No final da manhã de quarta-feira (30), Priscila de Freitas, 40 anos, se encontra sentada na frente da porta principal do ginásio do clube XV de Novembro, no interior de Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari. Com o semblante abatido, recupera-se de uma noite mal dormida. Apesar de ter tomado remédios para conseguir conciliar o sono, não se sente descansada.
— Me sinto um zumbi — resume.
Pelos últimos seis meses, desde que sua casa foi destruída pela enchente que arrasou o vale, sua rotina é essa: sofre para dormir à noite, em razão do calor e do barulho nos alojamentos comunitários por onde já passou, e luta para se manter acordada durante o dia. A ex-dona de casa é uma das 36 famílias que ainda vivem em um dos últimos abrigos coletivos montados de forma improvisada depois de os rios da região destruírem casas e ruas.
No interior do ginásio, paredes de madeira fina separam cada dormitório ocupado pelos desabrigados tardios.
— É muito difícil. Na madrugada passada, tinha alguém assistindo televisão a todo volume. Depois de tanto tempo fora de casa, as pessoas vão ficando muito estressadas, qualquer coisa dá desentendimento. A relação com as outras pessoas é a parte mais difícil de ficar tanto tempo em um abrigo — conta Priscila.
Durante a cheia, ela perdeu a mãe, de 65 anos, ao ser arrastada pela correnteza depois que a casa onde vivia desmoronou. O filho de 12 anos também foi levado, mas conseguiu se agarrar a uma árvore e sobreviveu. Hoje, o adolescente mora com parentes na zona urbana, enquanto Priscila e o marido seguem no ginásio.
— É muito triste ficar longe dele — lamenta.
A família agora vive outro drama: como o ambiente onde os desabrigados estão instalados é considerado insalubre, e o clube já avisou que precisa do espaço para sua celebração anual a ser realizada em 15 de novembro, é preciso encontrar outro lugar para ficar.
A prefeitura viabilizou, por meio de acordo com o governo estadual, 28 moradias provisórias que já estão ocupadas. A secretária de Assistência Social e Habitação de Cruzeiro do Sul, Elisângela Beatris Becker, afirma que o município solicitou outras 35 casas temporárias ao Piratini (uma família restante seria contemplada com aluguel social).
— Teremos, sim, de organizar com brevidade a saída deles. Mas o município não tem condições (de providenciar isso sozinho), e depende de auxílio — afirma Elisângela.