em um dos corpos dizia que os homens haviam ignorado diversos avisos para pararem de trabalhar para as forças de coalisão.
-Não tivemos nenhuma outra opção senão fazer isso - dizia a carta.
Jan disse que seus irmãos mais novos não tinham qualquer conexão com as forças de coalisão e foram mortos porque ele e outro irmão haviam se envolvido com política.
- As pessoas costumavam vir ao nosso distrito para fazer piqueniques, porque nossa região é coberta de montanhas, pinheiros e nogueiras - ele disse.
- Agora, estão fugindo para a cidade de Khost ou para Cabul ou o Paquistão, porque estão ocorrendo muitos assassinatos e elas sabem que o governo não pode ajudá-las.
Violência rebelde
Militantes usam esquadrões da morte no Afeganistão
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