Relatório interno da Carris sobre veículos afastados da circulação por necessidade de "manutenção corretiva", ou seja, conserto após quebra, aponta que a companhia iniciou o dia 7 de dezembro de 2023 com 60 carros retidos na garagem. Do número total, 28 coletivos, quase a metade, estavam fora de operação por "falta de peça mecânica". Significa que os veículos sofreram pane, foram levados à garagem, mas não puderam ser consertados porque a Carris não dispunha das peças para a troca. A empresa é administrada pela prefeitura de Porto Alegre, mas está em processo de privatização.
Os dados são do sistema interno da companhia de transporte e foram obtidos com exclusividade pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI). O relatório, emitido em 7 de dezembro, também aponta a data em que o coletivo foi retido: os de prefixo 0865, 0804 e 0805 estavam parados desde 27 de junho, quase seis meses, por falta de peça. A situação era ainda pior com o carro 97, que, no dia 7 de dezembro, completou dez meses de garagem por ausência de reposição mecânica.
Os relatórios de veículos afastados são emitidos e atualizados diariamente, um pela manhã e outro pela tarde. Fontes ouvidas pela reportagem do GDI indicam que, fora da época de calor extremo, o número médio de afastamentos está girando em torno de 60. O número costuma ser maior em período de alta na temperatura por problemas no ar-condicionado e superaquecimento veicular. A frota operante da Carris tem 249 carros na Capital.
Depois da "falta de peça mecânica", os demais motivos de afastamento revelados pelo relatório são diluídos entre "problemas mecânicos", "reforma de motor" e reparo em "oficina externa".
Três carros estavam fora de serviço "aguardando assinatura de contrato" - o que envolve prestação de serviço mecânico e fornecimento de peças - e outros três foram descritos como problema de "limite orçamentário". Dois permaneciam fora de circulação por outro tipo de falta de peça, estas para os serviços de chapeação.
Professor do Laboratório de Sistemas de Transportes (Lastran) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fernando Dutra Michel avalia que o relatório revela um índice "grande de manutenção corretiva" na frota da Carris. Para o especialista, o cenário reflete o envelhecimento dos veículos da companhia, atualmente com idade média de 8,24 anos. A reportagem do GDI, em blitz pela cidade, flagrou 15 coletivos da Carris fabricados em 2009, os quais já estão no 14º ano de transporte de passageiros.
— A relação entre depreciação do carro e custo de manutenção está embutida na tarifa, mas, com a idade avançada da frota, vem a necessidade forte de manutenção corretiva. Chega uma hora que o custo fica muito alto. É hora de trocar o veículo — diz Michel.
Ele destaca outro aspecto específico da empresa, ainda estatal, que pode trazer embaraços quanto ao modelo de manutenção.
— Uma das dificuldades que a Carris pode ter, por ser pública, é de receber um tipo de carro diferente a cada licitação (de compra). Ela não tem um padrão de carro e precisa de várias peças diferentes. Isso prejudica o planejamento — afirmou o professor.
A última licitação da companhia para adquirir coletivos aconteceu em 2020, ainda no governo do ex-prefeito Nelson Marchezan. O relatório obtido pelo GDI revela que o problema atual é agravado por veículos estragados que aguardam conserto devido à insuficiência de contrato de fornecimento de peças e de prestação de serviços mecânicos.
Série de reportagens do GDI revelou que a frota da Carris conviveu com a quebra média de oito veículos por dia nos meses de outubro e novembro de 2023, com chamados de socorro mecânico e guincho nas ruas. Essas situações de resgate geram transtorno e atraso aos passageiros, que são forçados a desembarcar sob o tempo e aguardar a baldeação para o próximo carro, o que costuma causar superlotação. As reportagens também mostraram que Porto Alegre, em comparação com quatro das capitais mais populosas do Brasil, tem a maior idade-limite para a circulação de coletivos: são 14 anos de vida útil.
Carris garante investimentos e aponta greve como responsável por falta de peças
A Carris informou, em nota, que durante este ano, investiu R$ 22,8 milhões na aquisição de peças e equipamentos destinados ao setor de manutenção da empresa, “com objetivo de diminuir o período de retenção de veículos na oficina”. A estatal em processo de privatização ainda reforça que “o valor é 26% maior do que foi investido no ano de 2022”.
Sobre o tempo que alguns coletivos chegam a permanecer na garagem, a companhia culpou uma greve em Minas Gerais. Segundo a nota enviada pela Carris, “o atraso no fornecimento de peças, impactado pela greve do polo automotivo de Minas Gerais”, foi determinante para a “ampliação do tempo de retenção de veículos na oficina”.
A Carris ainda negou que os problemas na manutenção sejam responsáveis pelo alto índice de quebras de ônibus da empresa. A nota afirma que “o índice de quebras dos veículos em operação não está diretamente relacionado à falta de peças de reposição, podendo ser resultado de vários fatores”.
Confira os quantitativos e motivos dos afastamentos de carros da Carris no dia 7 de dezembro
- Falta peça mecânica - 28 afastados
- Problemas mecânicos - 7 afastados
- Reforma de motor - 5 afastados
- Oficina externa - 4 afastados
- Aguardando serviços de terceiros - 3 afastados
- Aguardando contrato - 3 afastados
- Limite orçamentário - 3 afastados
- Falta peça chapeação - 2 afastados
- Problemas elétricos - 2 afastados
- Enviar oficina externa - 1 afastado
- Caixa automática - 1 afastado
- Evento - 1 afastado
- Total - 60 carros afastados