Um ano antes das primeiras eleições diretas para presidente do Brasil, em 1989, os Estados Unidos debatiam um possível novo golpe militar em gestação no país. É o que revela um memorando de 22 de novembro de 1988 preparado por analistas da agência de inteligência americana especificamente para um encontro entre o diretor da CIA e o secretário de Estado George Shultz, no governo Ronald Reagan.
Passados 27 anos do movimento da Legalidade, que garantiu a posse do vice João Goulart, os americanos não tinham perdido de vista o líder daquela resistência. No documento intitulado "Brasil: a economia e perspectivas para um golpe" os autores do relatório supõem que Shultz provavelmente questionaria o diretor da CIA sobre pressões para uma nova intervenção. A preocupação, desta vez, era com a ascensão de Brizola e as chances de ser eleito presidente: "O secretário deve querer discutir perspectivas para um golpe no Brasil e as chances de Leonel Brizola ser eleito presidente nas eleições presidenciais do ano que vem (novembro 1989)", diz o texto. O boletim destaca que "industriais brasileiros chaves estão enviando sinais, por meio do ex-presidente General Geisel, ao alto comando militar que uma intervenção é necessária". Geisel, que governou o país entre 1974 e 1979, teria "firmemente rejeitado o pedido, pelo menos até agora".
Leia a reportagem especial:
RS na mira da CIA: Brizola e Erico Verissimo eram monitorados pelos EUA
CIA aponta que Brizola teria planejado ataque em Punta del Este
Erico Verissimo e Josué Guimarães foram citados em documentos secretos
Por que a rua Voluntários da Pátria era monitorada pela CIA
Como a CIA interpretou a Legalidade e o golpe militar de 1964 no Brasil
Além de Brizola, o Departamento de Estado americano estava preocupado com a economia brasileira: a inflação beirava os 1.000% ao ano. O texto critica a administração do então presidente José Sarney, caracterizada por "políticas econômicas vacilantes". Com subtítulo "preocupações militares", o documento aponta deterioração econômica e greve de metalúrgicos como questões que "acenderam o alerta em alguns círculos militares e entre seus aliados no setor econômico". Diz o texto: "Oficiais estão envolvidos com empresários e banqueiros em planos de contingência para uma possível intervenção militar". Entretanto, analistas acreditam que os militares não agiriam dessa vez, "a menos que o agravamento das condições sociais leve a uma destruição da ordem civil".
No contexto das discussões secretas sobre um hipotético novo golpe por setores empresariais e militares, estava a Assembleia Nacional Constituinte, encerrada em setembro de 1988 com avanços consideráveis para a classe trabalhadora.
Analistas acreditam que, eleito em 89, Brizola certamente causaria novas dores de cabeça a Washington: "Ele provavelmente tomaria ações radicais de forma unilateral em relação à dívida externa" e "favoreceria nacionalização do setor bancário, reduzindo investimentos externos e importações em geral".
Clique na imagem para ler a íntegra do documento da CIA
Desde o início da redemocratização, a CIA monitorava a fundação de novos partidos no país. No documento chamado "Latin America Review", de 2 de agosto de 1985, há detalhes sobre movimentações políticas, Brizola e o PDT, fundado em 1979.
"Desde sua criação, o PDT tem servido principalmente como veículo político pessoal para Brizola. O partido é mais forte no Estado do Rio Grande do Sul, onde Brizola foi uma figura política proeminente nas décadas de 1950 e 1960, e no Estado do Rio de Janeiro, onde agora é governador". Na visão americana, líderes militares poderiam impedir a posse de Brizola: "Seja ou não presidente, acreditamos que Brizola continuará a desempenhar um papel importante na política brasileira".
Brizola nunca chegou à presidência. O ex-governador gaúcho, que havia encerrado o mandato no Rio em 1987, acabou em terceiro lugar na disputa ao Palácio do Planalto. Ficou fora do segundo turno por diferença de 454 mil votos em relação ao candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Fernando Collor de Mello venceu o pleito e tornou-se o primeiro presidente eleito pelo voto direto.